É público e notório o quão desinteressado pela TV aberta de um modo geral eu sou (ainda vejo aqui e acolá, quando posso, De Frente com Gabi, CQC, Agora é Tarde, Comédia MTV e Arte com Sérgio Brito), com destacado desdém pela "teledramaturgia" nacional (leia-se "novela"): desta forma, eu não saberia falar patavinas sobre o último capítulo da novela O Astro, exibido pela fascista Globo nesta última sexta-feira, a não ser que se trata de um 'remake' de um produto da casa - e que dei algumas risadas nas raríssimas vezes em que, trocando de canal no horário, dei de cara com algumas "interpretações" exageradas (como as caretas amalucadas de Regina Duarte, por exemplo) e umas edições aceleradas e freneticamente ruins (talvez num louco afã de "modernizar" o folhetim eletrônico original).
Decerto que o sucesso da primeira versão moveu o País no final dos plúmbeos anos 70 (nada mais moralista e reacionário no Brasil ditatorial do que a família reunida para ver JN e, logo em seguida, a novela), especialmente em torno do apelo da trama policialesca "quem matou Salomão Hayalla" - tanto que o poeta-maior Drummond chegou a declarar, ao final da famosa trama de Janete Clair: "Agora que O Astro terminou, vamos cuidar da vida, que o Brasil está lá fora esperando". Mas o motivo que me traz a, pela primeira vez nos Morcegos, falar de uma novela não é nenhum "marco televisivo histórico" (uma vez que, ainda que eu quisesse, mal era nascido quando da primeira exibição!), mas, sim, a música que fez parte da sua abertura em ambas as versões: Bijuterias, dos geniais João Bosco e Aldir Blanc, parecia cair como uma luva na abertura televisiva, tanto na de 78, com suas interessantes, porém limitadas projeções sobre rostos, quanto na de 2011, com seus efeitos hansdonerianos.
Mas engana-se quem pensa que a canção fora composta diretamente para a novela global: ela é originária do quarto disco do cantor e compositor, Tiro de Misericórdia, que estava sendo gravado em 1977 quando a Globo então procurava uma música para aquela já famosa abertura. Coincidência mística pura, não? Na verdade, apesar de seu lado esotérico e da obsessão por meteoros, creio que João Bosco e este pequeno clássico mal-compreendido da nossa MPB (termo surgido na década de 60 pós-Bossa Nova e pré-engajamentos políticos) sempre estiveram mais para o humor de antigas letras do nosso cancionário, na esteira de bambas como Noel Rosa, Luiz Gonzaga e Chico Buarque. Estão aí até hoje De frente pro crime e Incompatibilidade de gênios que não me deixam mentir (duas outras pérolas bem humoradas da dupla Aldir Blanc e João Bosco ainda na década de 70)!
"Em setembro, se Vênus me ajudar, virá alguém... Eu sou de virgem e só de imaginar me dá vertigem... Minha pedra é a ametista, minha cor, o amarelo... Mas sou sincero: necessito ir urgente ao dentista - Tenho alma de artista e tremores nas mãos. Ao meu bem mostrarei no coração um sopro e uma ilusão, eu sei... Na idade em que estou aparecem tiques, as manias - transparentes, transparentes, feito bijuterias pelas vitrines da Sloper da alma". Simplesmente genial: humor sofisticado, harmonia perfeita num bolero inteligente por sobre elementos indispensáveis à cultura daqueles doidos anos 70... A propósito, a Casa Sloper era uma fina loja de departamentos em estilo europeu famosa na época por suas bijuterias e com um imenso lustre de cristal que pendia brilhante do teto de um bem alto pé direito. "Sloper da alma"... Coisa de gênio! Uma pena que a nossa Música atual não tenha mais nada daquele frescor inteligente de boas fusões de boa música com bom humor...
Falo tudo isso em novos-velhos tempos de apocalípticas previsões de fim de mundo e porque li nalgum lugar desta louca 'internet' de meu Deus alguma garota da "nova era" perguntando, em seu 'blog', se alguém sabia a origem daquela "música tosca" que tocava na novela das 11... "Música tosca"... É por isso que, além da TV, eu simplesmente odeio 'blogs', especialmente "na idade em que estou", quando "aparecem os tique, as manias"...! E viva o bom-humor astral da nossa tropical cultura brasileira, imenso caleidoscópio de brilhos mil!