O ano de 2004 me foi decisivo em inúmeros aspectos. Um dos principais, o alimento da escrita que andava um tanto quanto acomodada até então desde a tenra adolescência, foi ressuscitado graças a este dileto 'blog' (iniciado em março, no extinto Weblogger)! E, mesmo que 2005 tenha passado meio em branco na minha ainda breve história de vida, continuei com os Morcegos, ganhei novos e importantes amigos virtuais (abraço especial ao Júnio, que colaborou bastante para um Natal especial) e continuei com a maior tradição deste espaço virtual do ano anterior: a Vertebral! Nada melhor que reunir as 24 crônicas produzidas diretamente para este espaço, ao longo dos seus dois endereços, somadas a uma especialmente feita para a ocasião, imprimir em formato de livro e ofertar a alguém especial, o que fiz no último dia 23: Jandira recebeu, além de outros mimos, uma "edição especial" de como seria uma publicação com todas estas colunas que adorei escrever. Mas que agora, delas "aposentado" desde agosto, só me resta publicar a Última Vertebral, inédita por aqui, a fim de fechar o ciclo de uma fase da minha existência, bem como para fechar o livro... Por isso, às vésperas de um novo ano, nada melhor que usar o próprio "tempo" como tema:
Mas como diria o meu Trovador Soberano, então "me diz, me diz, me responde, por favor, pra onde vai o meu amor, quando o amor acaba?": pra que me despedir desta crônica tão amada? Coisas do tempo, minha preta, minha branca, meus peões e meus reis de tempos que já se findaram: cada semana um jogo diferente, entre meus afazeres e meus tempos mortos sobre os livros, a imaginar cada estratégia única para melhor abordar aquele assunto que pululava por entre os jornais, as televisões e as bocas... O tempo cansa, assim como textos longos na internet, já diria quem já foi, e a ideia de um livro encerra qualquer jogo, a não ser que peçam revanche, como o fez o Gasparov diante de um computador. Sendo que, no meu caso, talvez o pessoal do computador é que me peça pra voltar...
Porque o tempo nada perdoa: são 28 anos divididos entre glórias e derrotas em formas desiguais, que muitos dos meus cabelos decidiram nem ficar para contar a história, tantos mundos e tantas vidas, que minha Vertebral se mostra hoje mais minha: se a cada semana ela contava as estórias dos outros pelos meus olhos, meu sangue também se perfez história! Como olvidar, de sua criação, o criador, quando o tempo que o gera é o mesmo que o recria?
Meu tempo, hoje, talvez seja todo o tempo... Que já se cansa a poesia! Pois toda semana se repete alguma coisa, e, no fim, a prosa da retrospectiva não deixa margem para mais nenhuma reflexão: " 'Tá tudo aí, para quem quiser ver", como diria Arnaud e Chico Anysio...
E eu vejo de novo novela na Globo. E sinto o quanto o tempo é irônico quando acompanho, majestosos, grandes vultos na telinha interpretando, diretamente do passado, personagens que eles mesmos já não são! Mário Lago, que se foi há uns três anos, está lá, ao lado do meu vilão favorito das chanchadas, o Lewgoy, e tantos outros desencarnados que sempre fizeram valer a pena ver pelo menos alguns capítulos de um folhetim televisivo... Mas não para por aí, já que o autógrafo que jaz em uma velha agenda de 98 ainda revive a emoção de ter conversado com alguém tão talentoso como o velho Lago, que se apresentou àquela época em São Luís com seus sambas inesquecíveis a mim, Jandira e a toda uma plateia embevecida no teatro Arthur Azevedo...
Mas não é outro o tempo que se fala por aí senão o nascer, o renascer e o morrer do mês de dezembro, onde inventaram o Natal por entre os sóis de um sol mais que real: cristão que acho que sou, rio-me da fanfarra embrulhada em papel de presente de reflexão de botequim... Presenteemos, pois e no entanto, quem amamos, e glória aos céus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade! E viva os vazios "feliz Natal" por entre os amigos tão invisíveis quanto aqueles de que participamos, porque temos que nos confraternizar, tal como me disse, certa feita, Jandira, minha noiva, tal qual a Margarida com o Donald, que talvez ainda não se tenham casado por causa do pequeno salário que o pobre pato ganha na Patada: "Dil, vai para essa confraternização, mesmo sem mim"...
E lá estou eu, a conjecturar sobre o que dizer na minha última coluna Vertebral, em meio a uma garfada e outra de salpicão, quando tiros irrompem a rua em frente ao salão em que estávamos os amigos da academia. Corre-se, alarde e dois corpos semimortos no chão. Uma frustrada tentativa de assalto, a três casas ao lado daquela em que estávamos, acabara de resultar em três baleados: os dois assaltantes, que os policiais então torciam para que morressem antes de a ambulância chegar, e um delegado, que reagira com precisão não suficiente de lhe impedir dois alvejamentos, mas que já se encontrava no hospital para uma delicada cirurgia para a retirada dos projetis...
Só então eu vi que o tempo é e sempre será o maior tema de qualquer coluna que se queira manter de pé por tantos anos, mesmo depois de qualquer criador desencantado decidir dá-la por encerrada: amanhã sairão nos jornais locais este desenlace, de frente pro crime na rua da confraternização na academia, como mais um retrato da violência espalhada por este grande País desamparado. E eu, sozinho ou mal acompanhado com o tempo que me acompanha (posto que cada um carregue o seu!), continuarei, ainda que sem registro, com muitas histórias para contar...
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