domingo, 29 de dezembro de 2013

Eu já ouvi essa canção antes...


Dei para redescobrir algumas coisas minhas. Noutro dia, saindo atrasado, peguei o primeiro CD que avistei na minha hoje quase abandonada pilha empoeirada de discos. Nem dei nada ao escolhido de início, All That Jazz - 25 Mundo Hits (Paradoxx Music): cheguei a maldizer minha escolha apressada até, no caminho entre o elevador e o bater de porta do carro, antes de colocar a "bolachinha" no CD player. Mas qual não foi a minha surpresa quando, além de constatar que se tratava de uma coletânea interessante, ouvi uma linda canção na sexta faixa, que, na hora, remontou-me a um grande filme de Woody Allen... Mas qual? Algum dos mais novos, que vi recentemente, como Para Roma com Amor? Não creio... Dos mais antigos, então... Já sei: Hanna e Suas Irmãs! Também acho que não: tanto tempo que vi esse filme, a memória não estaria tão fresca... Mas de uma coisa eu estava certo: eu já havia escutado aquela linda canção antes...

E qual o nome daquela música?! Tão logo pude parar o carro com segurança, catei às pressas a capa do disco e visualizei, apesar da pouca luz: I've heard that song before, imortal obra de 1942 do mestre Harry James! Sim, o nome da canção era exatamente esse, "Eu já ouvi essa canção antes", em bom Português! E em que filme, afinal, o genial comediante Allen, conhecido por valer-se de grandes clássicos do Jazz nas trilhas de suas igualmente geniais obras-primas do Cinema, como Manhattan, Noivo Neurótico, Noiva Nervosa e A Era do Rádio, usou a tal canção? Bendito Google que então me faltava, celular pereba que mantenho porque "não ligo muito pra esse excesso de tecnologias num telefone", ai, ai... O jeito seria esperar voltar pra casa, ligar o PC e correr para tirar a dúvida no "pai dos burros cibernético"  precisamente o que eu fiz, para descobrir que minha memória, modéstia às favas, continua excelente: realmente havia sido na ótima comédia dramática Hanna e Suas Irmãs, livremente inspirada no romance As Três Irmãs de Tchekhov, que Woody usara aquele clássico jazzístico!

Mas qual a relevância deste pequeno acaso de gostosas coincidências no microcosmo de uma viagem de carro minha para um compromisso qualquer? Bem, achei muito interessante e, por várias razões, valioso como boa história para muito além do meu mundo de quiproquós que, normalmente, só interessam a mim ou, no máximo, à minha mulher, quando não está com sono à noite (coisa rara nesses tempos gemelares...) e aguenta ouvir um dos meus "causos diários"! Afinal, em época de fim de ano, quando a sensibilidade aflora para as infinitamente repetitivas lembranças de antigas histórias cheias de sonhos, desembocando em um sem número de resoluções para o ano que virá  mesmo se sabendo que não se cumprirá nem a metade , nada mais preciso e necessário do que uma velha canção de um velho filme, num turbilhão de metafóricas metalinguagens redivivas, para nos rememorar de nós mesmos, de quem fomos e de quem ainda podemos ser... Especialmente diante desta espécie de "dimensão paralela de felicidade absoluta", logo ali, à mão e em frente aos narizes, e cujo portal dimensional parece que se abrirá à meia-noite do dia 1º de janeiro do novo ano que se aproxima...

E, como diz a letra desta canção maravilhosa, na interpretação da "voz das bigbands", Helen ForrestA mim parece que já ouvi esta canção antes, num repertório antigo e familiar/ É engraçado como um tema faz relembrar um sonho favorito/ A letra diz 'para todo o sempre' e para sempre já é uma recordação em si..., fica fácil perceber que a vida é mais que cíclica e ninguém precisa ter o dom de viajar no tempo para descobrir o quanto de histórias em que, mesmo já se sabendo da maioria dos seus finais, ainda se insistirá, em meio a sentimentais recordações, com fé e um sorriso otimista no rosto, para seguir em frente... E assim, abraços calorosos em meio a brindes intermináveis poderão ocultar muitas realidades sem melodia no "ano novo", de novo, mas não sem antes se acreditar no que se está celebrando nesta eterna passagem de recordações... E há neste mundo viagem mais gostosa do que essa, pelo tempo de nossas mentes, a resgatar alegrias aparentemente perdidas, porém contidas numa simples canção de um disco esquecido  que, por sua vez, remonta a um filme, que traz um amor, que perdura uma alegria para mais um ano bom que, amanhã, só depende de você?

Pensando em tudo isso, chamei a amiga virtual Suzane Heck para, neste dia 29 de dezembro de 2013, fazermos juntos uma viagem afim e em paralelo nesta dimensão suspensa chamada internet. Cada um num extremo do País e ambos falando de Música da melhor qualidade e relembrando o poder de uma velha canção nas lembranças de quem sonha com letras e de quem concretiza canções em belas interpretações: Suze já se encontra em seu segundo CD, que, gentil e novamente, oferta-o a mim: presentão de fim de ano! Ei: parece que já ouvi esta canção anteriormente... Ah, creio que me lembro da letra: foi quando "venci" um concurso cultural em seu excelente 'blog' e, por isso, ganhei seu primeiro trabalho fonográfico... E isto me lembra também que já falei deste episódio neste humilde espaço virtual... O que me traz o grande trabalho que realiza esta cantora da blogosfera: ela se lembra de um clássico da Música, pesquisa um grande filme onde tal canção tocou, e dita, em seguida, sua precisa interpretação. Hum, acabei me lembrando que eu já fiz coisa parecida antes, só que fora da internet...

Foram inúmeras as interpretações deste clássico, e, embora grandes intérpretes tenham preferido cantá-la com menos intervenção dos belos metais de uma grande orquestra (tal como o fez "The Voice" Frank Sinatra), eu ainda prefiro esta canção do jeitinho que toca por aqui (aperte o play abaixo e viaje), com a inesquecível e lindíssima introdução da grande Big Band de Harry James, tal como deve ser um clássico jazzístico desta época e da mesma forma que Woody Allen imortalizou em minha memória afetiva com seu belo filme (tema da personagem da sempre ótima Barbara Hershey, que sempre caía nas promessas de um adúltero Max vonSydow)... Segue a Suze Heck, do outro lado, a cantá-la do seu jeito, igualmente belo por sobre os sempre impecáveis arranjos do maridão Roberto... Seguimos todos, então, a lembrar, porque é preciso cantar ("mais que nunca é preciso cantar", como diria o Poetinha) e alegrar a vida ainda desconhecida de amanhã com as lindas canções imagéticas de nossas memórias, porém sem data de validade para a boa Música e para os bons desejos de sempre... Por isso, feliz 2014!

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Ele é Carioca

Meu Zé Carioca favorito ainda é aquele com chapéu panamá e paletó marrom, da versão original do Cinema. Mas não posso negar que sempre gostei também do visual mais "pobretão", criação de Renato Canini: aquele da camiseta branca e sem chapéu, que, entre idas e vindas, dividiu espaço com o traje clássico nas historinhas ao longo dos anos 80, a melhor época do bom malandro - a minha infância...


Eu havia completado 5 anos de idade e me encontrava bastante distraído com minha revistinha no banheiro de casa – costume esse antigo, de ganhar livrinhos e revistinhas desde tenra idade e de levá-los para folhear na hora do "nº 2" – quando, momentos antes de soltar o “Terminei” para ser devidamente limpo pela minha mãe, esta irrompe no toalete, pega de minhas mãos os quadrinhos, dá nele uma rápida lida para, em seguida, erguer-me num efusivo abraço. Só depois de algum tempo é que fui entender tudo: a alegria radiante advinha da surpresa da minha mãe em constatar que eu já sabia ler (“Pensava que estavas criando a historinha e lendo em voz alta”, diria ela depois). E qual era aquela minha "primeira revistinha"? Zé Carioca nº 1.601, de 1982, que guardo, com carinho, até hoje.

