quarta-feira, 26 de novembro de 2014

O Lado Negro da Força Politicamente Correta...


Antes e depois da mania de perfeição...

Neste final de semana, por acaso, em meu costumeiro zapping no controle remoto pela televisão, acabei apreciando, no Disney Channel, a animação Star Wars – Rebels, piloto de uma nova série televisiva, situada entre o Episódio III e o IV dos cinemas, que, apesar do já consagrado estilo ruim de animação e de desenho similares a populares séries anteriores, como Guerras dos Clones, acerta bastante no ritmo de diversão e honra personagens clássicos da trilogia original, expandindo bem, e ainda mais, o já gigantesco universo de Guerra nas Estrelas... Enquanto isso, eu pensava com meus botões: Puxa como deve ser bom ser George Lucas: mesmo “aposentado”, um universo de novos personagens, tramas e galáxias muito distantes continua sendo desenvolvido em torno de sua antiga criação, rendendo-lhe rios de dinheiro e sob o seu criterioso aval artístico...!

Bom, na verdade, nem tão criterioso assim, convenhamos: cada coisa que já lançaram com a marca SW... Ainda me lembro, por exemplo, da enorme euforia sentida nos anos 90 por toda aquela geração de nerds oitentistas, da qual, honrosamente, faço parte, ao ouvir o anúncio de que haveria uma nova trilogia como sequência dos clássicos Guerra nas Estrelas, O Império Contra-Ataca e O Retorno do Jedi – assim que eram chamados aqueles filmes antes de toda essa patacoada burocrática e quilométrica atual de ter que falar Guerra nas Estrelas (ou Star Wars, como exige a atual geração bilíngue) - Episódio Tal - mais o título do filme propriamente dito... Mas qual não foi a nossa amarga surpresa quando, antes mesmo de serem produzidos os novos (e ruins) “primeiros capítulos” (afinal, pra que fazer prequels, contando histórias de antes daquelas que já tínhamos visto, se já era bom demais ter ficado só na imaginação sobre como Anakin Skywalker se tornara Darth Vader?), Lucas aparecia com o estranho mau gosto de reeditar, com inúmeros novos efeitos digitais, a trilogia original para relançá-la nos cinemas quando do seu vigésimo aniversário, em 1997?!

Não restam dúvidas de que foi mesmo maravilhosa a oportunidade de ver todos aqueles espetáculos da mais famosa saga espacial das nossas infâncias na tela grande (até existia uma criativa campanha promocional de trailers nos cinemas, a demonstrar a enorme diferença de tamanho na forma como sempre havíamos visto tudo, na TV), porém restava a dúvida em relação às novas cenas: por que mexer em algo irretocável?! Necessidade de aceitação pelas novas gerações, que exigem uma enorme profusão de CGI em cada centímetro quadrado de tela? Tinha que haver uma espécie de “preparação” para a hecatombe de cansativos cenários de efeitos digitais intermináveis que viria, em seguida, com os três novos filmes insossos e sem graça? Ou seria mero capricho de um autor eternamente insatisfeito com seu original resultado final, numa época em que não existia tecnologia para tanto (e que acabou sendo criada por ele mesmo, a partir de 1977, em poderosos computadores com avançados programas, que gerariam, posteriormente, a ILM e a Pixar)? Acabou sendo esta terceira alternativa a desculpa que o cineasta apresentou para o irritante acréscimo de naves, criaturas e demais trucagens às antigas películas... 

Tudo bem – nós nos contentávamos –, é só comprar depois os DVDs com as cópias sem essa edição chata... Mas chato mesmo era o próprio George Lucas, que além de lançar sua horrorosa nova trilogia dos Episódios I, II e III (‘tá, vá lá: o III até que é razoável...) logo em seguida àquele vilipêndio dos seus clássicos, ainda anunciava, para a completa desolação de seus fãs, que, a partir de então, ninguém mais encontraria as cópias originais de 77, 81 e 83 sem os efeitos digitais... Os três primeiros filmes de Star Wars? Só as novíssimas “Edições Especiais”! E tudo isso vindo do criador de uma verdadeira Religião pop, a “Força”... Definitivamente, George mostrava que se rendera ao Lado Negro... Ou seria Lado Sombrio?!

