quinta-feira, 30 de abril de 2015

Cinema, Televisão, Super-Heróis e Morcegos:

11 Anos e Um Segredo

Voando há 11 anos... Vamos continuar?
Depois dos sucessos das matinês (Flash Gordon, Buck Rogers etc.) e dos fenômenos televisivos (Superman, década de 50, com George Reeves, e Batman, 66, com Adam West e Burt Ward), espécie de primeira geração de super-heróis para o Cinema e a TV, foram mesmo Superman - O Filme (1978) e Batman (1989) os reais divisores de águas nas adaptações, em definitivo, de personagens dos Quadrinhos para live action, com atores interpretando o que até então era considerado infantil ou exagerado demais para se levar ao grande público. E, apesar de mais de dez anos separarem um título do outro, foram os dois maiorais da DC Comics que realmente inauguraram a segunda geração de super-heróis no Cinema e na TVdando o pontapé inicial para uma nova era, que refletiria no sucesso deste nicho em tempos atuais, de bilheterias milionárias para inúmeros filmes – ainda que os seus "colegas de geração" tenham sido tão sofríveis: também foram desse período, entre os anos 80 e início dos 90, bombas como o fantasioso e colorido em excesso Dick Tracy, de um distante das HQs Warren Beatty; O Justiceiro, com um careteiro Dolph Lundgren; As Tartarugas Ninjas e suas inúmeras e infantiloides continuações; Capitão América; Howard - O Super-Herói...

Acompanhei decepcionado um segundo fenômeno daquela segunda geração: a migração para os seriados televisivos. Tudo bem que The Flash marcou época e era até razoável, apesar de todos os pesares (protagonista mal escalado, efeitos capengas, histórias fracas no geral), sem esquecer que pertencia ele a uma espécie de "segundo escalão" (famoso entre os fãs, só que sem a popularidade da "santa trindade DC": Super-Homem, Batman e Mulher Maravilha). Mas quando anunciaram, pouco tempo depois, que o maior de todos viraria série de TV e seria "interpretado" por um péssimo Dean Cain, dando ênfase ao seu relacionamento com Lois Lane (a bela Teri Tatcher) em detrimento da ação e dos grandes vilões, no sofrível Lois and Clark (no Brasil, conhecido como As Novas Aventuras do Super-Homem)... Foi, no mínimo, triste! O Cinema, decididamente, mostrava-se como a melhor praia para aquelas adaptações: uma produção mais caprichada para um espetáculo de duas, duas horas e meia, ainda era o mais respeitável veículo para os super-heróis, com o brilho e a dignidade de grande evento de que cada um deles precisava!

Foi necessária uma década inteira para ver novamente, e nos cinemas, grandes personagens com filmes à altura, dando-se início à terceira geração com X-Men - O Filme (2000) e, logo em seguida, Homem-Aranha (2002), que, com suas "liberdades artísticas" de estúdios diversos (Fox, Columbia...) e suas expressivas arrrecadações mundiais, "forçaram" o surgimento da Marvel Studios – que alavancaria de vez os (seus) heróis a um digno status de celebridade pop até entre pessoas que jamais abriram uma revistinha, e, com isso, definitivamente criaram um novo subgênero cinematográfico: a "aventura/ação de super-herói"! Começando tudo com o ótimo Homem de Ferro (2008), parece mesmo que a Marvel iniciou uma atual quarta geração, apesar de menos de uma década separá-la daquele tímido comecinho promissor do início dos anos 2000... Afinal, existiram produções esquecíveis – normalmente pertencentes a outros estúdios, como Quarteto Fantástico, Wolverine, O Espetacular Homem-Aranha 2... –, mas o saldo acabou se provando positivo em sua maioria, tanto em termos de lucro quanto de qualidade, que até a sua rival DC Comics resolveu abrir os olhos e repaginar seu maior detetive: a trilogia de Christopher Nolan (Amnésia), iniciada em Batman Begins, sacudiu as plateias e o mercado mundiais, criando o terreno necessário para a vinda do seu "messias": O Homem de Aço podia não ser o melhor do Super-Homem, mas mostrava que o Escoteiro Azul tinha fôlego para os novos tempos (tanto tinha, que os recentes anúncios de Batman Vs. Superman - A Origem da Justiça quase abafaram o lançamento de Os Vingadores 2 - A Era de Ultron)...

