quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

A pessoa é para o que nasce...


- Quando eu 'tou sonhando, eu vejo tanta coisa...
- ...A gente vê tanta coisa bonita... 
- Aí quando você acorda, não vê nada, aí vai...
- Aí foi...

A pessoa é para o que nasce... Interessante... Termino a noite desta minha cheia e pessoalmente inusitada quinta-feira elucubrando sobre esta profunda frase vista no documentário homônimo de Roberto Berliner, de 2005 (que devo ter visto uns 2 ou 3 anos depois), sobre as famosas "Ceguinhas de Campina Grande", que, por sua vez, já haviam sido mostradas num curta anterior do mesmo diretor, do projeto Som da Rua (vídeo acima) e que já haviam encantado um bom número de pessoas, uma vez que passava repetidas vezes ao longo dos comerciais e propagandas diários da antiga TVE, ocasião em que conheci um pouco dos dramas e do jeito bonito de lutar contra as adversidades daquelas senhorinhas - e que, na minha modesta opinião, deveria ter sido o único meio a retratá-las...

Não que o cotidiano das deficientes visuais Maria Barbosa, Regina e Conceição - ou Maroca, Poroca e Indaiá, como são conhecidas na intimidade - não rendesse, por si só, um belo longa, muito pelo contrário: as enternecedoras histórias de vida das talentosas, simpáticas e muito humildes percussionistas de rua da Paraíba, assim como as de tantos outros pobres peregrinos mambembes das artes deste País, mereciam mesmo muito mais visualização! A questão reside no fato de que, "esticando" a breve apresentação inicial de pouco mais de 3 minutos das rápidas inserções televisivas, onde já se mostrava um pouco do puro, porém difícil cotidiano das cegas tocadoras de ganzá, para os mais de uma hora e vinte do documentário, acabou-se revelando mais do que se deveria e, o que poderia ser meramente proposto, termina sendo escancarado, muitas vezes de forma abusiva ou gratuita - como algumas desnecessárias tensões entre as irmãs ou na sequência em que a falante, porém carente, Maroca chora ao se declarar apaixonada pelo diretor...

Um documentário possui inúmeras possibilidades de linguagem e interferir na realidade do que está sendo documentado até pode perfeitamente apresentar-se como uma variação das simples entrevistas com câmera parada e edição de imagens de arquivo. Mas daí para a transformação exposta, quase como que inserindo no contexto da história mais um personagem - no caso, o diretor e sua equipe -, creio descaracterizar qualquer posicionamento mais objetivo, o que beira a encenação, como o incômodo final, em que as três senhoras têm seus primeiros contatos com o mar e se banham nuas, numa clara demonstração de interferência romantizada e negligente no simples documentar... Ainda que com total consentimento, cenas como essa me soam forçadas como deturpação da boa-fé e da ingenuidade alheias! O que prevalece, entretanto, são as fascinantes lições cheias de um interessante bom humor em meio à vida extremamente sofrida que levam as três, ao longo de uma estrutura narrativa que lembra os três costumeiros momentos da Aventura ficcional (cotidiano, jornada e retorno), numa experiência visual que, apesar de alguns pesares, merece, sim, uma conferida.

Mas por que algo de um filme documental que vi há tanto tempo e que me apresentou mais falhas que acertos me retornou aos pensamentos fugidios do fim desta especial noite em particular? Por causa daquela frase, que dá título ao filme, dita de forma quase cantada pelo jeito lindamente simples de uma das senhorinhas - que, num arrojo de profundidade, parecia repetir para si mesma aquela espécie de cantilena que lhe foi ensinada desde muito cedo (as três nasceram cegas) a fim de entregar-se à resignação estoica em relação à vida que leva, ao mesmo tempo que deveria sentir, na base de suas esperanças fugidias e "só de ouvir dizer", que a sua forma peculiarmente bonita e tipicamente nordestina de entoar suas músicas talvez, um dia, ainda pudesse levá-la longe... Talvez nem pensasse tão alto, em ser "estrela de cinema", no dizer da própria, ou de cantar e tocar ao lado de Gilberto Gil num evento para milhares de pessoas ou ainda de ser levada com as irmãs para realizar tantos shows, mas, com base em sua digressão sobre predestinação, no mínimo ela deve ter-se confortado em ter feito por merecer esta pequena grande jornada para o trio de que faz parte - que, felizmente, hoje parece viver melhor, com um nova cuidadora e até com apoio de uma fanpage no Facebook...

Mas, afinal, "A pessoa é para o que nasce"? Não creio, há tantas filosofias a embalarem a formação de alguém ao longo de uma vida! Ainda assim, quanto a mim, quantas não foram as vezes em que me perguntei o propósito da minha jornada... Sim, obtive algumas respostas, duas para ser mais exato, mas parece que dei de ombros a elas em meu percurso constantemente interrompido por soluções de amedrontamento! E, embora eu esteja bem longe de um alinhado convicto dos oráculos e seus destinos de pedras cantadas de gente resignada pela fé, sempre achei que algo de bom permanecia guardado enquanto eu parecia não querer enxergar o traçado diante do nariz! E eis que, depois de saber mais do meu ofício de escrever e de ser pai, hoje obtive a minha terceira resposta, talvez a mais precisa e certeira, somente a confirmar a espécie de epifania anterior, mais ou menos da mesma época, no ano passado - e que, assim como se deu meio tardiamente com aquelas especiais mulheres, tem a ver com encantar, de surpresa, as pessoas!