Sim, meus caros blogueiros de plantão: se HQs de super-heróis como Batman, Super-Homem e X-Men se apresentariam a mim somente na adolescência, e a minha vasta coleção da Turma da Mônica só começaria no final da década de 80 (passando por Abril, Globo e Panini até os dias atuais), no comecinho da infância as minhas revistinhas prediletas, aquelas sempre pedidas quando das idas aos supermercados ao avistar as tradicionais bancas de jornais logo em frente, eram as da Disney – mais especificamente Zé Carioca, Pato Donald e Peninha. E foi mesmo com o adorável malandro que eu aprendi a ler bem cedinho: criado pelo Pai do Mickey em 1942 para a animação Alô, Amigos, fruto direto da tal “Política da Boa-Vizinhança” com a América Latina durante a Segunda Guerra (época em que surgiram também o mexicano Panchito e o chileno aviãozinho Pedro), o personagem já me emocionava àquela época ao surgir entre clássicos como Aquarela do Brasil e Tico-Tico no Fubá na tela da TV com aquele pequeno clássico da animação...

E, em 2012, Zé Carioca fez 70 anos. É, hoje ele já está com seus 71, mas, como vivo numa provinciana São Luís quase esquecida pela distribuição setorizada das grandes editoras, só em junho deste ano fiquei sabendo desse grande e histórico aniversário quando da aquisição de Zé Carioca 70 Anos Vol. 2, muitos meses depois do lançamento da mesma edição no Sudeste... Tudo bem que a ocasião merecia mais capricho  ambos os volumes saíram no famigerado "formatinho" antigo da Abril e com encadernação e papel que deixam a desejar , mas, ainda assim, fiquei triste em ter perdido o Volume 1... Mesmo sendo, até hoje, um ávido "rato de banca", o primeiro me escapou e só encontrei e comprei o segundo exemplar, bem fraco, com muito do Zé dos anos 90 pra cá (aquele da camiseta 'Z', do horroroso boné virado pra trás e das historinhas em cansativos tons de paródia)! 

Desta forma, apesar de atrasado, facilmente se perdoa uma tardia homenagem a este dileto personagem Disney, um dos meus favoritos, ao lado de Peninha e Biquinho... E agora, depois de tanto ter postergado o presente 'post', somente na última semana fiquei sabendo, infeliz e (também) tardiamente, que o grande Canini, maior responsável pelo abrasileiramento do caráter e dos traços do papagaio (a própria matriz estadunidense por várias vezes questionou o tanto que o “padrão-Disney era desrespeitado”), havia falecido no último mês de outubro...
O quadrinhista Renato Canini era gaúcho, mas soube, como ninguém, captar a alma bairrista do “carioca da gema”, que adora defender sua gente e as coisas da sua terra (especialmente as praias e as mulheres – ou, no caso, papagaias, periquitas e afins) e que, mesmo duro e sem futuro, estampa sempre uma alegria cativante. Imprimindo ao personagem não só as suas principais características desde então (a malandragem para fugir dos cobradores, por exemplo) como também o seu habitat natural numa favela do morro carioca (mais precisamente a famosa Vila Xurupita), o desenhista de traço marcante ainda criaria um sem número de adoráveis e inesquecíveis coadjuvantes: Pedrão, Afonsinho, os parentes do Zé (Zé Paulista, Zé Mineiro...), a ANACOZECA (Associação Nacional de Cobradores do Zé Carioca) o herói Morcego-Verde (o próprio Zé, empolgado com o Morcego Vermelho do Peninha) etc.

De uma vez por todas, tomava-se de assalto o que já era "nosso" desde o início, personagem "brasileiro" que sempre foi, de origem e de formação (Walt teria criado Joe Carioca no Rio, no Copacabana Palace e se teria inspirado no músico José de Oliveira, que acabou dublando o Zé no Cinema) – assim, Canini e uma leva de outros grandes artistas (como o precursor Jorge Kato) criaram um universo de histórias genuinamente brasileiras... Nada mais justo: com tão poucas histórias produzidas nos EUA, até então o “jeitinho brasileiro” era modificar historinhas norte-americanas do Mickey e do Donald para, por cima destes, adaptá-las com a presença do papagaio entre figuras “estranhas” como o Pateta ou o Gastão (daí surgindo os sobrinhos Zico e Zeca, ora desenhados por cima dos Chiquinho e Francisquinho do Mickey, ora coberturas sobre Huguinho, Zezinho e Luizinho do Donald, apagando-se um destes)!

Por isso, engana-se quem pensa que o setentão mais carioca do mundo seja uma ofensa gringa aos brasileiros: quem viu as animações onde ele aparece na década de 40, facilmente perceberá que o original do velho Disney era meramente um elegante bonachão que ensinava um pouco da “arte” de ser brasileiro e de gostar das coisas boas da vida  e se havia alguns golpes para "se dar bem" nas originais tirinhas dos EUA, não era nada que ultrapassasse o "estilo" dos personagens engraçadinhos da época, como o próprio Gastão, de Disney, e o Pica-Pau, de Lantz! E isso tudo bastante diferente do estilo “caloteiro” e do “preguiçoso” e com “alergia ao trabalho”, perfis estes dados por artistas brasileiros ao longo das décadas de 70 a 90 (Put the blame on Canini... Ou, em bom Português: "Culpem o Canini"!), que por aqui sedimentaram um personagem inicialmente com curto “prazo de validade”, sem maiores pretensões, e o converteram numa brasileira e longeva carreira em Quadrinhos...

Embora eu tenha crescido nos anos 80, época dos belos traços mais tradicionais de artistas como Roberto Fukue e  Euclides Miyaura, não há como negar a influência do estilo debochado e alegre de Canini para a fundamentação nacional do personagem – uma vez que até hoje, nos EUA, Zé Carioca não passa de um ilustre quase desconhecido, que raramente dá as caras nalgum desenho dos medalhões (série House of Mouse) ou aqui e acolá nalguma atração dos parques, onde não deve ser muito disputado para tirar fotos... 

E eu, como ardoroso e precoce fã, além de não dar a mínima para as críticas ao personagem, aprecio todas as suas fases: desde suas primeiras aparições em tiras de jornais norte-americanos ainda em 1942 (antes mesmo da estreia do filme por lá – logo, Zé Carioca é um legítimo personagem dos Quadrinhos!), passando pelos filmes (com o sucesso na tela grande, ele apareceria novamente, e com mais destaque, em Você já foi à Bahia/Los Tres Caballeros, inovador em técnicas de animação com atuações reais) até o seu estilo "moderninho" dos dias atuais (fase mais fraca, mas ainda bacana em alguns aspectos, da qual tenho pouquíssimos exemplares)! E, se bobear, em meio à minha atemporal pilha de revistinhas antigas, a minha doce e pequena Isabela ainda acabará por aprender a ler com alguma coisa desse adorável vagabundo legitimamente brasileiro...

Uma bela história nacional... Da esquerda para a direita: 
1. Primeira aparição de Zé Carioca em quadrinhos brasileiros (capa de O Pato Donald, estreia da Editora Abril, em 1950, mas sem nenhuma estorinha do papagaio); capa do primeiro número da revista Zé Carioca (que nasceu atrelada à revista Pato Donald, com quem dividia a numeração: por isso já surgiu como o número 479 de Pato Donald Apresenta:, em 1961); capa do Manual do Zé Carioca, onde o personagem apresentava uma espécie de enciclopédia infantil com temas como futebol - e cujas matérias, pouco mais de uma década depois, foram republicadas junto a outras na Biblioteca do Escoteiro-Mirim, que guardo até hoje) - infelizmente, não possuo nenhuma destas!

2. Capas de revistinhas dos anos 80, onde alternavam o visual do Zé: minha infância colecionou todas estas (que guardo até hoje, com exceção do excelente Almanaque do Zé Carioca nº 1, que sumiu, inexplicavelmente, da minha coleção)!