De repente, era tanta gente poderosa, com tão ricas possibilidades de adaptação, que se voltou às origens: depois do boom na tela grande, era hora, novamente, de ver a telinha recheada de super-adaptações das HQs! E então, ao fim do sucesso estrondoso da novelinha teen de 10 anos, Smallville, era a vez de outros personagens da DC darem as caras – e as cartas – na TV: casos de Arrow (Arqueiro Verde), Flash (de novo, só que mais jovial: tendência do mercado) e Gotham (Gordon recém-chegado, Bruce menino e jovens futuros vilões da famosa cidade em roteiros policialescos). De fato, a qualidade televisiva melhorou, até vi alguns episódios de cada um, mas continuo achando equivocado esticar seriados (e suas "liberdades autorais") em torno destes supercaras... Na verdade, com o lançamento recente para a NetFlix de Demolidor, da Marvel (sem esquecer o anterior Agentes da SHIELD), fica evidente que, atualmente, há um excesso nessa seara fantástica para onde quer que se vire! E, assim, não há como um ser humano comum, trabalhador e/ou chefe de família normal e sem poderes, acompanhar tudo – sem falar no tamanho da superexposição midiática de cada herói, o que acaba por cansar antes mesmo de permitir que se acompanhem tantas produções! Uma pena: acabei por me afastar de velhos costumes nerd, onde, a cada super-estreia, eu era figurinha carimbada nas longas filas para a primeira sessão ou me preparava, com semanas de antecedência, para gravar os primeiros episódios (ainda que, depois, viesse a me arrepender)...

E o que isso tudo teria a ver com o título desta postagem especial do aniversário de 11 anos dos Morcegos?! Bom, explicando para o incauto blogueiro de ocasião (sim, porque o meu querido "blogueiro de plantão" pode até ser incauto, mas não desatento!), não muito afeto a visitas por estas bandas – e, por essa razão, não familiarizado com as dezenas de posts temáticos por sobre datas especiais, como aniversários ou datas especiais anos de blogue (bem como "fins" de blogue"retornos" de blogue"férias" de blogue etc.) –, os Quadrinhos, e, mais precisamente, o universo filosófico dos superseres de capa e uniformes colados e multicoloridos, sempre estiveram presentes neste humilde espaço virtual, de forma explícita ou latente. E, se não se fizeram visíveis nas minhas primeiras incursões virtuais como blogueiro em 2004, vez que os Morcegos nasceram como espaço apenas para meus poemas e crônicas, passaram a fazer, com o tempo, parte da própria essência deste blog, em meio a outras referências do melhor estilo pop que permeia as "artes em geral" por aqui discutidas e defendidas.

Onze anos... Faz a gente pensar, não? Que, no fundo, há algo de super-herói em alguém que mantém, com tanto zelo, um veículo de comunicação por tanto tempo no ar sem maiores visibilidades, tampouco ganhando um centavo sequer por isso... Há algo de louco num sujeito que, por ter poderes sobre-humanos, veste trajes espalhafatosos (como capa amarrada no pescoço e cueca sobre a calça ou microssaia ou uma blusinha decotada e bem machista) e sai combatendo o mal tanto quanto num cara que mal tem tempo para si ou sua família e dedica algumas horas de umas duas ou três vezes por mês (pensar que já houve mês, há muito tempo, com até 3 posts numa única semana!) para escrever sobre tantos mundos para um mundo de pouquíssimos (porém fiéis) visitantes – ou alguém mais que cair aqui por acaso, por causa de alguma palavra-chave ou foto bem colhida... E, por mais que sempre se esmerem no caprichar da produção de cada publicação, os Morcegos, infelizmente, estão mais para uma pequena série televisiva de baixo orçamento, e com o eterno risco de, a qualquer hora, ser cancelada por falta de público (ou de paciência), do que uma superprodução cinematográfica que arrecada milhões!

E por que não parar, dar adeus ao mundo virtual e fechar seus escritos à espera de uma tão sonhada publicação real? Está aí um mistério sobre o qual os alados companheiros sempre me perguntam, desde abril de 2004... Na verdade, até dá para explicar o tal "mistério": para alguém que ama as Artes (especialmente Cinema, Música e Literatura), não parece apetecer sentar-se de papo para o ar, com a boca escancarada e cheia de dentes, neste mundo burocrático de cá, sem ao menos um salvo-conduto de adentrar a dimensão de lá, do virtual das minhas letras soltas sem destino e precisas nas amarras de sempre escrever, mesmo quando tudo em volta diz que não dá – o que parece, convenhamos, algo tão reconfortante e libertador quanto o melhor e mais caro dos divãs! É a eterna fábula do herói que voa liberto nos sonhos antes de acordar herói preso num mundo burocrático... Aliás, parábola lindamente explorada no primeiro capítulo da excelente série em quadrinhos Astro City, que estou tendo o prazer de finalmente ler hoje em dia, nalgum horário que me sobra entre as 12:30 h e a uma da matina...

