terça-feira, 31 de dezembro de 2019

Meu Primeiro Romance
(Segundo Mês)

Você ainda vai me amar amanhã...?
(capítulos anteriores)
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CAPÍTULO III
Preciso, urgentemente, parar de beber...

Eu, deprimido desde o nosso último aniversário de namoro, quando ela, invertendo cada discussão nossa e se deprimindo, por sua vez, ainda mais a cada "vitória" sobre mim imposta na briga - ela que não prestava; que nunca havia me dado nada além de decepção; nunca se sentira realmente admirada por mim... -, acabara por passar uma semana fora de casa, sem falar comigo. Eu, ali pela quinta garrafa de Malbec argentino, o telefone fixo toca: de um pulo, atendo quase caindo da minha espreguiçadeira. Era ela:

- Oi...
- Oi, como você está? Há quanto tempo... Sabe, eu queria te dizer... - eu tropeçava pelas palavras.
- Não vou poder demorar...
- O que houve? Onde você está?
- Sério que você não se lembra o que aconteceu...?

Subitamente minha espinha se esfria: ela... morreu, não?! E ela, como se lesse minha mente em meio ao som de Samba em Prelúdio e cheiro de flores que vinham da sua ligação, emendou:

- Só vim me despedir... E dizer que sinto muito a tua falta...
- Não, 'peraí: e como é que você 'tá me ligando? Tem linha no "Além"? E como é que você...

Nisso, a estranha ligação cai, e, em meio ao barulhinho irritante de linha ocupada/perdida e ao meu desespero, eu me dou conta de três coisas: eu não lhe disse o quanto a amava e precisava dela; aquele terrível pesadelo instantâneo deve ter sido decorrente do último vinho tomado (os chilenos populares sempre me caíam mal); e eu precisava, urgentemente, parar de beber para começar algo! E eu acabo me dando conta do tanto de tempo em que me mantenho morto sem ela... Vivendo do que jamais escrevi... Sigo sem saber onde estou...
CAPÍTULO IV
"De repente, não mais que de repente"...

O ano era 1991 e, de repente, eu me encontrava outra vez naquele ano, idade de 14 para 15 anos - metade alquebrada assim mesmo, que era dezembro, e faço aniversário em maio... E lá estava eu, voltando da locadora de vídeo, no exato instante em que, olhando pra cima, a esmo, ainda atravessando a rua - e me arriscando, por mais que fosse noite de sábado de bairro então distante de tudo, trânsito calmo... E lá estava ela, a Lua: cheia, com um estranho e grande aro luminoso em sua volta, algo lembrando o centro de um campo de Futebol etéreo no céu - na época, eu acompanhava e torcia pelo Vasco da Gama à distância, pela televisão. E de repente, "não mais que de repente" (se é para ser repetitivo na narrativa, que eu seja à Vinícius), em meio à Lua, no centro do aro, do céu e da noite, e eu, no meio da rua, simplesmente pensei em... Morcegos! Não era para pensar em morcegos... Porém, por alguma razão, pensei nesses animais que mais instigam terror ou melancolia, a destoar do romantismo da cena posta por sobre mim.

Era eu, ali, com a minha consciência daquele momento, coisa que na época não possuía: jamais suporia que, instantes depois daquela visão de meio de rua de bairro onde cresci, meu primeiro poema se daria por causa daquela estranha associação entre uma terna imagem da natureza e uma figura animal nada apreciada pela maioria que não fosse adepto do então crescente movimento gótico (espécie de releitura perturbada e modista do byronismo)! Mas, nessa visão de reencontro, só o eu de agora tinha ideia de mim: meu eu, daqueles 14 pra 15, seguia sendo quem era - ainda ligou para o melhor amigo da época (hoje não nos falamos mais: eu, Gramsci; ele... Olavo!) para falar do grande filme que havia acabado de devolver à locadora, assistiu a alguma coisa na TV e, por fim, embriagando-se com refrigerante e algumas canções pedidas na rádio, de madrugada, e gravadas nalguma fita Basf - nesse dia foi You are always on my mind, com Elvis -, aquele eu, tão sem saber de nada que adviria daquela soturna escolha de imagens e associações poéticas sem livre arbítrio, escreveria o meu primeiro poema, aprenderia a desenvolver meus contos e crônicas e muitos mais poemas igualmente interessantes e com significado, até o autodesacreditado blog de 2004 e, por fim, meu primeiro livro - infelizmente científico: o literário só viria uma década depois...

