Tenho uma teoria quanto a certas cantoras possuírem vozes que se confundem mesmo com os instrumentos que as acompanham: assim seriam Billie Holliday (podendo dividir-se em mais de um, como o piano e os metais de "If you were mine"), Maria Bethânia (violoncelo de "Fera Ferida"), Gal (guitarras em "Meu nome é Gal"), Marisa Monte... Já outras, num "segundo patamar", se suas vozes não se tornaram os instrumentos de seus arranjos, com estes elas têm o poder de se unir como uma luva: assim são Ella Fitzgerald, Amy Winehouse, Nana Caymmi... Ah, Nana: tenho-a redescoberto desde que "desenterrei" um dos melhores discos que já ouvi, Resposta ao Tempo, de 1998, seu primeiro disco de ouro (não só pela sua qualidade musical, como, particularmente, por ter sua canção homônima sido um estrondoso sucesso como tema de abertura da série-novela Hilda Furacão) e, se no ano passado eu fui às lágrimas com sua interpretação, neste mesmo disco, de "Não se esqueça de mim" (ao lado do "Tremendão" e co-compositor, Erasmo Carlos), agora foi a vez de me emocionar profundamente ao ouvir, em sua belíssima voz, os versos "E o tempo se vai com inveja de mim/ Me vigia querendo aprender/ Como eu morro de amor/ pra tentar reviver" do genial letrista Aldir Blanc...
Tudo bem que os arranjos do próprio Cristóvão Bastos, co-compositor da música, tornaram-se inesquecíveis (aquela introdução...), mas a Poesia de "crônica metafísica" do eterno mestre Aldir, quando a redescobri nesses versos, na voz casada aos arranjos de Nana, na semana passada, sozinho, no carro... Como levei tanto tempo para essa "redescoberta"? Talvez pelo hipnotismo que o arranjo da linda melodia, casado com a magnânima voz de Nana provocam... Por isso é que hoje faço questão de relembrar este lindo poema, começando a trilha de Play it again, Sam (coluna ao lado) não com a já clássica interpretação da filha mais velha do eterno Dorival Caymmi (essa eu deixei para tocar em seguida, com o igualmente lindo "Não se esqueça de mim"), mas com uma não muito famosa interpretação intimista do próprio Aldir Blanc... Letra e música com vocês, meus queridos blogueiros de plantão, pelo tempo que precisar...
Resposta Ao Tempo
(Cristóvão Bastos/Aldir Blanc)
Batidas na porta da frente
é o tempo
Eu bebo um pouquinho pra ter
argumento
Mas fico sem jeito, calado
ele ri
Ele zomba de quanto eu chorei
porque sabe passar
e eu não sei
Num dia azul de verão sinto vento
há folhas no meu coração
é o tempo
recordo um amor que eu perdi
ele ri
Diz que somos iguais
se eu notei
pois não sabe ficar
e eu também não sei
E gira em volta de mim
sussurra que apaga os caminhos
que amores terminam no escuro
sozinhos
Respondo que ele aprisiona,
eu liberto
Que ele adormece as paixões
e eu desperto
E o tempo se vai com inveja
de mim
Me vigia querendo aprender
Como eu morro de amor
pra tentar reviver
No fundo é uma eterna criança
que não soube amadurecer
Eu posso, ele não vai poder
me esquecer