“Lado Sombrio”... Difícil acreditar, mas sabe aquele discurso bem fundamentalista do seu antigo professor de História, que, por acaso, também fazia parte do mais radical movimento negro da sua comunidade, de que expressões como “a coisa ‘tá preta” tinham que ser urgentemente mudadas por causa do tom pejorativo à “raça”?! Pois é: parece que alguém deu ouvidos a este politicamente correto extremista e resolveu modificar um dos cânones da cultura pop dos anos 70/80 e alterou, nas novas dublagens e legendagens em Português, tanto da trilogia original como da mais recente, o famoso Dark Side, que no Brasil imortalizou-se comoLado Negro”, para... “Lado Sombrio”! Ah, ‘pera lá: sombrio pode ser até um lugar coberto por árvores! Sim, eu sou totalmente a favor de que se dê um basta no racismo com políticas sérias e leis mais severas, bem como se passe a maneirar bem mais no nível preconceituoso de muitas piadas grosseiras e absolutamente sem graça com a etnia negra, mas, daí a mexer com a arte de Lord Darth Vader somente para não soar racista? Qual seria o próximo passo, então? Colorizar de branco a famosa indumentária negra do maior vilão do Cinema? Acho que isso, por mais politicamente correto que George Lucas tenha ficado com o passar dos anos (ou alguém aí já se esqueceu da “Questão Greedo” e de quem teria sacado primeiro?), não teria a menor chance de ser aprovado...

Coisa de brasileiro, que adora gritar em plenos pulmões de que, neste País, "não há racismo"? Talvez... Nos EUA, como a guerra é declarada de há muito, os lados acabaram ficando muito claros (sem trocadilhos) com o tempo. E, para confirmar que tal tese é legitimamente tupiniquim, eis que outro Mestre de uma geração, Mauricio de Souza, resolveu percorrer caminho similar com alguns dos seus famosos personagens... E não é que o Pelezinho, famosa homenagem ao Rei do Futebol, com personagens coadjuvantes geniais (sendo, a maioria, negra ou mulata: Bonga, Cana Brava, Jão Balão, Teófilo etc.) e historinhas igualmente fantásticas, foi a última “vítima” do “politicamente correto racial”?! Pois é, sabe aquele círculo rosado que circundava as bocas dos personagens negros desde priscas eras e que compunham os desenhos de muitos artistas nas décadas de 70 e 80, incluindo o pequeno craque e sua turma? E não é que o empresário-desenhista Mauricio resolveu, literalmente, depois de tanto tempo, apagar isso nas reedições de antigas historinhas na série “As Melhores Histórias do Pelezinho”!
 
É inegável que antigas caracterizações pejorativas de artistas brancos maquiados como negros, entre os séculos XIX e XX (a conhecida blackface, grosseria preconceituosa e sem graça comum até em filmes famosos como Nascimento de Uma Nação, de 1914, e O Cantor de Jazz, de 28), eram pródigas neste tipo de racismo, ao exagerar na anatomia mais grossa dos lábios, pintando grandes círculos brancos ou vermelhos em volta das bocas dos atores “cômicos” daquela época... E é certo também que muito deste traço do Mauricio, bem como de outros artistas já no final do século XX, bebeu diretamente nesta fonte, ainda que de forma inconsciente. Mas daí a mexer em historinhas antigas, sem necessariamente tratar de apresentar um “novo Pelezinho” para as jovens gerações, é tão tolo e artisticamente empobrecedor como a reedição de efeitos especiais de George Lucas! 

