Correu a vista pela ampla sala à sua frente. Nada. Uma sala grande, espaçosa, mas não conseguia encontrar nada. Seu olhar percorreu tudo, sem deixar nada de lado: o grande sofá postado à sua frente; o televisor com o recém-importado 'home theater'; a grande estante repleta de livros; o lustre; o abajur... Nada. Nada havia ali – em tudo que via, nada restava para ser sentido daqueles objetos caros, sujos e sem valor...
Esfregou os olhos com a ponta dos dedos, lenta e demoradamente – abria-os e o grande relógio de parede, depois do breve fechar, era a primeira coisa vista, a indicar dez horas.
Era noite. Toda frieza e morbidez calmas da noite entravam no apartamento de cobertura em que morava, vindo a se arrastar com o suave vento que tremulava as cortinas brancas sobre a janela entreaberta... – A janela – pensou. E numa atitude maçante se tornou o levantar vagaroso de sua cadeira importada, continuado de seus leves passos em direção à janela. Parou. Observou. Nada. Tudo ali embaixo se movia, tudo se mexia com uma aparente alegria a despontar em seus olhos marejados de lágrimas, que demoradamente escorriam, a lavar-lhe o rosto impassível, sonolento depois de um breve bocejo. Mas não estava com sono.
Do parapeito da janela ele observou a Lua. Uma Lua cheia, de feitiço e de mandinga, de luxo e de estrelas. Cheia de frustração, ele a olhar para a Lua sem nada encontrar. Ter que olhar para ela do alto de um edifício porque lá embaixo só se viam prédios e se perdia o valor do céu – Que valor?
Circundava, com sua visão intrujona, vendo, ao lado da Lua, estrelas... Estrelas... – Uma estrela cadente: faça um pedido!... Era tarde...
Percebeu um vulto na sacada de um prédio vizinho, a uns três andares e dois prédios do seu. Ele fitou-o, até descobrir que se tratava de uma mulher. As nuvens, aos poucos, passaram a caminhar lentamente, deixando a Lua a iluminá-la. Era linda. Em um vestido branco, suave como ela, a bela jovem deixava com seus trejeitos e com a boa vontade do vento, que se olhasse uma amostra de seus seios. Ela, com uma taça de bebida que acabara por deixar cair segundos antes graças a um leve tropeço em sua sacada, transpirava incertezas... Mais alguns segundos depois, levantou-se e, como se desse adeus à solidão que tanto carregava em seu semblante, num gesto sublime, mergulhou após a taça e a bebida, sem destino, pensando ser menina-voadora sem asas – Adeus, solidão! Voe em seus últimos, céleres e inevitáveis sonhos...
Ele suspirou. Contornou perifericamente tudo à sua volta por alguns instantes, fechou a janela e foi deitar-se. Afinal, amanhã seria outro dia...
(Dilberto L. Rosa, fevereiro de 1993)