E, apesar do tanto que deixei a vida escoar livremente de mim, por entre esse correr da vida que a gente deixa, descaradamente, que embrulhe tudo por este grande sertão de mundo nessa vã expectativa de lutar contra algum destino, e se esvaia solto rumo ao mar, hoje, decididamente, encerro positivamente o dia cheio sentindo que atirei no mar ("e o mar vazou...") - às vezes, tudo o que a vida quer da gente é coragem...

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

O Atemporal Bowie

Mesmo que eu nem fosse profundo conhecedor de sua obra, ele foi tantos que eu sempre gostei de todos...

O alienígena, vampiro, andrógino, fashionista e também cantor, compositor, produtor musical (carreiras mundanas que dispensam comentários) e ator (dos bons: grande presença cênica, no Cinema e no Teatro) despediu-se hoje da humanidade... Há quem brinque (ou mesmo acredite) que ele não morreu, mas pegou seu disco voador de volta pra casa e foi viver sua esquisita odisseia espacial com seus amigos das estrelas! De qualquer forma, David Bowie (seu nome terrestre) se foi cedo demais - míseros 69 anos recém-completados e quase nada comemorados em meio a um novo trabalho lançado (que anseio por conhecer) e o câncer que consumiu o seu corpo cansado... E, mesmo não sendo dele um profundo conhecedor (conheço boa parte do seu trabalho musical somente até os anos 80 e vi só os seus filmes "clássicos"), sempre amei o que vi e ouvi! Aquele mundo cool e esteticamente liberto e criativo em todas as suas vertentes possíveis, dimensão paralela da qual ele nos permitiu participar, hoje parece seco e sem maiores perspectivas... Porque muito poucos conseguem se transformar tanto (Madonna, por exemplo, tentou muito, mas sempre foi mero pop fraco, forçado e sem estilo), e, em qualquer um desses tantos em que se transformou, ainda soar incrível e legendário na sua lenda de vida repleta de viagens num mundo só!

Eu me lembro de detestar um hit do Nenhum de Nós do final dos anos 80, Astronauta de Mármore: mesmo sem conhecer ainda o original daquela tosca versão brasileira, tudo me pareceu fake demais, em dissonância com o suporte daquela magnífica melodia - em sua defesa, o vocalista do grupo, Thedy Correa, até hoje lembra a aprovação do próprio Bowie e defende a "liberdade poética" da sua não-literalidade na criação (o universo do Major Tom e o mundo alucinógeno das drogas)! E eu não estaria errado, não: alguns anos depois, quando o grande David Bowie finalmente me seria "apresentado" por alguns seletos amigos e seus LPs - ainda bem, porque, assim como com Chico Buarque, a Música do multifacetado inglês "morre" quando sintetizada em remasterizações em CD -, simplesmente viajei para as estrelas com a primeira coisa que conhcei: sua versão teatral "musical da Broadway" do seu Starman (que, ao contrário do que muitos acreditam, não é o Ziggy Stardust do título daquele memorável disco: este é, na verdade, o "mensageiro terrestre" do tal "homem das estrelas") e, tempos depois, delirei com as aventuras do astronauta Major Tom em várias canções (inesquecível, obviamente, a "principal", maravilhosa lição de vida de Space Oddity, sem esquecer Ashes to ashes, com novas "viagens" do personagem)! 

E isso tudo quase que paralelamente às minhas descobertas cinematográficas do camaleão do Rock e das artes - e como eu adorei o seu Andy Warhol (ele mesmo ou vidas paralelas de épocas paralelas?!), o seu rei dos duendes labirínticos e o seu vampiro de fotografia estilizada do igualmente saudoso Tony Scott... Mas, para além de seu enorme talento nas telas e seus inesquecíveis Furyo e Tesla, decididamente Bowie, com seus olhos diferentes e sua sexualidade "moderna", foi um homem que caiu na Terra e, tal qual outro mutante de paragens distantes (como o nosso pavão misterioso e igualmente andrógino brincalhão e contestador Ney Matogrosso), foi tão vanguardista e inovador em cada cabelo incrível, cada figurino extravagante e cada maquiagem espalhafatosa que, mesmo passadas tantas décadas, nem uma única foto com o artista, nas suas mais diferentes fases, soa como datada ou démodé! E tudo sempre com um vigor de um principiante absoluto sob pressão! Sem dúvida, um artista legendário do pop rock de qualidade e de um inimitável invencionismo que deixará um legado para as estrelas! Afinal, sempre que um "sobre-humano" como ele se vai, o mundo fica menor, mais unidimensional e triste, simplesmente... humano!



 

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