Tal busca pelo politicamente correto, de não ofender, com qualquer aspecto negativo no desenho, todo um grupo étnico (especialmente se considerarmos a sua prevalência num País negro-miscigenado como o nosso), a mim soa mais agressivo do que se deixassem as grandes bocas onde estavam – atraindo os holofotes para uma mudança tão gritante ao “ajeitar”, pelo computador, inúmeras estorinhas relançadas hoje em dia, parece mais um desengonçado “pedido de desculpas” ianque do que, realmente, uma preocupação com o devido respeito aos negros e sua representação exagerada!

Isso sem falar da anulação quase total da rica expressividade dos desenhos originais de Pelezinho: além do acréscimo de um nariz ao protagonista e ao Cana, no lugar de todas aquelas ricas “boconas” restaram apenas traços retos ou mesmo tortos e malfeitos como bocas! Como “esclarecimento oficial”, o estúdio anunciou que “o traço foi reestudado para se tornar mais moderno, atualizado e universal” – hã? Como assim?! Se era pra caprichar tanto na descaracterização de personagens tão legais em nome de conceitos duvidosos, talvez fosse bem melhor deixar sem “explicar” nada... Tudo bem, já haviam feito coisa parecida com o único personagem negro da Turma da Mônica, o Jeremias, que de “preto-carvão” e com círculo-rosa como boca nos anos 70, foi, aos poucos, alterado até chegar à forma atual, marrom-claro e sem lábios (!), mas só com as novas historinhas deste novo século ortodoxo: mexer com o que está feito e consagrado há tanto tempo é alto tão patético quanto desrespeitoso, não só com os inúmeros fãs das antigas como também com todos os profissionais envolvidos com aquele trabalho retocado – afinal, tanto o Cinema quanto os Quadrinhos são artes coletivas!

Ah, sem esquecer, também, que outro personagem do Mauricio sofreu horrores, literalmente, com seu traço “atualizado” e “mais apropriado” aos novos tempos, em que tudo pode “assustar” as pobres criancinhas: a Dona Morte, sempre caracterizada como uma caveira andrógina (às vezes eram até usadas linguagens no feminino, por causa do nome da personagem, mas jamais foi vista exatamente como uma “mulher”), atualmente vem sendo desenhada com lábios, seios e formato dos olhos feminino nas novas revistinhas do Penadinho! Meu Deus... Ainda bem que na coleção “Pelezinho Coleção Histórica” (reedição das revistinhas originais do personagem, seguindo a ordem de numeração como foram lançadas, que venho colecionando) mantém os traços “racistas”, diferentemente da série “As Melhores Histórias do Pelezinho” – que, por essas e outras razões, acabei deixando de comprar...

Graças a Deus que o mundo gira e, com o tempo e a consequente evolução inevitável, inúmeras coisas grosseiramente ultrapassadas não se repetem para as novas gerações – e, assim, “divertidos” personagens caricatos e ofensivos, como a empregada negra que fala errado, e cujo rosto nunca aparecia, Mammy Two Shoes dos filmes de Tom e Jerry, os ratinhos mexicanos lerdos e preguiçosos amigos do Ligeirinho e inúmeras outras ofensivas blackfaces que pululavam nas telas de animados desenhos como Looney Toones e Mickey Mouse como uma gag recorrente são coisas do passado... Mas nada de alterar eletronicamente tais desenhos ou simplesmente retirá-los de circulação para parecer correto ou lançar um mea culpa às novas gerações: é dever de todo pai e mãe conscientes orientar seus filhos ao ver qualquer forma agressiva e desrespeitosa em relação a gênero, etnia ou origem sócio-regional, seja atual, seja nas fotos, nos vídeos ou mesmo nos livros empoeirados do baú da vovó – ou alguém aí já se esqueceu das formas agressivamente racistas com que Monteiro Lobato tratava a Tia Anastácia e outros personagens negros nos seus livros do Sítio do Pica-Pau Amarelo?