Gostei de me ter revisto - eu acreditava em tantas coisas... Mas era eu, sabe? E não essa versão de mim mal acabada e sem algo para esta folha que me aguarda em branco por baixo de minha caneta, enfiada nessa remington elétrica que foi do serviço do meu pai, nesse Mac em meu colo, com o tanto desse vinho, desse uísque, dessa vodka a me tragar... Hoje sou esses tantos e, no entanto, sigo nenhum, desde que ela me deixou... Na verdade, desde aquela lua com morcego, que acabaria por me escravizar a tantas vidas e, ao mesmo tempo, definir-me em todas elas... Mas, honestamente, não sei ao certo em qual papel eu a perdi - e, assim, fico-a vendo até mesmo naquele dia da visão celestial quando ela sequer existia em qualquer dos meus mundos: em minha memória de agora, parece mesmo que vejo seu terno rosto em marca d'agua naquela lua de minha adolescência!

Preciso fazer valer a empolgação do meu editor para que o lançamento deste meu primeiro romance o satisfaça tanto quanto os poemas, contos e crônicas antes bem sucedidos no mundo virtual e, de quebra, tenha a pompa e a circunstância de um grande evento. Não por meu ego, mas para chamar sua atenção - vai que ela finalmente perceba, entenda, vai que ela me queira rever... Vai que ela apareça - tenho que estar preparado para lhe dar a melhor dedicatória da noite, quando ela estiver ali, em frente a mim, comigo em volta de seus braços na forma de livro, agarrada, ainda que no final da noite... E me peça pra lhe escrever algo (mesmo que seja somente no canto inferior da primeira página)... Mas e se ela estiver acompanhada de outro amor nessa fila?!
CAPÍTULO V
"Tudo o que eu quero do Natal é você"...

Agora toca All I want for Christmas is youcomposta e lançada pela "natalina erotizada" Mariah Carey em 1994, mas com especial cara de remake modernizado daquelas maravilhosas canções sessentistas de grupos vocais femininos, como The Ronettes, The Shireless... Já falei do quanto gosto daquelas meninas talentosas? Nem me lembro, às vezes me pego como aquele protagonista perdido de Leite Derramado, do Chico... Enfim, não gosto dos exagerados maneirismos vocais da geração da Mariah, a estereotipar o que tão bem fazia o pessoal oriundo do legítimo soul da época da Aretha, lá atrás... Mas amo essa canção, pela melodia simples, de significado direto, sobre o quanto a figura do seu grande amor seria o seu melhor presente na "noite feliz" - e, inevitavelmente, eu me lembro dela... 

Definitivamente, porém, não era essa a canção que tocava naquele Natal - afinal, para minha mãe, após o pendurar de um Papai Noel na porta (na verdade, só a cabeça de um boneco com sensor de movimento embutido que gritava "Ho-ho-ho" e tocava um trechinho breve de algumas canções natalinas a cada vez que passava alguém por perto) e o cheiro forte de pinho da faxina de fim de ano se misturar com os aromas do peru no forno, o Natal só terminava de se personificar a partir da colocação daquele tradicional disco na vitrola imersa num grande e comprido móvel de madeira da sala: o LP nem tinha propriamente um nome, só e tão somente "Feliz Natal" em várias línguas - a gente chamava de "disco da harpa" ou "Buon Natale", porque era esse o idioma em maior destaque na capa (embora tivesse um sugestivo, mas quase imperceptível "Mamãe, feliz Natal", bem pequenininho, no cantinho superior esquerdo)... E sempre era aquele susto gostoso quando irrompia um bem alto Jingle Bells, seguido de inúmeros outros clássicos temáticos nacionais e internacionais no dedilhar do músico Silvio Solis.

Havia aquela imponência, era Natal... A família, pequena, toda se cumprimentava com afeição e formalidade à meia-noite. Era Natal. E mamãe fazia questão de sublinhar aquilo por meio de tantas ações ao longo do dia que ai daquele que desafiasse aquela sagrada realidade carregada de simbolismos, por exemplo, ficando de calundu ou sem respeitar os votos na virada - "Sim, Jesus nasceu exatamente à meia-noite, entre os dias 24 e 25!", ela costumava dizer, impassível, quando eu lhe questionava se era 24 ou 25 (quando cresci, acabei lhe explicando que, à "zero hora", o primeiro segundo já é do dia seguinte, não existindo isso de "madrugada de um dia pr'o outro") e como se poderia ser tão preciso quanto àquele horário se, no tempo do Nazareno, não existiam relógios e, naquele sufoco da estrebaria, dificilmente alguém registraria a hora exata! 