3. Reedições e releituras: desde o começo dos anos 2000, a revistinha Zé Carioca passou a reeditar várias historinhas antigas e chegou até mesmo a sofrer alguns hiatos nas bancas (coisa que parece estar voltando ao normal, com o recente lançamento de revisas com novas historinhas) - algumas piadas de capas, pelo visto, são as mesmas há bastante tempo (e iguaizinhas àquela minha primeira revistinha, não?!)...

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Caçadores de Brinquedos

Skeletor
Clique na imagem e conheça mais deste adorável programa sobre brinquedos antigos e seus colecionadores (original em Inglês, sem legendas)... Assim como o espevitado apresentador Jordan Hembrough, também tenho as versões originais de Lion e do Esqueleto (porém, infelizmente, sem o mesmo "vigor")...


Com um pouco de paciência, muita coisa interessante pode ser encontrada na televisão de um sábado à noite. Não, infelizmente não falo da televisão aberta, nicho infelizmente sem salvação para milhões de pessoas, mas, sim, dos canais pagos por assinatura e presentes na maioria dos pacotes vendidos atualmente. E, ainda que minha esposa diga que, por muitas vezes (especialmente nos fins de semana, onde a maioria das boas séries é somente reprisada), podem-se rolar os canais do início ao fim da grade e nada se achar de bom, eu retruco sempre: zapear é uma arte e, com o controle remoto nas mãos, eu sou um Monet...

Sim, mesmo num sábado à noite, pode-se encontrar um filme bacana na normalmente fraca e comercial HBO (noutro dia mesmo pude ver o adorável casal vivido por impecáveis Matt Damon e Michael Douglas perfeitamente gays em Minha Vida com Liberace, muito bom telefilme sobre a vida de Liberace e seu romance secreto com seu assistente), algum clássico do Cinema nacional em canais improváveis, como TV Senado ou TV Justiça ou ainda divertidos 'reality shows' (não, nada de ridículos absurdismos sobre confinados televisionados, alguém querendo casar-se ou sobre vidas pessoais de ex-astros: isto é lixo puro e sequer deveria ser televisionado!) que se valem de bom humor para falar de interessantes quiproquós da vida real – como aquelas neurastênicas briguinhas de casal por besteira: então que tal saber quem está com a razão e rir sobre as manias dos outros em amalucados casais com a presença de grandes comediantes? Esta é a proposta de Marriage Ref, criação do genial Seinfeld após o término do seu maravilhoso seriado, uma legítima tábua de salvação entre as muitas bobagens comumente exibidas no canal Glitz...

Mas nenhum deles me parece mais atraente do que um que descobri neste findo fim de semana no Discovery Civilization: The Toy Hunter, literalmente traduzido como "Caçador de Brinquedos" é um genial achado não só para ardorosos fãs de brinquedos antigos e outros colecionáveis como eu, como também é um divertido e ligeiro passatempo (menos de 30 minutos a atração toda) para "não iniciados", uma vez que mostra quão felizardos podem ser certas pessoas que, desconhecendo valores de mercado para determinadas "coisas velhas" guardadas por tanto tempo no sótão, acabam descobrindo que podem lucrar de dezenas a milhares de dólares com um agitado colecionador/comerciante destas antiguidades (e também apresentador do 'show', Jordan Hembrough), que conduz as visitas ao longo do 'show' televisivo – e, com ele, vemos desfilarem na tela inúmeras boas lembranças de nossas infâncias em brinquedos ou acabamos por conhecer outras tantas diversões comercializadas em épocas idas de nossos antigos programas ou filmes favoritos!

Nesta minha primeira incursão no programa, diverti-me bastante com duas senhoras no Texas: uma, com aquela "síndrome da casa vazia" depois de os filhos ganharem o mundo com novas famílias, faturou bons tostões com vários brinquedos em ótimo estado; e a outra, que juntava inúmeros presentes que acabaram não sendo dados em festas de aniversário perdidas, desconhecia o dinheirão contido em algumas caixas lacradas (as mais valiosas!) de bonecos dos antigos desenhos animados dos anos 80 das Tartarugas Ninjas: mil dólares foram oferecidos pelo apresentador/comprador, que, de forma honesta, expôs bem detalhadamente o quanto valiam no mercado e por quanto venderia (incríveis US$ 2.500,00!) – ou seja, ninguém é enganado com algumas doletas se o produto vale bem num leilão de fanáticos por estas memorabílias ("coisas que servem para ser lembradas")!

Ora, nem preciso dizer que um programa como este é delicioso para alguém como eu, que, desde o início da juventude e dos primeiros empregos como professor de Redação e de Inglês de cursinho, compra e coleciona, além das tradicionais compulsões por livros, CDs e DVDs/BDs, miniaturas de carros, motos e outros veículos, bem como 'action figures' (jeito meio metido a besta de chamar os bonequinhos) de grandes heróis e personagens cinematográficos – como a série Star Wars - Guerra nas Estrelas, onde reúno desde os clássicos bonecos da Hasbro até miniaturas em chumbo de personagens e naves da famosa hexalogia do Cinema, todos devidamente "expostos" nas hoje já amontoadas e empoeiradas prateleiras de meu pequeno escritório no apartamento onde moro (e onde Jandira vive a repetir que "não cabe mais nada"!).

Mas nem sempre tais relações me renderam boas lembranças – e não falo das frustrações de ter deixado de comprar alguma "pérola" em miniatura: refiro-me, na verdade, a alguns brinquedos antigos que meio que "iniciaram" toda a minha atual coleção e que não foram comprados por mim, mas, sim, por minha mãe (meu pai, tirante uma ou outra revistinha em quadrinhos da Disney que implorava para ter numa ida ao supermercado, nunca me comprava nada) nos hoje distantes anos da minha infância nos anos 80. Sim, eu tenho "clássicos" como alguns bonecos da linha dos Thundercats, da Grasslite, o He-Man e o Esqueleto da Estrela/Mattel; dois 'consoles' do Atari 2600 (com vários "cartuchos" de jogos); os jogos Triângulo das Bermudas e Mini-Senha da Grow; Pega-Pega e Ferrorama (droga: na verdade, este é meu irmão quem tem!) da Troll e por aí vai, alguns mesmos mantidos em caixas guardadas com carinho até hoje.

E no que tamanhas raridades me "magoariam", pode perguntar o atento blogueiro de plantão – elementar, "Gafanhoto" (nada mais antigo!): tais peças são muito mais cobiçadas do que possam julgar nossas limitadas filosofias e, ainda que eu jamais tenha posto alguma delas à venda, algumas pessoas, aproveitando as facilidades das exposições virtuais de uma ou outra foto exibida nas redes sociais (como os visuais e já em desuso Flogão Flickr, onde vez por outra, quando ainda solteiro, eu postava fotos das minhas relíquias), aproximaram-se e expuseram sentimentais histórias de vida ligadas àqueles brinquedos, visando um possível negócio comigo. E eu, compulsivamente cordato em qualquer época do ano, sempre respondi amigavelmente a todas os contatos, muito mais no afã de trocar uma ideia sobre este interessante mundo dos que guardam coisas antigas com valor afetivo do que com reais intenções de comercialização. Afinal, dificilmente eu receberia propostas tentadoras similares àquele divertido programa televisivo gringo e, mais dificilmente ainda, eu me desfaria facilmente de tão queridos relicários de minha infância...

Por isso, acabei por me indispor com duas pessoas que, se inicialmente mostraram-se nostalgicamente ricas com belas histórias ligadas aos objetos de desejo – mais precisamente com dois brinquedos em particular: BolaMania dos Trapalhões, uma brasileira e circular versão do quadrado Cubo Mágico, o famoso Rubick estadunidense; e o tabuleiro Ludo Disney/ Sobe e Desce Disney, com uma versão de jogo com dados e pinos para cada lado (ambos da Estrela) –, terminaram por evidenciar um terrível "Lado Negro" quando perceberam que as amigáveis conversas não resultariam em vendas e, diante de minhas indagações a respeito de quais seriam suas ofertas, mais por curiosidade do que intenções de comércio, acabei sendo mal interpretado e agressivamente tachado de que "supervalorizava demais" minhas adoradas relíquias! O pior é que sou, definitivamente, um colecionador, para o bem e para o mal: guardo estas conversas com os nefastos quase-compradores até hoje, sempre me assustando com os últimos contatos... O ser humano é mesmo um bicho estranho!