Qualquer forma de arte evidencia o tempo em que foi criada, não há como fugir disso e é desta forma que devem ser vistas e encaradas! Assim, qualquer período injusto e equivocado de nossa História só será devidamente “corrigido” quando confrontado – apagar digitalmente trechos de uma obra ou mesmo retirá-la de circulação não só é ridículo e contraproducente como também se torna empurrar pra baixo do tapete da humanidade realidades sérias e largamente atuais! Pior ainda é quando tais “mexidinhas” se dão por mero capricho de um autor para ver como seria sua obra antiga com novas imagens ou efeitos especiais atuais... Como diria Dadinho, em Cidade de Deus, "politicamente correto é o caralho"! Afinal, já pensou se o George Lucas decidisse inserir um negro gerado por computador em seus filmes antigos meramente para aplacar a ira dos ativistas, que sempre consideraram preconceituosa a saga Guerra nas Estrelas por mostrar somente um personagem negro em sua trama (Lando Calrissian, vivido por Billy Dee Williams)? Ei, será que foi por isso, então, que ele fez toda a nova trilogia: para mostrar um jedi negro (Mace Windu, personificado por Samuel L. Jackson)? Mistério... Pensando bem, eu que não quero mais ser esse chato do Lucas, ou qualquer outro artista indeciso e insatisfeito: isso seria pior do que uma cirurgia plástica na papada, um implante de cabelo ou ajustar qualquer verso de meus poemas! E viva o lado negro, de qualquer lado!

 
Antes e depois da mania de perseguição...


quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Sobre o nada...


– Escreve um romance...

– Como assim...? Aquilo não me era nada claro! Afinal, era para eu escrever uma curta história de romance entre um homem e uma mulher, por sobre os mais tarimbados clichês existentes na subliteratura popular, ou era para que eu me aventurasse na densa seara de um romance, gênero bem mais comprido e complexo que as minhas habituais crônicas? Não sei responder... Infelizmente, mesmo contra a minha vontade, acaba por me vir à mente um sujeito que um dia chamei de amigo, mas que hoje desprezo como o ser mais infame e hipócrita que já tive o desprazer de conhecer, que certa feita me disse que eu tinha que, se algum dia realmente quisesse a atenção das editoras, atentar para o fato de que o mercado é dos romances, e não das crônicas ou dos poemas, meu campo de cultivo. Uma lástima, o conselho, a realidade, o sujeito lembrado... Não, não consigo nem um nem outro: tem que vir outra coisa!

– Escreve uma crônica sobre um romance...

– Ah, sim, como já fizera antes, até com certo ar de conto, brincando mais com personagens, espaço, tempo narrativos... Não, agora não dá: meu tempo é outro e não sinto a chama de algo quente: Deus, seria um romance morno, e a tal crônica, um angu indigesto! Afinal, creio eu, angu é prato que se coma frio... Não tem nada chegando nesse tema, vamos, mudança já! Sim, eu me lembro de Vinícius e Chico e suas crônicas musicais da melhor estirpe, e, para o momento, não tenho a declarar nessa alfândega! A folha permanece intacta e intocada, tamanha a minha atual inércia física na linha do amor... Definitivamente, nada a declarar!

– Escreve um poema romântico...

– Mas isso não é musa que se preze, nem voz interna que se apresente: Poesia romântica só Byron e Álvares de Azevedo pra fazer, que a ideia de “amor, I love you” não rimam com minha Sociologia poética de amores do derredor, com suas culpas amargas e seus pesados corpos em camas sujas de hotéis baratos perdidos pelo interior... Além do quê, como diria o mestre Nauro Machado, aplicando-me um duro tapa na coxa diante da minha gagueira de admiração, sentado, em frente ao ídolo dos versos psicossomáticos, “Poesia só se faz lendo Poesia: tem que ler poema, Poeta!” – nem Ferreira Gullar tem me permeado mais e sua obra completa jaz nalgum canto sujo da estante de aço... Poesia sem chance, coisa inacabada e a folha continua em branco, coisa mais absurda com gente que sempre se gabou do que dizer...