Sim, porque, diferentemente de outras ocasiões, onde eu corria para ver o mais novo lançamento da vez a fim de trazer um "evento temático" para alguma postagem especial como o é a de um aniversário deste blogue, e por mais que eu incida, novamente, no universo dos fantasiados superjusticeiros, hoje não poderei tecer qualquer loa a Os Vingadores 2, por exemplo, por absoluta falta de tempo! Ao contrário, neste finzinho de dia 30 de abril estou me preparando para ver se consigo dar uma olhada, ainda que só em um trechinho (às vezes vejo um filme em várias "partes" ao longo da semana...), de Boyhoodtalvez mais a minha "realidade" no momento, em meio a essa busca eterna de algo etéreo e sobrenatural por entre os anos que nos escorrem pelos dedos, mas que se materializam no crescimento dos filhos – a propósito, concorrente ao Oscar deste ano, é aquele que foi realizado ao longo de 12 anos com os mesmos atores, tudo para filmar o crescimento real do garotinho que se torna homem dentro de uma família comum, como outra qualquer... 

– Então seria esse o "segredo" do título: os Morcegos planejam pendurar as asinhas ao completarem 12 anos, em 2016?!, perguntaria o mais incauto (porém sempre atento) dos blogueiros de plantão... E eu diria que não, não se trata disso: na verdade, sem entrar no mérito de qualquer revelação pura e simples de alguma famosa identidade secreta, prefiro pensar noutra forma mais melancólica para encerrar esta superpostagem, que é lembrar o "primeiro ano perdido" destes Morcegos... – Como é que o blogue faz 11 anos, se o primeiro ano mostrado no histórico das suas postagens é 2005? A conta não bate... E nem é pra bater: é que o primeiro de todos, o famoso 2004 em que descobri este universo graças à amiga Drica, pertencia a "outra Terra", a do Weblogger, servidor que abrigava o antigo www.dilbertolrosa.weblogger.com e que deixou de existir em 2005... Desta forma, depois de devidamente transferido às pressas pra cá para o Blogspot pela amiga-irmã de priscas eras antes da crise nas infinitas terras virtuais que consumiram o antigo hospedeiro virtual, sobraram somente as cinzas das lembranças dos textos que por lá publiquei, remanescendo o primeiro ano como um grande segredo – ou quase: alguns posts salvos no PC já foram replicados por aqui... 

E como a ideia sempre foi brincar com os elementos sagrados da esfera pop/nerd e de veia super-heroística dos novos tempos, monto o nosso "pôster promocional" do 11.º ano por cima de um filme bem bacana, 11 Homens e Um Segredo, refilmagem do clássico com Frank Sinatra, Dean Martin e Sammy Davis Jr., dentre outros canalhas cool maravilhosamente bem substituídos na versão moderna por adoráveis safados como George Clooney, Brad Pitty e Mark Walberg, que, quase como modernos super-heróis dos novos e cínicos tempos (em que fica difícil dividir o mundo entre o "Bem" e o "Mal"), tão bem adaptaram o famoso assalto a banco do passado num mirabolante superfilme bem atual (com direito a duas outras continuações igualmente divertidas)! Já as demais ilustrações desta postagem não passaram por nenhuma montagem: são todas do super-ilustrador Alex Ross, famoso por pintar seus trabalhos baseado em fotos de modelos devidamente caracterizados, tudo com o fim realístico de humanizar ao máximo as tão endeusadas e distantes figuras superpoderosas – não há como negar: há algo de filosófico nesta subliteratura desenhada que tanto atrai pessoas de todas as idades...