Mas nem tudo são grosserias neste duro mundo 'business' de coisas antigas: acabei mantendo uma espécie de amizade virtual até hoje com um boa-praça (outra antiguidade!) "jovem senhor" recifense de 41 anos, Demócrito da Silva, que, de todos, foi o que mais mostrou não só cordialidade no trato com um desconhecido colecionador como se mostrou o mais humanamente "merecedor" de um possível negócio com um dos meus brinquedos da década de 80: a estranha BolaMania dos Trapalhões, que se valia do sucesso do quarteto de comediantes globais apenas no nome (o brinquedo não guardava referência alguma a nenhum deles) para vender o difícil apetrecho cheio de bolinhas coloridas em série que, embaralhadas, deveriam ser recolocadas, por meio de três movimentos em torno de um eixo central, em cada um dos seus anéis na seguinte ordem: amarelo, verde, vermelho e azul. Curiosamente, jamais resolvi tal quebra-cabeça modernoso e acho que nem é necessário dizer que aquele "eu de mais ou menos 10 anos de idade", com o tempo, distanciou-se daquele objeto para só esporadicamente tentar arriscar umas rodadas a fim de encontrar uma solução...

"Então por que não vender esse brinquedo de uma vez, até mesmo dar pra quem queira?!", perguntaria um ainda mais atento blogueiro de plantão (ou minha mulher Jandira Helena, toda santa vez que tomava conhecimento de algum interessado na "quinquilharia encalhada": palavras dela!) – não saberia responder... Mero apego sentimental, talvez... De qualquer forma, o barato mesmo em torno de raros itens sentimentalmente guardados por tantos anos são as histórias envolvendo tais colecionáveis: tanto é que, em meio àquelas promessas de "um dia, quem sabe", em muitas de nossas conversas eu costumava brincar com o amigo Demócrito que, se ele um dia me mostrasse como solucionar aquele doido 'puzzle' de bolinhas e eu realizasse tal feito ao menos uma vez, o brinquedo poderia ser dele... No que ele, espertamente, concluía que, se um dia eu descobrisse o segredo, eu então jamais o venderia!

Hoje o danado tanto fez que conseguiu uma BolaMania para chamar de sua: em recente postagem no Facebook, o persistente pernambucano publicou fotos pessoais do seu idolatrado objeto de desejo finalmente adquirido, ainda que nada revele quanto aos detalhes da aquisição... Uma pena, vez que já me havia acostumado a brincar sobre os escorchantes valores que cobraria! Mas a boa amizade que surgiu continua (como disse certa vez: o melhor deste universo é "colecionar novos amigos com suas histórias incríveis"), bem como a "posse definitiva" deste intrigante brinquedo segue em meu poder. Bem, mais ou menos: desde os fins das últimas tratativas de venda do mágico artefato, este se encontra devidamente trancafiado e protegido por destemidos e importantes nomes da prodigiosa em mitos década de 80, num concorrido canto do escritório da minha residência (foto abaixo). Assim, melhor deixar esse pessoal tomar conta: afinal, eles pertencem a uma espécie de dimensão paralela... E eu, juntamente a uma fina geração de bons lembradores, seguimos atrás como "caçadores de brinquedos antigos"!

 Entre Esqueleto e He-Man (com uma pequena ajuda dos amigos Thundercats e de um desconhecido Transformer), melhor deixar a Bola onde ela está: eu que não meto à besta com esse pessoal poderoso de grandes recordações...

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Entre Magos e Ratos...


Em outros tempos, no afã de costumeiramente escrever uma nova postagem atualíssima para os Morcegos, sempre estava eu a catar alguma especial data comemorativa celebrada naquele dia, rememorando algum aniversário de uma personalidade qualquer das Artes em geral ou ainda elucubrando sobre alguns marcos na trajetória de algum outro personagem famoso... Faz tempo! Hoje, entretanto, descobri por acaso que o Rato Mickey e o Mago Alan Moore fazem aniversário neste 18 de novembro - e, com esta dupla inusitada, não consegui evitar voltar no tempo para enlaçar uma postagem comum a dois ícones tão díspares da cultura 'pop'!

Apesar de nunca ter sido um grande admirador do famoso camundongo nos Quadrinhos - sua "perfeição" ao lado do Pateta e a repetitividade das suas historinhas policialescas atrás do Mancha Negra jamais me cativaram -, é inegável o seu papel de destaque no Cinema: Steamboat Willie e Fantasia foram marcantes não só para o mundo da Sétima Arte com os seus pioneirismos, como o primeiro desenho-animado com o uso do som sincronizado na narrativa e a primeira animação narrada inteira e unicamente por clássicos da Música Erudita (com o Mickey vivendo o inesquecível Aprendiz de Feiticeiro), respectivamente, como também para mim, com seu lúdico mundo genialmente construído em maravilhosos clássicos que confeccionaram a minha formação de cinéfilo amante das grandes animações.

A despeito de ser um símbolo da indústria mercantilista e selvagem ianque, bem como ser a máxima representação do império de um reacionário "caçador de bruxas", nada questiono quando o assunto é entretenimento infantil e, sem culpas, cubro minha doce filhota de 3 aninhos com Mickey e sua turma em várias mídias: afinal, a qualidade é sempre certa, a tradição dos geniais curtas das décadas de 40 e 50 ainda soam brilhantemente atuais no DVD e a filha adora suas "roupitchas" da Minnie Mouse! Disney ainda reina com um rato num mundo sujo que tanto precisa de magia...

E, falando em magia, nada mais atual do que ovacionar o "Mago de Northampton", o maluco-beleza com cara de bruxo e com as letras mais inteligentes dos Quadrinhos: ao lado de outros míticos bambas dos roteiros da Nona Arte, como os igualmente mágicos Neil Gaiman e Frank Miller, Alan Moore foi um dos responsáveis pela "ascensão" das HQs ao nível adulto - não por caso, os seus grandes roteiros em releituras de grandes personagens da cultura 'pop', da assustadora criatividade na reinvenção do Monstro do Pântano às deliciosas atualizações da mitologia do Super-Homem, serviram de base para inúmeros artistas vindouros passarem a tratar os super-heróis com apelo bem menos infantil.

O que dizer, por exemplo, da obra-prima absoluta A Piada Mortal (1988), que completa 25 anos com o mesmo fôlego impactante daquele meu distante Natal de 1990, quando a comprava num relançamento ainda embalado pelo sucesso do 'blockbuster' Batman, de 89, onde então descobriria quem realmente eram Batman e Coringa? As cores vivas e a bela arte de Brian Bolland terminavam de emoldurar aquela brilhante história cinematográfica de Moore em que o Palhaço do Crime, em meio a 'flashbacks' do que seria o seu passado (mostrada pela primeira vez uma "origem" para o maior vilão de Gotham), aleijava Barbara Gordon, enlouquecia seu pobre pai, o Comissário, e fazia o Cruzado de Capa imergir num aterrorizante pesadelo psicológico - e, de quebra, ainda insinuava um final com o herói quebrando o pescoço do seu nêmesis em meio à doentia piada do título (note que as risadas cessam e só fica a sirene, de acordo com teoria do grande Grant Morrison)... Simplesmente genial: as sagas O Cavaleiro das Trevas, Batman Ano Um e Asilo Arkham perdem!