E então foi vinho razoável derramado por todo lado, depois do uísque barato finalizado, no apartamento degradado em azul morto da tela do computador acesa, mas sem word a preencher, com várias e várias folhas espalhadas pelo chão e pela mesa... Não havia mais o que fazer a não ser aquilo, estava decidido: não emplacara, perdeu o tempo da sua vida e a obra de uma vida nunca começou! O que ele poderia dizer à mãe doente e sem orgulho de sua cria – o mesmo que para o seu mecenas, o velho professor que acreditava em sua “promessa” de tempos idos e lhe pagava algumas contas? Não, não era aquilo... Sim, largara tudo sob o pretexto do “fazer o que se ama”, mas amor não se eterniza sem texto por baixo – então, sim, teria que ser aquilo... Nada que houvesse planejado muito, pode-se dizer, do alto onisciente deste narrador de passagem, que ora narra este trágico ocaso com sinceridade: foi tudo mesmo de supetão, sem cartas de despedida ou adeuses telefônicos ou virtuais, como que a implorar que alguém o salvasse – afinal, não queria ser salvo... E o vermelho-sangue jorrou por sobre a tela azul e o branco do papel sobre o chão, que esperava ansioso ou por uma nova impressão ou por qualquer esboço à mão... Adeus a tudo e a todos!



Acordou por volta do meio-dia. Indiferente ao telefone, que parecia tocar ao longe e que já registrava inúmeras ligações e mensagens do padrinho perturbado e da amante sem futuro... Coçou a cabeça, ainda meio que sem saber o que faria no começo de tudo, quando reparou fortes manchas vinho-avermelhadas que rajavam o chão coberto de folhas em branco – aquilo era arte pura e soava como as impressões etéreas que lhe causaram as obras de nomes como Frank Miller e Dave McKean nos idos anos 80 da passagem de sua infância de Disney e Mauricio de Souza para Alan Moore e Neil Gaiman... “Quadrinhos!”, gritou: era o que queria fazer! Esta era a vida com que sempre sonhara! Nada mais de frustrações sem amanhã, de contas atrasadas ou de profissões largadas antes mesmo de começar: e daí que fizera Jornalismo? Pra viver da pena comprada por grandes grupos políticos, cujas “notícias” são meros esquemas pré-fabricados para se botar, por cima, o que neles melhor se encaixar?! Não, não com ele: se sua lavra como escritor independente naufragou, nada melhor do que voltar às suas origens na arte do desenhar e se reinventar como quadrinhista! Sim, ele que tanto havia retratado seus professores em divertidas charges nas enfadonhas aulas do terceirão e da faculdade... Ele, que tantos personagens infantis criara em seus dias mais lúdicos, até que uma leva de super-heróis com barba por fazer e de passado mais atormentado do que Batman e Wolverine juntos passaram a pulular em suas pranchetas...

Mas, afinal, que linha seguir? Que personagem retomar? Ou seria melhor mesmo começar do zero e passar a fazer o jornalismo em Quadrinhos de um Joe Sacco? Tantas considerações e a mão, trêmula, sem sequer se lembrar do primeiro traço... A página em branco, esperando o contorno de novas ilustrações e nada... Difícil de crer: quantas vidas mais teria que sacrificar, diante do eclipse de seus talentos? Não era possível... Sim, as HQs, para além de grandes desenhos, também precisavam de bons roteiros... E, antes mesmo de qualquer romance, a ideia de roteirizar uma crônica ou um poema, seu ou de outrem, só conseguiam ser substituídos em sonhos de profissão perfeita pelo cobiçado cargo de crítico de Cinema de algum jornal badalado (coisa maravilhosa, que aprendera com o amigo Sabadin em tempos antigos)... Sim, poderia ser o grande roteirista por trás da nova leva de artistas brasileiros no exterior, como Joe Bennett ou Mike Deodato, gente do melhor calibre e que já haviam escrito para Marvel e DC! Isso mesmo: escrever era o caminho, mas a arte da escrita a complementar a complexa, porém ainda sem a devida valorização, arte da banda desenhada, como diziam amigos patrícios d’além-mar... Escrever para crer, para ver... Escrever para desenhar! Podia ser! Mas... O quê?

