terça-feira, 24 de setembro de 2013

Datena dos Rezendes da Televisão Brasileira...

Exaurido depois da extenuante quarta-feira da semana passada, aproveitei a meia-hora restante do dia ainda iluminado pelo sol e fui buscar minha mãe no seu trabalho: passaríamos no supermercado para "relaxarmos" numa compra de fim de tarde e de meio de semana em meio aos já agitados engarrafamentos que se formavam - Mas não estás cansado? Pergunta uma mãe que não se cansa de se preocupar com sua cria, no que eu lhe respondo que faríamos tudo com bastante calma, bem tranquilos, respirando o ar de breve liberdade do dia cumprido e nos anteciparíamos aos lotados caixas do sábado e do domingo...

Bem escolhidos todos os produtos que me lembrava faltar em casa e ela com as carnes desejadas, tudo com a parcimoniosa vagareza prometida, o cansaço do esgotamento começa a cobrar seu preço... E eis que, logo após o cartão ter corrido na maquininha, era hora de voltarmos para as já lotadas ruas e seguir rumo às nossas casas. Mas e se encaramos um suco de laranja para refrescar? Mãezona nem queria aceitar, na eterna postergação do "tenho jantar em casa, não quero me demorar" e outros quetais de quem ainda tem sempre tanto para resolver na administração do seu castelo, mas a possibilidade de pôr o assunto em dia e a promessa de que a levaria a um bom ponto a fez mudar de ideia.

Estávamos na nossa antiga vizinhança, mais precisamente no Mercadinho Carone, do Maranhão Novo, bairro onde me criei e do qual guardo fartas e gratas lembranças. Assim, pensei na hora em completar o 'happy hour' fora de hora convidando minha amada mãezinha ao Fênix Lanches, famoso 'trailler' que servia os melhores 'cheeseburguers', caldos de ovos e sucos da minha adolescência de namoros e de outras doces memórias.

Mas, ao sentarmos, a triste constatação: bem em frente, o grande e moderno Shopping da Ilha parecia um ímã a atrair o povo e a deixar o outrora lotado em qualquer horário Fênix às (ainda) amarelas cadeiras e mesas vazias. Mas o que realmente me deixou taciturno foi ver um grande e moderno televisor a exibir mais uma tragédia arrastada por vários minutos, horas até (a depender do número de desgraças do dia), no odioso Brasil Urgente, com Marcelo Rezende. Decerto que comer fora de casa com televisor ligado já é algo que me deprime (cadê o som ambiente da minha juventude?), mas ter aquele lixo jornalístico do mundo-cão como companhia de uma saudável conversa de começo de noite acompanhado de um lanche (sim, eu não resisti e também pedi os famosos quitutes de minhas memórias) não tinha nada de 'happy'...

-Ô, companheiro: não tem nada pior pra gente ver, não? Empolguei-me, por alguns instantes, como o velho conhecido do povo da área que era, até perceber que hoje, no máximo, eu era mesmo um velho desconhecido de (pouco) mais de 36 anos para um desestimulado "garçom" recém-saído da puberdade, que demonstrou total desapreço em sair do seu lugar de encostado para mudar do seu canal de atrocidades favorito. Também pude notar pensamentos de repúdio nos olhares mortos e fugidios dos outros ajudantes do local que, aproveitando-se do escasso movimento, deleitavam-se feito zumbis em frente à moderna máquina LED de fazer doidos com a desgraça alheia - agora interrompida por este desconhecido fanfarrão que chegava "dando ordens"!

O rapazola, que já havia dito que "a Globo não prestava" (disso eu nunca duvidei, mas depois percebi que ele se referia à imagem captada pela antena local), somente zapeou pela tosca variedade dos poucos canais que a maravilhosa TV aberta brasileira proporciona - programa policial local, novela infantil, programa policial da Record, corrente da prosperidade evangélica num canal alugado, programa de tragédias, programa de fofocas televisivas... - para, como que comemorando com um "eu não te disse que não tinha nada melhor?", voltar ao seu dileto programa infeliz, sem me dar a opção nem mesmo de optar ver "Carrossel", no SBT... A "atração da noite"? Pelo letreiro fixo no rodapé, como uma manchete autoexplicativa comum nesses "shows de horrores", com uma tela dividida entre as mais do que repetidas fotos do que parecia uma família feliz e um adolescente aos prantos tentando responder ao vampiro Rezende, "deduzi" que uma família quase inteira havia morrido - ao que "tudo indicava", e já vaticinava o apresentador e grande juiz da opinião pública, todos vítimas de envenenamento por um namorado da mãe (o que já foi desmentido recentemente...) - e aquele programa mais do que sensacionalista explorava a dor alheia até as últimas gotas...