"Nunca foi tão bom ser nerd", diriam os milionários donos daquele lucrativo site de notícias deste universo que tanto se expandiu nos último tempos  e com ainda muito para expandir-se, como deve se dar com a mais que aguardada continuação da saga Star Wars e seu Episódio VII devidamente anunciado para o final do ano (e fartamente celebrado com emocionante trailler recente)... Eu diria mais: nunca foi tão da moda, dispendioso e, por vezes, cansativo ser nerd... Bom, acho que, no fundo, essa era a ideia: escrever e voar ao mesmo tempo, e sempre – independentemente de ter alguém olhando, mas sem deixar de surfar nas ondas da vez! Desde 1991 aprendendo sobre este ofício e o modernizando, por meio da internet com meus humildes escritos para um mundo inteiro e desconhecido desde 2004, ao fim de onze parágrafos devidamente contados e explicitados em mais um simbolismo barato destas bandas, peço agora vênia para seguir voando nu em meus sonhos mais realistas antes de lutar para ver a próxima superprodução de algum querido personagem criado (bem) antes de 2004: vida longa e próspera aos Morcegos, inadequados super-heróis literatos do mundo do amanhã!


quinta-feira, 23 de abril de 2015

Gênio de Sonho

Hoje é aniversário do gênio-maior de nossa Música, Alfredo da Rocha Vianna, o Pixinguinha  e, não por acaso, é também celebrado o Dia do Choro, gênero inicial de nossa Música! Acho que, por isso, sempre sinto abril como que permeado pela flauta de Altamiro Carrilho ao fundo, com o clássico Odeon, de Ernesto de Nazareth, ou a maravilhosa Pedacinho do Céu, de Valdir Azevedo (devidamente "apropriada" pelo amigo Ricarte Almeida Santos, em seu Chorinhos e Chorõesradiofônico baluarte maranhense de alegre resistência do Choro), a tocar em minha mente como uma espécie de "tema do mês"! E, aproveitando a ocasião pra lá de especial (e absoluta falta de tempo atual), republico hoje esta crônica poética feita em 2005, com um passeio onírico pela vida deste gênio simples, que há tanto tempo (+ 1973) deixou esta 'terra brasilis' mais empobrecida... Saravá, Pixinga!


Gênio de Sonho
(Dilberto L. Rosa, 2005)

Às vezes me pego numa velha cadeira de balanço de tempos idos a divagar sobre, nessa vida, onde é mesmo que termina o sonho e começa a realidade... Na verdade, mais penso no que os grandes poetas já disseram do que realmente crio coisas novas (como quando penso nos sonhos de Fellini, poeta da imagem, em seus oito e meio de arte nota dez). Ainda assim, teço minhas teias, sem pressa, antes que o sono venha me buscar...

Em meu saudosismo quase patológico, envolvo-me na pureza (ou na ideia de que ela possa existir) da melodia mais perfeita e me sinto tragado por uma pastoral de Beethoven ou por alguma das estações de Vivaldi (aí é que a divagação fica completa!) e logo penso que antes do branco era o preto e que antes da melodia havia o batuque: passo a imaginar um preto alto, magro, desajeitado, com a cara marcada e a boca de aparência desdentada, e dela sai o mais belo som de flauta, tão bonito quanto uma pastoral ou uma estação (ou ainda uma variação bachiana), porém mais pungente  tem malícia, tem ginga, um tempero todo diferente...

E que venha o piano, o saxofone e o instrumento que for, que o preto toca! E arranja (coisa nova até então) e compõe e orquestra para quem não sabe ler partitura e reinventa a música que antes só se via branco tocar... E segue o sonho, com o preto sendo aplaudido pela brancarada de todo lugar, de Paris a Buenos Aires, com Vila Lobos, Stokowski e Gnatalli a se babar - até o rei belga vinha se encantar! E tal como um Mozart, com um Sallieri em seu encalço, o preto, por vezes esquecido ou ainda perseguido pela bebida, foi tantas vezes invejado e injustiçado pelos Lacerdas da vida... Mas o preto, danado que só ele, acabou passando por cima de tudo, macumbou em Macunaíma, ensinou contraponto por tabela a muita gente, abrasileirou os clássicos europeus juntamente aos sambas africanos (criando um lamento novo, como num choro de criança que nasce) e ainda morreu como santo, numa igreja, em pleno carnaval...

Às vezes penso (ou sonho, ou divago...) se Pixinguinha mesmo existiu... Afinal, todos tantas vezes o viram de pijamas que chego a pensar se ele, ingênuo com toda aquela sua pureza, não estaria dormindo e sonhando sua música perfeita dentro de algum outro sonho que não o meu... Teria ele mesmo nascido (quando, afinal: em 1887, em 1888... em 1933?!), e seria no Catumbi ou na Piedade? E o apelido: viria do Bexiguinha da varíola ou do Pizindim de menino bom (e a tal avó africana realmente aconteceu?)? Eu me pergunto se esse preto batuta e genial realmente existiu ou se tudo não passou de um devaneio da Música Brasileira, que quis um dia nascer autêntica e acabou tomando carona no sonho dos acordes de mestre inventado pela mais pura e virtuosística composição musical já sonhada...

