segunda-feira, 29 de março de 2010

"O futebol não aprimora os caracteres do homem,
mas sim os revela!"

Recentemente conversando com um amigo sobre Lazaroni (para quem o técnico comumente ligado ao fracasso da Copa de 90 é o "George Lazemby do Futebol brasileiro" - numa alusão ao mais obscuro dos atores a personificar o famoso espião 007), este teria sido o pior técnico de nossa História... E ele não está sozinho! Injustiça: bicampeão pelo Vasco em 87 e 88 e campeão da Copa América em 89, foi ofuscado por aquele péssimo Brasil x Argentina (aquele da "água benta" do Maradona e do gol-relâmpago de Caniggia) e pelo sumiço pós-Copa... Mais injusta ainda foi a lista dos 10 maiores jogadores da história das Copas do Mundo que o jornal inglês The Times publicou na semana passada (confira aqui): Maradona em primeiro lugar, à frente dos Deuses Pelé (para quem "até a bola do jogo pedia autógrafo"!) e Garrincha?! Absurdo!

Mas por que me transformei, de uma hora para outra, num boleiro revoltado?! Talvez por sofrer uma melancolia doída desde a manhã desta segunda, pela morte de um dos maiores mestres do jornalismo/crônica esportiva: Armando Nogueira vinha nos deixando já há algum tempo, na luta silenciosa contra um câncer no cérebro, mas hoje de manhã resolveu despedir-se em definitivo do mundo das letras e da bola, sem conseguir driblar o destino... Afinal, este acreano com alma de carioca, como mesmo confessou certa feita, adorava falar de Futebol, mas nunca foi bom no esporte bretão!

Dono de frases memoráveis e cheias de alma ("Para Garrincha, a superfície de um lenço era um latifundio"; "Se Pelé não tivesse nascido homem, teria nascido bola" etc.) e de uma ginga inconfundível nos seus ótimos textos, sem dúvida Armando foi um dos maiores técnicos da minha memória boleira...

México 70

E as palavras, eu que vivo delas, onde estão? Onde estão as palavras para contar a vocês e a mim mesmo que Tostão está morrendo asfixiado nos braços da multidão em transe? Parece um linchamento: Tostão deitado na grama, cem mãos a saqueá-lo. Levam-lhe a camisa levam-lhe os calções. Sei que é total a alucinação nos quatro cantos do estádio, mas só tenho olhos para a cena insólita: há muito que arrancaram as chuteiras de Tostão. Só falta, agora, alguém tomar-lhe a sunga azul, derradeira peça sobre o corpo de um semi-deus.

Mas, felizmente, a cautela e o sangue-frio vencem sempre: venceram, com o Brasil, o Mundial de 70, e venceram, também, na hora em que o desvario pretendia deixar Tostão completamente nu aos olhos de cem mil espectadores e de setecentos milhões de telespectadores do mundo inteiro.

E lá se vai Tostão, correndo pelo campo afora, coberto de glórias, coberto de lágrimas, atropelado por uma pequena multidão. Essa gente, que está ali por amor, vai acabar sufocando Tostão. Se a polícia não entra em campo para protegê-lo, coitado dele. Coitado, também, de Pelé, pendurado em mil pescoços e com um sombrero imenso, nu da cintura para cima, carregado por todos os lados ao sabor da paixão coletiva.

O campo do Azteca, nesse momento, é um manicômio: mexicanos e brasileiros, com bandeiras enormes, engalfinham-se num estranho esbanjamento de alegria.

Agora, quase não posso ver o campo lá embaixo: chove papel colorido em todo o estádio. Esse estádio que foi feito para uma festa de final: sua arquitetura põe o povo dentro do campo, criando um clima de intimidade que o futebol, aqui, no Azteca, toma emprestado à corrida de touros.

Cantemos, amigos, a fiesta brava, cantemos agora, mesmo em lágrimas, os derradeiros instantes do mais bonito Mundial que meus olhos jamais sonharam ver. Pela correção dos atletas, que jogaram trinta e duas partidas, sem uma só expulsão. Pelo respeito com que cerca de trezentos profissionais de futebol se enfrentaram, músculo a músculo, coração a coração, trocando camisas, trocando consolo, trocando destinos que hão de se encontrar, novamente, em Munique 74.

