
Era março de 1984 e eu dava os meus primeiros passos de 7 anos de idade na nova escola em busca de novas interações sociais: "Tu viste o filme de ontem?", "Vocês viram o Super-homem?" "Viram aquela cena em que ele gira o mundo ao contrário?"... Desta vez o assunto era muito melhor que o da semana anterior, onde prevaleceu apenas "qual o teu nome?" ou "qual o teu signo?": agora, os primeiros contatos com um super-herói cinematográfico, ainda que pela televisão, eram mais do que suficientes para o meu definitivo entranhamento social no colégio do novo bairro para onde então acabara de mudar-me, tantos eram os detalhes a compartilhar com meus novos amiguinhos...
Mais ou menos um ano depois foi a vez de a continuação passar na TV. E mais uma vez assunto não iria faltar, mais uma vez no desafio de numa nova escola (agora a definitiva, até o fim do 2º grau): os duelos no ar com os três vilões de Krypton, os efeitos especiais... "E o Super-homem se casou?"... "É, acho que sim"... "Mas, no final, parece que se separaram e ele salvou o mundo mais uma vez"...
Super-Homem, o mais completo dos super-heróis, criado em 1938 por Jerry Siggel e Joe Shuster (à época dois jovens estudantes, ambos terminaram seus dias em velhices pobres, lutando contra a DC por reconhecimento), naqueles idos dos anos 1980, já passara por duas felizes adaptações para o Cinema (uma em 78, outra em 80), ambas com exorbitantes êxitos de bilheteria, mas nada disso era de meu conhecimento: o que importava mesmo era que a Globo, pela primeira vez - e em sua então única sessão de inéditos, Supercine - exibia cada uma das fantásticas aventuras daquele personagem maravilhoso que marcaria a minha vida.
Tampouco importava se Marlon Brando - "quem era Marlon Brando?" - ganhara mais de três milhões de dólares por apenas alguns minutos de participação no primeiro longa ou se, nos créditos iniciais, o nome de Gene Hackman surgia primeiro que o de Christopher Reeve - e quem era Christopher Reeve afinal, já que, estreando com 24 anos com aquele filme, nem mesmo os nossos pais conheciam aquele jovem e carismático ator, com a cara do personagem nos Quadrinhos?
Ele era aquele que voava e era indestrutível. Que, quando surgia, vinha com uma música maravilhosa de se assobiar. Ele era aquele vindo de Krypton para nos salvar e de Hollywood para nos tirar da mesmice sem fantasia em que vivíamos, então órfãos de heróis bem antes do anabolizado e marqueteiro He-Man e seus similares. Ele era o Super-Homem: tanto que, apesar de saber que ele só existia dentro do filme (na época os únicos quadrinhos que eu lia eram os da Disney), se um dia ele viesse nos salvar, na realidade, do jugo de um coronel déspota então Presidente e nos restituir a glória, como Gil cantou certa vez, quem apareceria na imaginação de todos seria aquele homem bonito que sorria para a câmera - porque, de fato, ele era o Super-Homem...
Aos poucos eu fui crescendo. Vieram os outros dois filmes, Superman III e Superman IV - Em busca da paz, ambos ruins e sem magia; outros heróis também invadiram as telas, incluindo Batman, em 1989, que acabou se tornando o meu favorito porque só a partir de então passei a colecionar gibis de super-heróis. Vieram os novos heróis criados por mim em meus quadrinhos caseiros na passagem da infância para a adolescência, época em que eu gravava cada reprise desses filmes na Globo. Então vieram os primeiros namoros e as primeiras responsabilidades, junto com novas atuações de Reeve em tantos outros filmes, na busca desenfreada para fugir do seu eterno estigma... Não adiantava: ele era o Super-Homem, apesar de competente e versátil também em outros papéis.
Foi então que mataram, pela primeira vez, o Super-Homem: a fim de aumentar as vendas do personagem que andava um pouco esquecido nos quadrinhos, os mercenários desenhistas e redatores da editora DC Comics criaram um vilão meia-boca para destruir o herói numa estória que vendeu milhões - e repetiram a presepada milionária para "ressuscitar" o azulão, "modernizando" assim o herói nas revistinhas... A frustração continuou na TV, onde terminaram de "enterrar" o Super-Homem: um ator medíocre e "com cara de mexicano", como dizia um preconceituoso amigo que adorava o Reeve, então passou a vestir o uniforme de maior prestígio dos quadrinhos numa ridícula série televisiva...
E, em 1995, o Super-Homem se feriu mortalmente: foi quando Christopher Reeve, grande desportista e adepto do hipismo, mesmo com os seus eternos poderes sobre-humanos e equipamentos de segurança, ficou tetraplégico após cair do seu cavalo... Foi então que passou a encarar uma luta diferente: longe dos mísseis atômicos e supercriminosos, agora seus esforços eram em prol das pesquisas com células-tronco, que, assim como numa estória de ficção, poderiam ajudá-lo a movimentar-se novamente... Porque era um homem super! E, mesmo sem movimentar mais nada abaixo da cabeça, seguiu em ação - chegando a atuar novamente e mesmo a dirigir, de sua cadeira de rodas, uma refilmagem para a TV do clássico Janela Indiscreta... Tudo isso até sua morte, neste último domingo, de insuficiência cardíaca.
Fellini, Jobim, Kubrick, Sinatra, Nelson, Mastroianni, Brando, Quintana... Todos eu vi morrer, à distância, deixando em mim diferentes matizes de tristeza pela sensação de perda como que de alguém próximo, tamanha a intimidade e a cumplicidade com seus filmes, músicas e livros... Mas o contato que aprendi a ter com cada um deles foi já pela adolescência. Com o Homem de Aço foi diferente: mesmo Reeve jamais tendo sido um gênio da interpretação no Cinema, ele simplesmente foi o maior super-herói de todos os tempos no meu tempo de criança, marcado pela magia em fuga da sua eternizada figura de 'collant' colorido, que permanecerá em pleno movimento nalguma cena da minha infância, quando acompanhava com entusiasmo, em frente ao televisor, as aventuras do herói que nunca morre...
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