Mas se engana quem pensa que o Mestre inglês tenha sido "meramente" um contador de novas histórias para velhos personagens consagrados do 'mainstream': na verdade, sua veia independente sempre foi sua maior marca registrada (mesmo quando trabalhava com grandes estúdios) e, não por acaso, seus trabalhos mais lembrados são mesmo os clássicos em que refletia sobre nossa sociedade em meio às inventividades das HQs e da ficção científica - e assim, juntamente às inesquecíveis histórias da revista inglesa 2000AD, ao 'reboot' do Juiz Dredd e à maravilhosamente infernal criação de John Constantine, restam como insuperáveis os seus contos sobre reuniões de heróis decadentes ou de um mundo pessimista de amargos amanhãs, como os excelentes V de Vingança, A Liga Extraordinária, Do Inferno Watchmen - grandes momentos que o Cinema tratou de ou minimizar demais a história em adaptações unidimensionais ou mesmo de estragar tudo por completo no velho estilo hollywoodiano, coisa sempre detestada pelo escritor inglês.

Mas, afinal, o que um calejado contestador da arte da escrita nos livros e nos Quadrinhos pode ter em comum com um personagem-ícone dos estadunidenses mundo afora em sua representatividade de mega-parques de diversões? Um faz 60 anos de bruxa criatividade e o outro completa 85 de existência infantil na mesma data (que, por acaso, eu descobri e sobre ela teci tal inefável associação)? Não, creio haver bem mais que isso: além do incontestavelmente mutante ambiente industrial da arte em série em que os dois se encontram (e da dúvida de muita gente, até hoje, sobre o fato de o Sr. Moore, na verdade, ser ou não um personagem dos Quadrinhos...), ambos são excepcionais símbolos do que fazem de melhor há tantas gerações. E, entre tanto lixo cultural sendo servido pelo mundo, nada mais justo e reconfortante do que celebrar igualmente aqueles que sabem tirar magia de pedra há tanto tempo - ainda que pelas mais diferentes razões...



Menos, Mickey Mouse... Menos!

terça-feira, 12 de novembro de 2013


Levo uma década
Para resolver um segundo
Explodiu meu mundo
Antes de ter começado

(Dilberto L. Rosa, 2006)

... Mais ou menos é mesmo essa a sensação - não deu para este tantas vezes reles, porco e vil: longe há tempos dos campeões, ao menos valeram os versos do poema sujo dos campos, valeu a tentativa, creio eu. Bem que ela estava certa... Porque, depois de tanta lama e interrupção, ela me disse, vez que ainda conversamos muito durante os intervalos, que era muita coisa boa p'ra um ano só! E realmente foi: nem bem eu descia das nuvens das carregadas expectativas de novas vidas plenas de alegrias e incertezas, eu já lutava contra mim mesmo para crescer novamente e mostrar que eu ainda podia voar... Mas qual o quê: mais uma vez seria necessária uma reinvenção - só que, agora, em definitivo, que já chega de experimentações! Mas não fui... Permaneço apenas sendo mestre do caos perdido dos meus anos cansados. Assim, para tentar outra vez, como cantava o maluco naquela velha canção, eu mesmo disse certa feita, muito tempo depois, que Na eterna insatisfação de mim mesmo Vejo meus poemas vivos Independentes mesmos de mim... Então sigamos a catar Poesia do lodo que sobrou nas calças sujas recém-saídas da lama e vejamos se dá para encontrar qualquer cobre (que muito há por cobrir), que eu tenho que seguir, porque a vida não espera e, afinal de contas,

Com um pouco de esforço e de pena
por sobre o lodo
a coisa toda
pode até virar um poema...


(Dilberto L. Rosa, 2008)


terça-feira, 22 de outubro de 2013

"O Preto Mais Branco do Brasil":
Vinícius é 100!


"Não és um só, és tantos como/ O meu Brasil de todos os santos"... Assim, no emblemático Samba da Bênção, o "poeta e diplomata" (e ainda dramaturgo, jornalista e compositor dos melhores) Vinícius de Moraes se referia ao inconteste maestro Moacir Santos - mas bem que poderia estar referindo-se a si mesmo... Claro que isto não era o estilo do Poetinha, notório fanfarrão boêmio e homem viajado e versado nas melhores letras, mas sempre humilde. Seria, no entanto, o mínimo para apor como uma introdutória e justa apresentação a este que é um dos artistas brasileiros mais completos de todos os tempos!

Completo, sim, pois foi de poeta existencialista do mais profundo calibre a compositor popular das mais belas, ricas ou mesmo "divertidas" letras de nosso cancioneiro (até alegres sambas soltos como Deixa e Formosa trazem alguma riqueza nos versos). Namorou o Teatro com trabalhos icônicos (Orfeu da Conceição, que ganhou o mundo com o filme de Palma, de Globo e de Oscar), mas flertando o tempo todo com o Cinema, como um bem humorado cronista mais do que um mero crítico. E, ainda por cima, abriu precedentes e despertou muita inveja em sisudos poetas de então quando viajou de solene escritor a artista folgazão, sempre de copo numa mão (e cigarro na outra), camisa entreaberta e parceiros musicais da melhor estirpe (o "Tom do Vinícius", o Chico e a Miúxa "filhos do amigo", o João Gilberto da batida incomum, o Baden dos afro-sambas, o Toquinho da fiel e derradeira parceria...). Um artista único, mas cheio de tantos gênios em si mesmo que fica difícil para um ardoroso fã como este humilde escrevinhador que vos fala escolher um "Vinícius favorito"...

Ele foi o Vinícius da Garota de Ipanema, lindíssima letra sobre a igualmente maravilhosa música do "Tomzinho", uma das canções mais tocadas do mundo - dizem que só perde pra Yesterday, o que tenho minhas dúvidas... Foi também aquele que amou os amigos (companheiro da nata dos grandes gênios das artes), fidelizou os parceiros ("Sim, ele era ciumento", afirmou em várias ocasiões o amigo da última hora Toquinho, que com o Mestre esteve no seu último suspiro no longínquo 1980), ajudou quem pôde e adorou as mulheres (só de casamentos com elas foram nove: paixões avassaladoras, enquanto "duro"!). Por isso, para além do artista, de se amar também o homem barrigudo, desleixado, porém generoso e dos olhos bêbados de alegria sem amanhã por trás do mito: como é bom saber de suas histórias e ver suas fotos, com aquela cara cheia de ressaca de vida, de amor e de poemas musicados num eterno jeito despojado e a cada ano mais surpreendente...  

Minha vida ao lado do amigo distante começou na minha adolescência, uns 12 anos depois de sua precoce partida: mergulhei, primeiramente, nos discos e CDs de seleções de seus clássicos; depois conheci sua Bossa; e, já na juventude, muito aprendi sobre Poesia quando Jandira me presenteou com Vinícius de Moraes Poesia e Prosa Completa - ali vi seu obscuro e metafísico início na arte dos versos, sua prosa jornalística de paixão pelo Cinema em críticas-crônicas maravilhosas (sobre Chaplin e muitos outros bambas da Sétima Arte) e terminei aprendendo inúmeras novas canções maravilhosas, todas a incorporarem-se à minha veia poética e a me deixarem mais errante e amante da vida do que o sisudo de até então...

Falar de um ídolo é sempre difícil. Afinal, ao lado de Drummond, Bandeira, Cecília, Quintana, Leminski e os maranhenses Dias, Gullar e Nauro Machado,Vinícius de Moraes me ensinou o que eu sei (e vivo) da Poesia - com um agravante: com a Música gigantesca dos seus sambas e trovas e valsinhas cheios de melodia, tal como se dá com Chico Buarque, a Poesia do Mestre "pega" bem mais rápido! E, assim como acontece quando se está diante de um ídolo - as palavras cessam e não se sabe bem o que dizer... -, assim me ocorre agora em relação ao Vinícius de longa data (tal como ocorreu quando me deparei pela primeira vez com o ídolo Nauro Machado, diante de quem eu só gaguejava e conseguia dizer que escrevia umas coisinhas - com a "vantagem" de este ser primo do meu pai)! 

