terça-feira, 7 de abril de 2015

Sem Billie não se vive...



Quando ouvi o Jazz de Billie Holliday pela primeira vez, na adolescência em que também descobri a Bosa Nova de João Gilberto, fiquei perplexo, num choque bastante similar ao de não saber o que dizer diante do que ouvia, tal como se deu com aquele baiano genial: era aquela presença doce e sofrida ao mesmo tempo, com voz incrivelmente casada com os instrumentos em volta, porém "estranha"; que até parecia "desafinada" a princípio, mas que era instantaneamente constatável como perfeita; que aparentava relativa "fragilidade", mas que facilmente se revelava como das maiores e pulsantes que você já teria ouvido na vida... E, tal como se deu com a paixão instantânea com o Pai da Bossa e sua batida perfeita, naquele mágico violão fazendo amor com sua voz ritmada e respiradamente maravilhosa, eu queria mais e mais da Mãe do Jazz e sua belíssima feminilidade de voz desnuda, como se estivesse exposta num divã a implorar por compreensão!

Sim, ela era frágil, tanto que jamais se reconstruiria de suas origens difíceis, tendo, talvez por isso, o álcool e a heroína como as mais fortes amizades... Sim, ela possuía mesmo aquela estranha forma de se fazer etérea, como se não estivesse ali onde estava cantando... E, sim, aquela sua voz professoral com cada palavra bem dita e entoada (que a mim e a Frank ensinou como se canta aquele ritmo negro) queria ser amada sem a dor de muitos de seus duros amores de ambos os lados, sem o açoite contra a sua pele de papéis secundários, na vida ou no Cinema, e por isso brincava por tantos tons até se afinar e se sentir bem no encaixe perfeito com cada melodia... Mas isso era ela por trás da voz, porque ela, a voz, era-lhe independente, só tomando de empréstimo essas pequenas idiossincrasias ao bel prazer de cada canção a interpretar - e por isso ela acabaria por lembrar outro grande gênio da voz, Orlando Silva, especialmente em relação aos percalços do final da trajetória: se os críticos lhe aferroavam a perda da maior parte do seu potencial no fim de uma carreira de vícios e excessos, era visivelmente audível que, na verdade, ele só se reinventava em outros tons possíveis, o que em nada lhe diminuíam o talento... Assim também era Billie, um talento novo até o último dia de seus bem vividos 44 anos de existência mágica!

Ah, mas ela se destruiu, acabou com sua vida e com seu talento divinos... Não creio: falou-se igual por entre os tabloides e às bocas miúdas de quem não conhece Música quando a clássica-moderna Amy Winehouse (a quem o grande Tony lindamente bem tachou de uma "legítima cantora de jazz) se foi aos 27! Parece que as verdadeiras Divas não se podem demorar neste medíocre espaço físico, mas só e tão somente desfilar suas liberdades de ser e de atuar por uma breve passagem - o que, no caso da Lady Day, foi devidamente bem usufruído até o último cântico de voz envelhecida, sofrida, amada, tal como uma cantora de jazz deve ser - o que ela, simplesmente, era! Ela era o Jazz! E hoje jaz ao longe, diáfana, cem anos depois: fale baixo, meu homem, que eu mesmo comigo, sob a lua azul, só sei de um jeito fácil de viver pelo caminho inteiro, e é com aquela estranha fruta maravilhosa que exalava de sua linda boca, sempre a me amar e a me deixar a cada vez que a ouço, seja cantando a negritude, a dor, a morte ou o amor, tão longe e tão perto, nalguma melancólica gravação perdida (ou tristemente remasterizada)...

 

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