Acho que sofro porque quero e vivo perdendo a noção da realidade de propósito... Acordo, de repente, com o telefone e me pego com uma rosa no colo, ouvindo Carinhoso no rádio antigo, divagando, tristemente, naquele tempo maravilhoso que não vivi, a me embalar tetricamente na grande cadeira de balanço da casa do meu tio-avô Urbano, que adorava Pixinguinha e que hoje já não existe mais em lugar algum além de nas minhas melodiosas e oníricas recordações...

terça-feira, 7 de abril de 2015

Sem Billie não se vive...



Quando ouvi o Jazz de Billie Holliday pela primeira vez, na adolescência em que também descobri a Bosa Nova de João Gilberto, fiquei perplexo, num choque bastante similar ao de não saber o que dizer diante do que ouvia, tal como se deu com aquele baiano genial: era aquela presença doce e sofrida ao mesmo tempo, com voz incrivelmente casada com os instrumentos em volta, porém "estranha"; que até parecia "desafinada" a princípio, mas que era instantaneamente constatável como perfeita; que aparentava relativa "fragilidade", mas que facilmente se revelava como das maiores e pulsantes que você já teria ouvido na vida... E, tal como se deu com a paixão instantânea com o Pai da Bossa e sua batida perfeita, naquele mágico violão fazendo amor com sua voz ritmada e respiradamente maravilhosa, eu queria mais e mais da Mãe do Jazz e sua belíssima feminilidade de voz desnuda, como se estivesse exposta num divã a implorar por compreensão!

Sim, ela era frágil, tanto que jamais se reconstruiria de suas origens difíceis, tendo, talvez por isso, o álcool e a heroína como as mais fortes amizades... Sim, ela possuía mesmo aquela estranha forma de se fazer etérea, como se não estivesse ali onde estava cantando... E, sim, aquela sua voz professoral com cada palavra bem dita e entoada (que a mim e a Frank ensinou como se canta aquele ritmo negro) queria ser amada sem a dor de muitos de seus duros amores de ambos os lados, sem o açoite contra a sua pele de papéis secundários, na vida ou no Cinema, e por isso brincava por tantos tons até se afinar e se sentir bem no encaixe perfeito com cada melodia... Mas isso era ela por trás da voz, porque ela, a voz, era-lhe independente, só tomando de empréstimo essas pequenas idiossincrasias ao bel prazer de cada canção a interpretar - e por isso ela acabaria por lembrar outro grande gênio da voz, Orlando Silva, especialmente em relação aos percalços do final da trajetória: se os críticos lhe aferroavam a perda da maior parte do seu potencial no fim de uma carreira de vícios e excessos, era visivelmente audível que, na verdade, ele só se reinventava em outros tons possíveis, o que em nada lhe diminuíam o talento... Assim também era Billie, um talento novo até o último dia de seus bem vividos 44 anos de existência mágica!

Ah, mas ela se destruiu, acabou com sua vida e com seu talento divinos... Não creio: falou-se igual por entre os tabloides e às bocas miúdas de quem não conhece Música quando a clássica-moderna Amy Winehouse (a quem o grande Tony lindamente bem tachou de uma "legítima cantora de jazz) se foi aos 27! Parece que as verdadeiras Divas não se podem demorar neste medíocre espaço físico, mas só e tão somente desfilar suas liberdades de ser e de atuar por uma breve passagem - o que, no caso da Lady Day, foi devidamente bem usufruído até o último cântico de voz envelhecida, sofrida, amada, tal como uma cantora de jazz deve ser - o que ela, simplesmente, era! Ela era o Jazz! E hoje jaz ao longe, diáfana, cem anos depois: fale baixo, meu homem, que eu mesmo comigo, sob a lua azul, só sei de um jeito fácil de viver pelo caminho inteiro, e é com aquela estranha fruta maravilhosa que exalava de sua linda boca, sempre a me amar e a me deixar a cada vez que a ouço, seja cantando a negritude, a dor, a morte ou o amor, tão longe e tão perto, nalguma melancólica gravação perdida (ou tristemente remasterizada)...

 

+ voam pra cá

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