Mas há, sim, uma faceta a destacar, para individualizar o "meu Vinícius" e separar do restante. Como comecei com as seleções, os CDs que mais caíam em minhas mãos e me definiram, inicialmente, o Poeta foram justamente com canções de uma das suas melhores fases de vida, a da "superação": justamente depois da amarga aposentadoria compulsória pelo nefasto AI-5 e do ocaso artístico, onde os "intelectuais" lhe diziam que "não dava mais", surgia o "Vinícius baiano" (até com uma baiana ele se casou), parceiro do Baden (nos famosos afro-sambas, como a obra-prima Canto de Ossanha) e do Toquinho (de Tarde em Itapoã, Testamento, A Bênção, Bahia e de inúmeros outros sucessos nos 10 anos finais), a popularizar-se como um novo velho ícone pop daqueles tempos! Passando a gozar de popularidade e de uma musicalidade ainda mais poderosa em harmonia, misto de samba e percussões africanas, aliada a mágicas letras que remetiam a coisas profundas do nosso Brasil, especialmente ligadas ao nosso cotidiano, à cultura baiana, aos cultos afro-brasileiros, à capoeira, ao amor livre, leve e solto... Este é o meu Vinícius!

Não posso negar que, sendo fã, tudo de sua obra me agrada! Suas canções ao lado do Mestre Tom Jobim, por exemplo, especialmente as trabalhadas para a peça e para o filme Orfeu da Conceição/ Orfeu Negro (Se todos fossem iguais a você, Lamento no Morro, A Felicidade...) e as clássicas da Bossa Nova (sendo Chega de Saudade não só a minha canção nacional favorita como uma das mais belas canções já feitas), já são mesmo parte de mim... Mas há algo de "militante" na obra de Vinícius desde meados dos anos 60: não por acaso, ele sempre foi um dos intelectuais mais atuantes na interligação entre os sambistas populares do morro e os ditos eruditos, sempre evidenciando uma grande preocupação político-social em muitos poemas (Pátria Minha, O operário em construção etc.) e mostrando sua latente veia esquerda, inclusive ao lado de Lula (que honrou o amigo, quando Presidente, com as devidas promoções da carreira, a corrigir a injustiça de longa data) num histórico evento para metalúrgicos nos anos 60... Assim, não há como não amar o divisor de águas daquele branco "erudito e letrado" que então se reinventava ao lado de um jovem parceiro e de canções cada vez mais populares... Saravá!

Tanto é que um dos seus maiores clássicos, o Samba da Bênção, parceria com o mago Powell que abre esta crônica, vem carregado desta musicalidade despojada e "baiana", numa legítima "aula sobre o samba", gênero maior da nossa Música, evidenciando, lá em 1962, todas as características mais marcantes da obra de Vinícius, de antes e de depois: o incondicional amor pelas mulheres (contrariando seu próprio estereótipo "beleza é fundamental": Uma mulher tem que ter/ Qualquer coisa além da beleza/ Qualquer coisa de triste/ Qualquer coisa que chora/ Qualquer coisa que sente saudade); a religiosidade e o metafísico (os versos O bom samba é uma forma de oração/ Porque o samba é a tristeza que balança/ E a tristeza tem sempre uma esperança/ (...) De um dia não ser mais triste, não A vida é pra valer/ E não se engane, não: é uma só definem bem esse seu lado); sua eterna gratidão de afeição para com grandes nomes que passaram em sua vida, dentro e fora da Música (para quem ele pede a bênção do título: ialorixá Senhora, Pixinguinha, Sinhô, Ismael Silva, Cartola, Noel, Tom Jobim...), tudo isso aliado à sua então recém-declarada nova condição de "negritude" (Eu, por exemplo, o capitão do mato/ Vinicius de Moraes/ Poeta e diplomata/ O branco mais preto do Brasil/ Na linha direta de Xangô, saravá! (...) A bênção, todos os grandes/ Sambistas do Brasil/ Branco, preto, mulato/ Lindo como a pele macia de Oxum)... 

A propósito, Caetano confessa, no mais-que-didático (porém interessante) documentário Viníciusque, em sua juventude, voltando à sua Santo Amaro da Purificação depois de uma viagem ao Rio, onde teria visto um negro na TV sendo entrevistado sobre a sua estreia na peça Orfeu da Conceição (famosa por trazer para a realidade negra dos morros cariocas o mito grego de outro artista completo, Orfeu, e sua tragédia com Eurídice), dizia a todo mundo na sua terra natal que Vinícius de Moraes era negro! Apesar de ter-se confundido e achado que o ator Érico Brás, protagonista da peça, fosse o próprio poeta-dramaturgo, acabou propagando uma "verdade" depois confirmada em canção pelo próprio Vinícius... Não errou, portanto.

É, todo mundo se confunde, alguma vez, com esse cara múltiplo e tão presente na nossa Cultura: eu mesmo, no "alto" dos meus 5 ou 6 anos, achava que Vinícius ainda vivia quando a Globo reprisava, lá pelos idos de 1983/84, o especial A Arca de Noé: aquelas adoráveis canções, já tão populares e queridas, sobre vários bichinhos e interpretadas por grandes nomes da MPB (Toquinho, Elba Ramalho, MPB-4, As Frenéticas...), faziam parecer que o Poetinha das crianças não havia partido ainda - meu pai mesmo, até pouco tempo, achava que Vinícius houvera morrido coisa apenas de uns 10 anos atrás (ainda se lembrando dos seus sucessos de novelas, como Meu Pai Oxalá, Como é duro trabalhar e Bem-Amado)! Já minha filha Isabela, que sequer sabe de quem se trata realmente, adora cantar A Foca, O Pato, O Peru, Aquarela e tantos outros clássicos do Mestre musicados por Toquinho...

Acho que o grande barato de Vinícius foi mesmo este: ser chama e imortal ao mesmo tempo, sendo infinito... sempre! E, o melhor, sem jamais isso ter sido sua intenção... Por isso, já merece todas as louvações pelo seu centenário neste mês, num legado que para sempre deverá ser lembrado: conclamar o "Brasil branco, preto, mulato" para a vida cheia de musicalidade e encantamento poético e infantil que sempre transbordou no brasileiro, sem jamais deixar de lado suas preocupações com nosso povo humilde, sabedor que era de sua alegria e musicalidade... Saravá, meu poeta-poetinha, velho camará: "tristeza não tem fim (felicidade, sim)", mas, quem sabe, como você certa feita vaticinou com sua alegria rediviva e eterna, "a tristeza que a gente tem, qualquer dia, vai se acabar..."!

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Bandeira de Aço, 35 Anos:
Um dos Melhores Discos Já Produzidos,
Bem Cultural Imaterial do Maranhão,
Patrimônio do Planeta Brasil...

Um clássico absoluto (e ouvi-lo em LP, como eu tive o privilégio, aumenta ainda mais a experiência de conhecê-lo)... Nunca ouviu falar? Aproveite os vários 'links' dispostos nesta postagem e viaje junto...

Em 1978 eu tinha somente um ano de idade, bumba-meu-boi era coisa de guetos resistentes e restrita ao período de festas de São João nos chamados arraiais juninos e o glorioso Boi de Axixá ainda não havia apresentado ao mundo o belíssimo "hino" Bela Mocidade (Donato/ F. Alves). Muito longe do "boi pra inglês ver" que, tempos depois, a trupe da eterna Governadora Roseana fez pregar por meio de seus milhões lavados a esmo entre grupinhos "folclóricos" de sua panelinha e o pessoal da Vale do Rio Doce, que achincalhou bastante o mais do que lindo universo lírico do boi maranhense, naquela época a coisa toda era feita na raça e só quem amava (e dava seu sangue) pela brincadeira mais rica do nosso Estado era o verdadeiro responsável por conservar aquela tradição sempre viva.