Choremos a alegria de uma campanha admirável em que o Brasil fez futebol de fantasia, fazendo amigos. Fazendo irmãos em todos os continentes.

Orgulha-me ver que o futebol, nossa vida, é o mais vibrante universo de paz que o homem é capaz de iluminar com uma bola, seu brinquedo fascinante. Trinta e duas batalhas, nenhuma baixa. Dezesseis países em luta ardente, durante vinte e um dias — ninguém morreu. Não há bandeiras de luto no mastro dos heróis do futebol.

Por isso, recebam, amanhã, os heróis do Mundial de 70 com a ternura que acolhe em casa os meninos que voltam do pátio, onde brincavam. Perdoem-me o arrebatamento que me faz sonegar-lhes a análise fria do jogo. Mas final é assim mesmo: as táticas cedem vez aos rasgos do coração. Tenho uma vida profissional cheia de finais e, em nenhuma delas, falou-se de estratégias. Final é sublimação, final é pirâmide humana atrás do gol a delirar com a cabeçada de Pelé, com o chute de Gérson e com o gesto bravo de Jairzinho, levando nas pernas a bola do terceiro gol. Final é antes do jogo, depois do jogo — nunca durante o jogo.

Que humanidade, senão a do esporte, seria capaz de construir, sobre a abstração de um gol, a cerimônia a que assisto, neste instante, querendo chorar, querendo gritar? Os campeões mundiais em volta olímpica, a beijar a tacinha, filha adotiva de todos nós, brasileiros? Ternamente, o capitão Carlos Alberto cola o corpinho dela no seu rosto fatigado: conquistou-a para sempre, conquistou-a por ti, adorável peladeiro do Aterro do Flamengo. A tacinha, agora, é tua, amiguinho, que mataste tantas aulas de junho para baixar, em espírito, no Jalisco de Guadalajara.

Sorve nela, amiguinho, a glória de Pelé, que tem a fragrância da nossa infância.

A taça de ouro é eternamente tua, amiguinho.

Até que os deuses do futebol inventem outra.

(Armando Nogueira, "O melhor da crônica brasileira", José Olympio – RJ, 1997)
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22 comentários:

Anônimo disse...

Dil, vc é um doce =). Obrigada pela leitura lá no Maria Clara.

Beijo.

Ricardo Campos disse...

Oi Dil,

Armando Nogueira é o Chico Buarque da crônica esportiva. O segundo, foi um dos maiores letrista e compositor da música brasileira e o primeiro, o maior cronista do esporte brasileiro. Lembro bem de Armando Nogueira na TV Bandeirantes, nos programas da Copa de Mundo de 94, nas mesas redondas daquele canal. Misturava poesia aos comentários. Ficava fascinado com aquilo. Algo novo e raro. E outro dia Dil, na sua casa, vi um livro do mestre. Sabe, fiquei triste ao saber de sua partida. Sou como ele, um perna-de-pau do futebol mas que admira o futebol e tudo que envolve esta paixão. Já estou com saudades do mestre. Vá em paz!

Ricardo Rayol on 30 de março de 2010 às 10:03 disse...

Tiro meu chapéu, se eu o usasse. Não nascemos indignados, mas são tantos os absurdos que vemos que não tem como não xingar. E perdemos um mestre na arte do escrever, mesmo que seja sobre futebol, esporte que não tenho o menor domínio ahahahaha

Игорь on 30 de março de 2010 às 13:41 disse...

Bela homenagem !

abraços

Jens on 30 de março de 2010 às 17:34 disse...

Oi Dilberto.
Não há como fugir do lugar comum: Armando Nogueira foi um poeta do rude esporte bretão; um mago que utilizou seu talento com as palavras para louvar os deuses do futebol. Agora, deve estar assistindo de camarote uma pelada com Garrincha e Didi, entre outros craques. Que a eternidade lhe seja leve.

Um abraço.

