– Vocês sabem da última...?!
Recentemente, no sagrado zapeamento do fim de noite, ocasião em que se tem um tempinho antes de "arrumar a mochila" para o dia seguinte e buscar o derradeiro golpe de Morfeu ao se entregar ao fiel travesseiro, eis que me peguei fisgado por uma comédia recheada de clichês e a vi por inteiro, coisa de umas duas semanas atrás! Na verdade, o filme era o próprio clichê das atuais comicidades em forma de longa-metragem: a velha e repisada história do pai bem-sucedido, porém refém dos negócios, que descobre ter filhos e, com a forçada aproximação dos rebentos, transforma-se numa pessoa melhor...
Difícil de crer que alguém em sã consciência ainda perca seu tempo com isso, especialmente se esse alguém praticamente ojeriza a Comédia vinda de Hollywood hoje em dia e procura valorizar seu tempo com coisas melhores! Mas o que ainda não informei aos fiéis blogueiros de plantão é que Robin Williams, adorável e grande ator estadunidense que sempre soube como poucos passear entre a Comédia e o Drama (isso quando o seu histrionismo cômico ou a sua dramaticidade caricata não atrapalhavam tudo!), era quem encabeçava o elenco, atuando ao lado de um igualmente carismático John Travolta, conseguindo, assim, fazer do pastiche "Surpresa em Dobro" (apesar de algumas diferenças, lembrou muito outro antigo trabalho similar, "Um Dia, Dois Pais", com Billy Crystal) um adorável passatempo de quinta categoria – naquela noite, dormi feliz por a vida parecer tão simples...
Mas qual não foi a minha surpresa ao saber, na semana passada, num outro derradeiro zapear de fim de noite, que aquele cara loucamente engraçado nos deixara de forma tão trágica e surpreendente – para dormir, desta vez, demorei bastante, permanecendo atônito e triste por uns dois dias...
Não entrarei no mérito da depressão regada a alcoolismo, drogas e aquele eterno tom melancólico de aparente coração apertado que segue, como uma espécie de sombra, os melhores palhaços ao longo dos tempos: isto cabe somente ao homem por trás das metralhadoras giratórias de piadas e improvisos nos palcos, na TV e nos filmes e à sua família, coisa que nunca me interessou... E, honestamente, diante do furacão performático que era aquele artista em cena, ainda capaz da difícil proeza de se conter em bons papéis dramáticos, não cabe a mim nem aos estimados Morcegos destilarem "análises" de ordem pessoal: se até as irritantes bobagens sem muita graça proferidas nos momentos mais "loucos" e as canastrices de personagens ensimesmados e com-cara-de-vítima de alguns dramas esquecíveis a gente perdoa, o que dizer de um momento de fraqueza humana? E não, eu não estou falando do horrível "Patch Addams" (creio que esta deslocada piadinha de humor negro o Robin iria adorar e o Duviver assinaria embaixo!)...
Por isso é que, como fãs do incomensurável artista que se foi – mais um comediante para a lista de dolorosas perdas do ano: fiquei igualmente sentido com a similar ruptura com a vida do promissor Fausto Fanti, do anárquico Hermes e Renato, um pouquinho antes... –, os Morcegos se reuniram e estabeleceram os 10 melhores trabalhos de Robin Williams no Cinema. Nas duas primeiras colocações, a genialidade solta de marcantes personagens de animações que ficaram melhores com a presença do maluco beleza; em seguida, um pungente e belo drama com toques lúdicos de um inspirado Terry Gilliam onde o astro reina; em quarto, um injustamente esquecido filme-adaptação de um clássico personagem sob medida para as suas caretas nervosas; quase empatados seguem dois grandes momentos contidos em ótimas comédias dramáticas da década de 80; e o que faltava para Robin brilhar se não era se vestir-se de mulher num show de caracterização (não contamos a deliciosa homossexualidade de "Gaiola das Loucas" devido ao papel "menor", quase enquadrável como "escada" para Nathan Lane)?
Por fim, papéis dramáticos e de intenso suspense marcaram brilhantemente o artista: o bem escrito e vivido psiquiatra cheio de dor que ensina a lidar com a mesma foi inconteste até mesmo para a Academia do nariz empinado do Oscar; e os aterrorizantes trabalhos de incômodos perseguidores terminam por atestar a versatilidade do ator ao desvencilhar-se do eterno tipo bonzinho e amigão que marcou a sua carreira... O quê, se eu não esqueci algo? Não, "ó, capitão, meu capitão": filme supervalorizado dos anos 80, com papel à prova do ator em caracterização tão xaroposa e datada como o próprio filme em si, no caso de Sociedade dos Poetas Mortos, não entra na seleta lista dos amigos quirópteros voadores... E convenhamos: ensinar a chorar é fácil, como no caso daquele tão adorado professor em cima das mesas na sala de aula! Difícil mesmo era fazer rir ou pensar (e, às vezes, ambas as coisas) com outros tipos bem mais interessantes...
Com tantos grandes papéis na carreira, os destaques vão sempre para os delirantes e hilários momentos de caracterização, seja com forte maquiagem a compor um tipo inesquecível do Cinema, seja por trás de um animado personagem de animação...
Alladin (dublagem do Gênio da Lâmpada)
Happy Feet (dublagem de dois personagens: Ramon e Lovelace)
O Pescador de Ilusões (The Fisher King)
Popeye
Moscou em Nova Iorque (Moscow on Hudson)
Bom Dia, Vietnã (Good Morning, Vietnan)
Uma Babá Quase Perfeita (Mrs. Doubtifire)
Gênio Indomável (Good Will Hunting)
Insônia (Insomnia)
Retratos de Uma Obsessão (One Hour Photo)
Exemplo do debochado humor de Williams: "Eu amo Nova Iorque" em árabe...