Artista maranhense se consagrando com Música "lá fora" (leia-se eixo Sul/Sudeste)? Só Cláudio Fontana e João do Vale fizeram algum nome, carreira ou mesmo algum dinheiro com suas músicas no dito cenário nacional de então. Mas imaginar gente daqui fazendo algo aqui mesmo é que era coisa ainda mais rara e de muita raça - que o diga, por exemplo, o grande Chico Maranhão, com seu igualmente clássico Lances de Agora, do mesmo ano (e no mesmo selo, o lendário Marcos Pereira)... Mas 1978, na Música (maranhense e brasileira), era mesmo o ano do cantor e percussionista Papete, a capitanear a nau maior dos "compositores do Maranhão" até então já vista - e todos dando voz ao boi nosso que há tanto precisava urrar para o mundo a genialidade que tínhamos aqui...

E quais eram esses compositores: simplesmente uns "tais" de César Teixeira (Boi da Lua, obra-prima, e Flor do Mal, belíssima trova legitimamente maranhense), Sérgio Habibe (Eulália, outra linda trova tipicamente maranhense), Ronaldo Mota (Boi de Catirinasobre a famosa lenda da negra grávida que desejou comer língua do boi do dono do engenho) e Josias Sobrinho - este, em particular, trazia clássicos prontos nas mais lindas composições com genialidades como Catirina (personagem mitológica inspiração maior do folclore do Bumba-Meu-Boi) e Engenho de Flores ("Agora que eu quero ver/Se couro de gente é pra queimar"). E o que eram aquelas letras "estranhas" e cheias de lirismo sobre mitos folclóricos da nossa História? E aqueles arranjos incríveis, com percussões maravilhosas de estalos de couro e matracas? E aquele som sublime e assustadoramente forte entre as faixas do disco (9 no total), com zabumbas e matracas fantásticas a subir e descer como se um boi se aproximasse com toda a sua força lendária? Aquilo não era um disco: era uma viagem transcendental de canções sublimes e inesquecíveis que viajava pelo que era nosso e a gente nem sequer conhecia...Um Maranhão pulsante num dos melhores LPs de todos os tempos...

Agora, em 2013, eu conto com 36 anos na lata, leio mais sobre música maranhense em ótimos 'sites' e ouço este clássico em CD para inspirar-me a redigir esta postagem, enquanto cato no YouTube as principais canções deste disco único para que todos possam conhecê-lo. E hoje, no lumiar dos seus belos 35 anos a nortear uma produção cada vez mais rica de talentos, sotaques, ritmos, cantores e discos produzidos por aqui, entre o Reggae genuinamente maranhense misturado ao Boi, ao Tambor de Crioula ou mesmo ao Pop nacional, tenho o prazer de comunicar que este álbum divisor de águas se tornou bem cultural imaterial do Maranhão, por iniciativa do atuante deputado estadual Bira do Pindaré, no último mês de setembro. Parabéns a Bira, a Papete, a Josias e seus geniais companheiros e a todo o povo do Maranhão, que tanto precisa de Cultura para viver... Grande feito! Mas o certo mesmo deveria ser o seu reconhecimento como patrimônio imaterial do mundo, já que hoje é Dia Mundial da Música - e todo o mundo precisa conhecer esta maravilha... 

Muita coisa realmente mudou de 78 pra cá... Só o que não muda é a qualidade intangível deste exemplar único de Música universal com cara de Maranhão! Esta canção, por exemplo, Bandeira de Aço, de Josias Sobrinho, homônima do LP, ainda encanta com seus versos enigmáticos e cheios de lirismo...

terça-feira, 24 de setembro de 2013

Datena dos Rezendes da Televisão Brasileira...

Exaurido depois da extenuante quarta-feira da semana passada, aproveitei a meia-hora restante do dia ainda iluminado pelo sol e fui buscar minha mãe no seu trabalho: passaríamos no supermercado para "relaxarmos" numa compra de fim de tarde e de meio de semana em meio aos já agitados engarrafamentos que se formavam - Mas não estás cansado? Pergunta uma mãe que não se cansa de se preocupar com sua cria, no que eu lhe respondo que faríamos tudo com bastante calma, bem tranquilos, respirando o ar de breve liberdade do dia cumprido e nos anteciparíamos aos lotados caixas do sábado e do domingo...

Bem escolhidos todos os produtos que me lembrava faltar em casa e ela com as carnes desejadas, tudo com a parcimoniosa vagareza prometida, o cansaço do esgotamento começa a cobrar seu preço... E eis que, logo após o cartão ter corrido na maquininha, era hora de voltarmos para as já lotadas ruas e seguir rumo às nossas casas. Mas e se encaramos um suco de laranja para refrescar? Mãezona nem queria aceitar, na eterna postergação do "tenho jantar em casa, não quero me demorar" e outros quetais de quem ainda tem sempre tanto para resolver na administração do seu castelo, mas a possibilidade de pôr o assunto em dia e a promessa de que a levaria a um bom ponto a fez mudar de ideia.

Estávamos na nossa antiga vizinhança, mais precisamente no Mercadinho Carone, do Maranhão Novo, bairro onde me criei e do qual guardo fartas e gratas lembranças. Assim, pensei na hora em completar o 'happy hour' fora de hora convidando minha amada mãezinha ao Fênix Lanches, famoso 'trailler' que servia os melhores 'cheeseburguers', caldos de ovos e sucos da minha adolescência de namoros e de outras doces memórias.

Mas, ao sentarmos, a triste constatação: bem em frente, o grande e moderno Shopping da Ilha parecia um ímã a atrair o povo e a deixar o outrora lotado em qualquer horário Fênix às (ainda) amarelas cadeiras e mesas vazias. Mas o que realmente me deixou taciturno foi ver um grande e moderno televisor a exibir mais uma tragédia arrastada por vários minutos, horas até (a depender do número de desgraças do dia), no odioso Brasil Urgente, com Marcelo Rezende. Decerto que comer fora de casa com televisor ligado já é algo que me deprime (cadê o som ambiente da minha juventude?), mas ter aquele lixo jornalístico do mundo-cão como companhia de uma saudável conversa de começo de noite acompanhado de um lanche (sim, eu não resisti e também pedi os famosos quitutes de minhas memórias) não tinha nada de 'happy'...

-Ô, companheiro: não tem nada pior pra gente ver, não? Empolguei-me, por alguns instantes, como o velho conhecido do povo da área que era, até perceber que hoje, no máximo, eu era mesmo um velho desconhecido de (pouco) mais de 36 anos para um desestimulado "garçom" recém-saído da puberdade, que demonstrou total desapreço em sair do seu lugar de encostado para mudar do seu canal de atrocidades favorito. Também pude notar pensamentos de repúdio nos olhares mortos e fugidios dos outros ajudantes do local que, aproveitando-se do escasso movimento, deleitavam-se feito zumbis em frente à moderna máquina LED de fazer doidos com a desgraça alheia - agora interrompida por este desconhecido fanfarrão que chegava "dando ordens"!

O rapazola, que já havia dito que "a Globo não prestava" (disso eu nunca duvidei, mas depois percebi que ele se referia à imagem captada pela antena local), somente zapeou pela tosca variedade dos poucos canais que a maravilhosa TV aberta brasileira proporciona - programa policial local, novela infantil, programa policial da Record, corrente da prosperidade evangélica num canal alugado, programa de tragédias, programa de fofocas televisivas... - para, como que comemorando com um "eu não te disse que não tinha nada melhor?", voltar ao seu dileto programa infeliz, sem me dar a opção nem mesmo de optar ver "Carrossel", no SBT... A "atração da noite"? Pelo letreiro fixo no rodapé, como uma manchete autoexplicativa comum nesses "shows de horrores", com uma tela dividida entre as mais do que repetidas fotos do que parecia uma família feliz e um adolescente aos prantos tentando responder ao vampiro Rezende, "deduzi" que uma família quase inteira havia morrido - ao que "tudo indicava", e já vaticinava o apresentador e grande juiz da opinião pública, todos vítimas de envenenamento por um namorado da mãe (o que já foi desmentido recentemente...) - e aquele programa mais do que sensacionalista explorava a dor alheia até as últimas gotas...