– Escreve sobre pandas...

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Baixinha, Invocada e Adoravelmente Chata...
Reminiscências sobre Adriane Coelho

Minhas primeiras reminiscências a respeito de Adriane remontam ao período entre a sexta e a sétima séries, tempo em que me lançava ao “mundo político” sendo “presidente” da minha turma, e ela, representante da sua 62: havia, de tempos em tempos, reuniões dos líderes com a Coordenação e acabei sabendo de sua fama... Sim, porque enquanto eu estava ali por uma curiosidade, com o respaldo dos meus eleitores na ausência de candidatos pra minha turma, Adriane parecia rugir, com sua voz baixinha e muito aguda, por sobre cada ponto das pautas que levara para discutir: professoral, eu diria – já estava no sangue, né, colega? – e aborrecidamente séria e compenetrada como nenhum outro representante ali presente...

Chata? Ah, sim: essa pecha a perseguia, na verdade, antecedendo-a! Ela era a “baixinha invocada”, quase uma Mônica dos Quadrinhos, só que em carne e osso: baixinha, gordinha e dentuça, aquela menina peitava qualquer garoto que se metesse a besta ou insinuasse querer ser algo mais que ela... Ah, e ela namorava um amigo nosso, o Brandão, e, por isso mesmo, sempre lamentávamos por ele, coitado, pelas palmadas firmes no braço e por sempre ter de comer um dobrado, não importando se ele estivesse entre “os seus”, pobre confraria de homens: como eu já disse, aquela menina era das raras do sexo feminino que conseguia transitar em qualquer meio. E, sim, arrancar o seu precioso Brandão de dentro de qualquer ciclo, se isso já houvesse tirado a forçuda do sério... Afinal, agarrar era com ela mesma, eterna guerreira goleira de handebol!

Histórias são o que mais tenho: gosto de dizer que sou um colecionador nato e, de todas as coleções que acumulo, os causos que todo mundo já tratou de esquecer são a minha matéria-prima favorita! E, com Adriane, elas são as mais hilárias... Por exemplo, não dava para não provocá-la: vulcãozinho eternamente aceso, parecia uma tentação perturbar-lhe a paciência! E como a “pobre garotinha” tinha aversão a escatologias, adorávamos fingir o som de alguém engulhando, prestes a vomitar (ou mesmo já “chamando o Hugo”), para que a durona descesse de sua fortaleza, ficasse pálida como a parede mais velha do colégio Dom Bosco, e corresse para o banheiro já quase vomitando também – ah, que tempos deliciosos...

Mas nenhuma história reflete melhor quem é este mito chamado Adriane Coelho que um ocorrido no nosso último período no colégio, meados finais do terceiro ano, época em que, para minha alegria, já estudávamos na mesma turma. Praticamente o ano inteiro eu me sentava no canto da extrema esquerda, e, como a sala era panoramicamente larga e havia uma série de três basculantes verticais pintados, por sobre a minha cabeça e indo até o quadro-negro, muita gente se desesperava quando o professor da vez inventava de anotar qualquer coisa no cantinho próximo a mim, por causa do intenso reflexo que cegava qualquer um ao longe. Então era muito comum um “fecha aí pra mim, por favor!”, e lá ia o “guardião do canto”, solicitamente, fechar o que estivesse ao meu alcance, a fim de minimizar a claridade que vinha de fora...

Só que há vários jeitos de se pedir um favor... Além do mais, eu era extremamente calorento na época (andava até com um lencinho, pra enxugar o suor!), e, mesmo diante de alguns pedidos tão sinceros e tão sentidos, eu acabava por não atender, agoniado que ficava com mais calor com aqueles vidros todos fechados! Assim, era comum termos alguns mais “da ignorância” (como o querido Andrei adorava tachar) que se levantavam e, com extrema grosseria, tratavam de fechar tudo mesmo, sem nem pedir licença – e, ainda por cima, fazendo barulho, arrancando, com isso, uivos da torcida do mal do fundo da classe... Eu, quase um cavaleiro Jedi nessa época, nem esquentava com isso: sem responder a qualquer provocação, abria tudo novamente tão logo aquilo me incomodasse de calor e costumava dar de ombros para os mais aguerridos!