Não houve jeito e tivemos que engolir a seco o lanche que havia decaído em qualidade juntamente àquela lanchonete em meio ao massacre de "informações" dadas sobre a tragédia familiar: um helicóptero voava e mostrava a esmo uma grande zona de apartamentos onde parecia morar a família encerrada precocemente; fotos e mais fotos de pais e crianças felizes em poses domésticas eram apresentadas sobre os familiares mortos; tela dividida novamente, agora entre o apresentador e o menino que não continha as lágrimas, mas era obrigado a responder às perguntas mais cretinas e repetitivas do insano comentarista do terror... Não houve jeito tampouco e eu tive que apelar para o velho chavão otimista "quem faz um lugar somos nós mesmos" para uma pobre mãe, a quem só restava concordar que, apesar do suco fraco e do pouco caldo esganado de tempero seco que experimentou do meu prato, realmente a "companhia compensava" e etc. e etc.

Mas porque estou eu a narrar estes fatos quase depois de uma semana de acontecidos? É que ontem, ao acompanhar alguns divertidos trechos do semanal CQC - Custe o que custar, na Bandeirantes, onde um especial comemorava os 63 anos da televisão brasileira com especiais mostras do melhor e do pior da TV tupiniquim, é que me toquei que, naquela quarta, dia 18 de setembro, era celebrado o "dia da televisão brasileira", em homenagem à inauguração pioneira da TV Tupi, de Assis Chateaubriand. Então um viva à morta televisão nacional, esquartejada e degustada no horário nobre, efusiva ao enterrar especialmente as classes economicamente menos afortunadas numa acéfala, porém fiel audiência cativa às desgraças superfaturadas dos Datenas e Rezendes, que mostram a "realidade" não sem antes julgar tudo e todos com seus comentários inoportunos e bestiais, seguidos dos ditos "noticiários imparciais" unilaterais e das globais novelas desmioladas, que terminam de encerrar as mortalhas nos espectadores daquela lanchonete morta e de alguns outros milhares de lugares sem a vida que a TV deveria, por obrigação de concessão pública, fornecer... Um viva à televisão brasileira que se esqueceu de se celebrar - nossos comerciais, por favor!

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4 comentários:

Dilena Rosa disse...

Realmente foi um horror! Eu em casa não perco meu tempo vendo televisão,muito menos essas notícias trágicas.Só as vejo a primeira vez no momento do jornal. Gosto de programas que me alegram, que me ajudam a sair um pouco do estresse... O meu filho teve a melhor das intenções. Só que saímos de lá o mais rápido possível.

O Árabe on 30 de setembro de 2013 às 14:44 disse...

Em que pesem os nossos parabéns à TV, amigo, eu de minha parte só assisto na telinha duas coisas: filmes e futebol. O resto, dispenso; especialmente os Datenas e similares da vida! Meu abraço, boa semana.

Elizabeth F. de Oliveira on 21 de outubro de 2013 às 14:03 disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Elizabeth F. de Oliveira on 21 de outubro de 2013 às 14:15 disse...

Caro Dilberto, que bela crônica-crítica!
A TV brasileira nos nutre de tragédias pessoas e coletivas, como prato principal a ser servido em nome da audiência.
Dessa TV já desisti faz tempo, de tragédias, já bastam as pessoais, a vida já é me demasiada forte para que eu me inteire do excesso de drama e sangue que a telinha insiste em nos oferecer.
Seu texto inspirado nessa manchete sanguinária, traz-nos uma leveza crítica maravilhosa, além das pitadas de bom humor, claro.
Escrever é isso, e maestria não lhe falta.
Ainda bem que Batman não é vampiro, senão ficaria ele sedento fascinado pelos programas de nossa telinha.
Falando nisso, coincidentemente, li semana passada O Vampiro da Praia Grande, de Luís Augusto Cassas.

Abraços, meu caro, ler-te é um prazer imenso.
Agora preciso ler a postagem seguinte, andava sem tempo.

 

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