Não houve jeito e tivemos que engolir a seco o lanche que havia decaído em qualidade juntamente àquela lanchonete em meio ao massacre de "informações" dadas sobre a tragédia familiar: um helicóptero voava e mostrava a esmo uma grande zona de apartamentos onde parecia morar a família encerrada precocemente; fotos e mais fotos de pais e crianças felizes em poses domésticas eram apresentadas sobre os familiares mortos; tela dividida novamente, agora entre o apresentador e o menino que não continha as lágrimas, mas era obrigado a responder às perguntas mais cretinas e repetitivas do insano comentarista do terror... Não houve jeito tampouco e eu tive que apelar para o velho chavão otimista "quem faz um lugar somos nós mesmos" para uma pobre mãe, a quem só restava concordar que, apesar do suco fraco e do pouco caldo esganado de tempero seco que experimentou do meu prato, realmente a "companhia compensava" e etc. e etc.

Mas porque estou eu a narrar estes fatos quase depois de uma semana de acontecidos? É que ontem, ao acompanhar alguns divertidos trechos do semanal CQC - Custe o que custar, na Bandeirantes, onde um especial comemorava os 63 anos da televisão brasileira com especiais mostras do melhor e do pior da TV tupiniquim, é que me toquei que, naquela quarta, dia 18 de setembro, era celebrado o "dia da televisão brasileira", em homenagem à inauguração pioneira da TV Tupi, de Assis Chateaubriand. Então um viva à morta televisão nacional, esquartejada e degustada no horário nobre, efusiva ao enterrar especialmente as classes economicamente menos afortunadas numa acéfala, porém fiel audiência cativa às desgraças superfaturadas dos Datenas e Rezendes, que mostram a "realidade" não sem antes julgar tudo e todos com seus comentários inoportunos e bestiais, seguidos dos ditos "noticiários imparciais" unilaterais e das globais novelas desmioladas, que terminam de encerrar as mortalhas nos espectadores daquela lanchonete morta e de alguns outros milhares de lugares sem a vida que a TV deveria, por obrigação de concessão pública, fornecer... Um viva à televisão brasileira que se esqueceu de se celebrar - nossos comerciais, por favor!

sábado, 14 de setembro de 2013

À noite,
Os livros falam entre si,
Os fantasmas se divertem
E, muitas vezes,
Um poema nasce torto...


Forças ocultas invadem meu quarto
De madrugada, no meio de minha Poesia,
Perguntando-me que horas são
– Não se interrompe o sagrado parto
De uma cria: vão comprar relógio,
Forças mais sem educação!

(Dilberto L. Rosa, 1999)

domingo, 8 de setembro de 2013

Pontes de São Luís


A tarde se esgueirava tão preguiçosa que eu quase esquecia que era dia de encontro! Tudo bem que nada havia sido programado, mas o feriado de aniversário de São Luís significava, automaticamente, uma coisa: passeio a dois por algum lugar poético para viver a Poesia da Ilha... Mas os ônibus desta cidade atrasada atrasavam ainda mais qualquer boa vontade do meu lado romântico e acabei dando graças a Deus por ter marcado na já velha e estreita ponte do São Francisco (sim, oficialmente seu nome é outro, mas prefiro nem pronunciar o nome do Bigodudo: pode dar azar), especialmente numa época em que não havia celulares ou conexões aplicativas de “uatis-ápi” para comunicar um atraso – e, assim, tudo correu na mais perfeita magia, pois aquele casal caminhou por sobre a ponte e se encontrou no meio da travessia no momento mais encantado do dia, olhando o sol amarelo avermelhar-se no horizonte no final da tarde, a banhar de um estranho poder magnético tanto o lado histórico da RFFSA e da Praia Grande, com os seus lindos casarões e igrejas seculares cheios de telhado redivivo, como todo o lado de novos prédios cintilantes que já despontavam pela Ponta d’Areia, Calhau e Renascença... E aquele casal, do qual eu fazia parte, cheio de sonhos e esperanças, no meio da ponte e no meio de tudo, sabia que aqui era mesmo a Ilha do Amor...

O calor me acorda da sesta à tarde no feriado da Cidade perdido no tempo. Esfrego os olhos, irritado, lembrando-me do passeio marcado. “Aniversário da Ilha tem que ser poético”, eu diria anos antes! Agora, sei lá, o descaso dos políticos deste Estado, bem como do próprio povo que os elegeu, em relação a esta Capital só tem feito crescer em mim uma ilha de desencanto, em meio ao crescimento desenfreadamente burro e aos becos de urina dos cantos pobremente históricos: passeio, então, nem pensar! Mas a História deste lugar parece insistir em gritar o meu nome em algum lugar e quase nem titubeio em escolher o ponto da primeira volta de carro da minha pequenininha, ao lado da esposa e dos avós paternos: descendo a carcomida ponte Bandeira Tribuzzi (a ainda lembrada como "Ponte Nova", que de nova não tem nada, leva o nome do poeta, amigo do Bigodudo, que fez o lindo hino de São Luís), a uns 80 km por hora, e passando bem rápido ao largo do Largo dos Amores por cima da Praça Maria Aragão, o Centro Histórico foi o alvo escolhido para o aporte, mais precisamente a Praça Dom Pedro II – ironicamente, em frente ao Palácio dos Leões, onde usurpadores ocupam há décadas o Poder mandatário desta capitania... Mas mais uma vez a beleza do pôr do sol, em frente ao encontro dos rios Anil e Bacanga a caminho do mar pela Baía de São Marcos, acaba por atenuar todas as dores e marca em mim fotos indeléveis de um dia tão aprazível quanto um aniversário especial merece...

Hoje, novo 8 de setembro, feriado morto num domingo, já faz certo tempo que não marco encontro com a Cidade: o amor continua, sem dúvida (porque amor não morre; só dobra a esquina do Beco Catarina Mina e desce a escadaria rumo ao incerto), mas pouco ou quase nada temos nos falado... Até estive com ela alguns meses atrás, namorando coisas da nossa terra no Projeto Reviver e no Mercado das Tuias, a fim de levá-las para amigos que acabei não vendo numa viagem frustrada... Confesso que também trocamos alguns olhares nas poucas vezes em que fui à Litorânea à noite, beliscar uma Maggiorasca, e vendo, mesmo que de soslaio, o mar... Sim, vá lá, abracei-a furtivamente quando estive no alto de alguma bela e alta vista predial, tamanha a sua vastidão de beleza simples, porém ainda certeira, mas não sei... Mas a Ilha e eu mudamos: só passo por ela, quase sem percebê-la, no caos do trânsito lotado, no medo da violência da próxima esquina e nos buracos pelas ruas e pelos prédios em ruínas (até o então próximo Rio Anil da minha vizinhança de infância, sob a arrasada Ponte do Caratatiua, ficou-me um amigo distante e quase perdido)!

Acho que aquele namoro juvenil cresceu para um casamento com a multidão, assim, sem aviso prévio, sem longas cartas de adeus... Está certo, as coisas crescem com o tempo e sempre chega a hora de passar a ponte correndo para o outro lado antes de alguma dura mudança no percurso, e tento pensar em tudo, nesse turbilhão, a compreender meus arredores com uma mente mais aberta e madura. Isso eu, o calejado... Porque a minha filha não dá muita trela para nenhuma dessas pontes velhas, não: ela, que sabe caminhar sempre em frente, no fundo sabe que o amor cresce no sangue e sempre pula de alegria nas ondas do Araçagi ou mesmo em frente às ondas noturnas e proibidas do Calhau – e já que o caos não perturba sua doce beleza, ela parece sempre ansiar pelo próximo passeio de carro por alguma rua cheia de vento benfazejo e cheio da poesia desta Ilha ainda encantada por cada paralelepípedo da Velha Cidade que, pisado por aqueles pés gordinhos e bonitinhos, há de se arrepiar a lhe narrar histórias que talvez eu mesmo nem saiba mais contar...

 

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