Mas Adriane, não: ela sempre foi uma lady, de verdade! Mas uma lady marrenta, vamos considerar assim... Então, a depender do seu clima no momento, suas formas de pedir às vezes eram frias e distantes, porém sempre muito polidas. E, naquele dia em particular, ela pediu desse mesmo jeitinho, como se nem me conhecesse de tão longa data – só que o fez depois de outros pedidos bem menos educados, o que já me havia mexido com os brios e cansado a paciência quase budista que costumeiramente me permeava: – Agora eu não vou fechar nada, porque o calor ‘tá muito forte e o que está no quadro não está tão no cantinho assim; dá pra mudar de lugar e ver o que tem aqui... Nem preciso dizer que a firmeza das palavras ditas atiçaram a turma do caos do fundo da classe e os “Égua...”, “O menino é brabo...” e “Calou geral...” eram manifestados à profusão, em provocação à pobre Adriane, que ficou visivelmente constrangida com aquele espetáculo dantesco – o que, reitero, não era minha intenção, uma vez que me dirigi à coletividade reclamona!

Mas de nada adiantaria eu me explicar pra ela àquela altura do campeonato: a discórdia já havia sido plantada, com sucesso, pelos disseminadores do fundão... Acabei me divertindo e sorrindo com aquela baderna – onde estava o professor para controlar aquela palhaçada? Ah, era Alfredo, de História do Brasil, que não se importava muito com nada além de copiar 1 km de resumo da aula no quadro e deixar a camisa aberta pra mostrar os velhacos pelos do peito às mais safadinhas... Logicamente que eu não escaparia ileso de Adriane (ninguém escapava!): logo em seguida à purgação da turba ensandecida, notei que ela escrevia, com sofreguidão, algo fora do seu caderno de História para, depois, entregar a alguém para que, passando de mão em mão, chegasse até a mim um bilhetinho com o seguinte conteúdo “Se tiveres alguma vergonha nessa tua cara, nunca mais fala comigo!”... Ri comigo mesmo, desconcertado, e a procurei com a vista, ao longe, enquanto ela fazia questão de fechar a cara para evidenciar o ódio: bobagem completamente contornada no recreio, quando a procurei para dar-lhe um abração (meio à força, diga-se...), explicar-lhe melhor o ocorrido e dizer que a amava – e a “durona”, como sempre, cedeu!

A última vez que vi esta menina (sim, Adriane não envelhece, incrivelmente!) foi quando da saída de um supermercado, ao lado de Jandira ainda grávida (faz tempo...), que lhe dizia os nomes escolhidos para os nossos então futuros filhos: Isadora e Dilberto Filho – Dilberto Filho?! Eta, concordo contigo, Jandira: criança tem que ter personalidade própria em vez de herdar nome de pai! E pra que isso: quem és tu, quais os teus feitos, rapaz, para te perpetuares e te auto-homenageares desse jeito?! Chata... Decididamente! Bom, mas quem não é? É só cada um de nós olhar bem no espelho que nossas máscaras diárias caem em fileira, evidenciando os nossos podres, manias e azedumes mais severos (eu mesmo me pergunto, diariamente, como é que uma pessoa tão maravilhosa como Jandira me aguenta há tantos anos...)! Mas, posso dizer, com convicção, poucas pessoas têm essa tal “chatice acentuada” tão bem dosada por um lado amigo igualmente forte, doce e sincero como o que aquela baixinha sempre carregou consigo... Digo isso porque poucas vezes na vida levei tanta cadeirada e, ao mesmo tempo, fui tão querido e pajeado por alguém como no caso dessa Tetê Espíndola de jardim!
 

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