Celamar Maione on 30 de março de 2010 às 22:51 disse...

Armando Nogueira era ( é) um excelente cronista , amante das palavras e do futebol.
Lazaroni me lembra Vasco. Sou vascaína...
Maradona jogou muito.
É isso !

Beijos

Francisco Sobreira on 31 de março de 2010 às 09:59 disse...

Dilberto,
Armando Nogueira foi um dos nossos maiores cronistas, independentemente de o tema de suas crônicas ser o futebol. Por sinal, que Clarice Lispector (Clarice Lispector!) o lia e escreveu uma vez que gostaria de ler um texto de Armando que não fosse sobre futebol. Um abraço.

José Viana Filho on 31 de março de 2010 às 11:41 disse...

vc esqueceu de dizer o quanto ele babou os ditadores brasileiros.

Acho eu, para fugir do comentário comum e repetitivo, q ele exagerava em algumas crônicas, muita metáfora e poesia para a bola!!! MAs algumas crônicas dele pro Pele são inesquecíveis!! E pro Mane de pernas tortas são engraçadas e melancólicas.

O ricardo deve ta emocionado , mas compara a Chico Buarque 'e um pouco demais, ate pela postura política...

QUanto a Lazaroni, acho-o um debil mental, ele tinha o time na mão , apos ganhar a memorável copa américa e depois escalou Careca e Muller, bem feito!!

O the times ta de sacanagem, de verdade. Pele 'e absoluto, rei , o maior!! So errou ao jogar no Santos rsrsrsr


abs

Érica on 31 de março de 2010 às 17:29 disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Érica on 31 de março de 2010 às 17:32 disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Poeta Mauro Rocha on 31 de março de 2010 às 17:43 disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Poeta Mauro Rocha on 31 de março de 2010 às 17:46 disse...

O futebol é realmente uma paixão e nós somos realmente os melhores, prova disso é que sempre tem alguém comparando ou dizendo que A ou B é melhor que Péle ou Garrincha, a inveja mata. E o Armando Nogueira é o poeta oficial do esporte.

Um abraço!!

Soninha on 1 de abril de 2010 às 08:27 disse...

Olá, Dilberto!

Bela crônica! As duas...
Sabe? É comum ficar evidente um único defeitinho e ofuscar as mais belas virtudes.
As pessoas não tem olhos de ver coisas boas...Gostam de evidenciar o erro e o fracasso.
Mas, a história da humanidade deixa registrado as glórias de seus personagens, de todos os segmentos sociais, para que a população possa lembrar de tais feitos, já que temos memória curta, não é mesmo?!
Bela homengagem para Armando Nogueira, esta que você prestou e ao Brasil nos lembrando da glória da copa de 70.
Valeu, Dilberto!
Bom feriadão para você.
Feliz Páscoa!
Muita paz! Beijosssssss

Érica on 1 de abril de 2010 às 18:00 disse...

Eu pouco sei, ou nada sei sobre futebol. Apesar de sempre assistir até quando o Manchester joga, eu não tenho nenhuma opinião embasada sobre a dinâmica, ou sobre o pior técnico de todos os tempos. A única coisa que eu sei é que torço pelo Clube Náutico Capibaribe.

Armando Nogueira era um bom jornalista, determinado e obcecado por qualidade. Estou lendo um livro que fala um pouco da sua história, escrito por Willian Bonner: “Jornal Nacional – Modo de fazer”.

Enfim, muito bom o seu texto pra variar. Com estrutura e domínio da língua, impecável, crítico e elegante. Você às vezes me faz sentir meio burrinha (pouco) rsrs.

Lu_MCordeiro on 2 de abril de 2010 às 01:19 disse...