E a ceia - peru desfiado (geralmente ressecado; mania de a tudo assar demais); farofa de miúdos (do peru; gostosa - até eu saber o que era "moela"); arroz de cenoura e passas (nunca tive problema...); e salada de maionese (com pouca maionese, que "fazia mal") - era pontualmente servida à meia-noite, instantes depois dos cumprimentos e trocas de presentes! Nas poucas vezes em que passamos nas casas de parentes, como era por ela criticado o quanto "os outros" não respeitavam a "hora certa" da ceia! Com o tempo, já não se via meu irmão nessas ceias - que sempre adotou as famílias das namoradas e esposas e sempre as preferiu a nós... Meu pai, muitas vezes adentrado em seu mundinho de radinho no ouvido e algumas cervejas, já dormia cheio de qualquer cobrança de minha mãe porque "era Natal"... Sobrávamos, inevitavelmente, ela e eu: ela a me abraçar fortemente, no mais das vezes com uma lágrima que escapava, "mas 'tá tudo bem"; eu, aprendendo cedo sobre o microcosmo doído dos casais que não se entendiam nem numa noite que era pra ser especial... 

Por fim, ainda a vejo uma última vez, pendurando o velho Papai Noel noutra porta (infelizmente, sem mais poder tocar...) e a lutar para determinar o "seu Natal"... Só que, agora, tudo tão fraco: sem música alguma no microsystem cheio de luzes vermelhas no centro do rack; veias, rugas e muitos sinais marcam a antes viçosa pele e, embora ainda forte, quase nada lembra a poderosa voz de outrora a nos ditar as regras de seus outrora dias sagrados... No que meu pai seguia isolado nalgum recôndito do novo apartamento; meu irmão, brigado consigo, com o mundo e com sua terceira mulher e sem falar com minha esposa, tampouco com meus filhos - os quais dizia, quando bêbado, amar como sobrinhos... -, permanecia na varanda a ouvir músicas no seu celular, alto o suficiente para subjugar em seus ouvidos os sons que faziam os gêmeos na sua natural algazarra de suas existências de 5 aninhos; enquanto minha primogênita, de 9, conversava "de igual pra igual" com sua prima adolescente... 

No que todos se apagam e me volta esse espaço branco em que me encontro, sem começo nem fim de minha consciência, como se eu fosse um personagem a ser escrito: nunca fui casado; jamais tive filhos... Fecho meus olhos e, ainda ecoando a harpa natalina da minha mãe na cabeça, eu me ponho a chorar com as mãos no rosto, sofridamente, sem saber de mim! E sinto uma mão tocar meu ombro, a me perguntar o que houve - era ela! E, em volta, dezenas de velas aromatizadas e pétalas de rosas espalhadas pela sala me redefinem o Natal, sempre fascinada pelos mais calorosos símbolos de cada época, o meu grande amor: - Você não gostou da decoração?... Digo qualquer coisa, já que nem mais sei explicar muita coisa em torno desses entornos que têm me acometido ultimamente, "emoção" e "sensibilidade" viram minhas desculpas e me passo para a sua deliciosa ceia, seus beijos e abraços mais quentes, os inúmeros presentes que tira de baixo da árvore para mim (sempre exagerada: incapaz de comprar uma só coisa - sempre um "pacote" cheio de significados e temas!) e nossas canções e danças madrugada adentro...

- Provas e artigos só no ano que vem, amor da minha vida..., ela provocava, empunhando e tentando abrir, sem sucesso, aquela enorme garrafa de espumante; ela, baixinha linda, com as pernas grossas expostas em seu vermelho vestido curto... Volta a tocar Mariah Carey, agora no 3 em 1 Gradiente, a me lembrar que tudo de que eu precisava naquele Natal e em toda a minha vida era ela - e eu sorrio, como que a emular a felicidade plena de outra pessoa, sabedora de um delicioso segredo inalcançável e só realizável dentro de algum sonho... Feliz 1995!
 

+ voam pra cá

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