Oi,Dil,eu não sabia que o Armando Nogueira estava lutando contra essa doença braba e perdeu a luta.Realmente é uma pena.Ele era um comentarista interessante,embora eu pouco o assistisse pq não sou chegada a futebol.
Mas,de qualquer maneira,me dói saber que isso aconteceu.Me lembro que o mesmo aconteceu com Pedro Collor:CA no cérebro.Apesar de detestar aquela família,fiquei mto chateada e com pena.Mesmo não conhecendo a pessoa,imagino o sofrimento e fico doída,de verdade.
Qto ao The Times:que falta de vergonha eles publicarem uma lista em que não conste Pelé como o melhor do mundo.Aliás,o MUNDO sabe e considera Pelé o Rei,então,o citado jornal deve ter alguma "diferença" com o Brasil e não pode admitir que um brasileiro seja o número um.Acontece que esse jornal não pode mudar os fatos.E Don Diego...ô figura podre e arrogante!Enfim...
bjss,e PARABÉNS pela menininha que vem aí!!!

Márcia on 2 de abril de 2010 às 18:12 disse...

Um grande poeta, nos deixa palavras e pensamentos para que jamais o esqueçamos.
lindos dias filhote querido
Feliz Páscoa!!
beijos

Marcelo on 3 de abril de 2010 às 11:43 disse...

Oi amigo...prá vc amigos e a todos que aqui frequentam...Feliz PásZcoa!

abs

Poeta Mauro Rocha on 4 de abril de 2010 às 19:08 disse...

Feliz Páscoa!! Que a renovação seja feita a cada dia que nos é dado!!

Daniel Hiver on 5 de abril de 2010 às 15:46 disse...

O Armando Nogueiro foi "Pelé" no que disse e escreveu ao longo de sua vida como jornalista.
Já em relação ao Lazzaroni ( embora eu, pessoalmente não morra de amores por ele ) o que posso dizer a cerca da seleção de 1990 é que, naquele jogo contra a Argentina, los hermanos, escaparam de levar uma goleada... Eu lembro perfeitamente do jogo. O Dunga podia ter feito falta no Maradona, o Galvão podia ter feito falta no Maradona. Mas deixaram ele avançar e colocar o Caniggia na cara do gol. Mas minha mente não esquece. Naquele jogo perdemos muitos gols. E isso não pode ser esquecido. Lazzaroni era o técnico desse time que pelo volume de jogo e oportunidades criadas poderia ter goleado aquele dia.

Luma Rosa on 6 de abril de 2010 às 12:00 disse...

Sobre o Armando Nogueira, vale também ler o que escreveu o jornalista Hélio Fernandes em 02 de abril no site www.tribunadaimprensa.com.br

Valeu sua homenagem, um texto muito bem escrito! Porém a minha opinião sobre o trabalho, independe da pessoa e como o Zé Vianna bem lembrou, ele foi um servidor dócil dos generais da Ditadura e de seu general sem farda, Roberto Marinho, Armando Nogueira criou o padrão do Jornal Nacional: locutores com aparência de ator da novela das oito, notícias rápidas e nunca com mais de 15 minutos, para que a telespectadora das novelas das sete e das oito não mudasse de canal durante o JN, que nos anos 1970 era exibido entre 19:45 e 20:00. Típico “operário-padrão” do chefe Marinho, sempre fazendo o que ele mandava – aí vão a manipulação da eleição de 1982, a omissão do comício das Diretas em São Paulo, em 1984, e etc. etc..
Como bem disse Jimi Hendrix "Quem morre está feito para o resto da vida"

Magui on 7 de abril de 2010 às 11:49 disse...

Além de grande cronista é responsável pelas melhores criações da televisão. Chapuri tem mais um orgulho para comemorar.
Qt à listagens européias sobre grandes jogadores do futebol, não valem nada.Eles sequer existiriam no modo como é hoje se não tivesse havido Pelé e o nosso futebol.
No dia em que o Brasil puder sustentar grandes jogadores , o futebol europeu vai desaparecer. Sequer leem sobre o assunto, se ficarem dizendo a verdade haverá dez jogadores na frente do resto.O resto, é propaganda para ganhar dinheiro pq a crise tá feia por lá.

Marcelo on 7 de abril de 2010 às 15:46 disse...

Eu odeio futebol mas me rendo ao seu texto - perfeito - á homenagem impar e ao talento, sem dúvidas, que Armando possuia...ou melhor possui...genialidades não se apagam após o desencarne...

abs

 

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