
O que eles talvez não soubessem é
que aquela era, sim, uma forma pessoal minha de celebrar o Natal: vendo os especiais
de fim de ano! Nada das baboseiras com os “artistas” famosos da minha infância,
como a nada natalina Xuxa, mas, sim, das exibições temáticas que as grandes
emissoras costumavam exibir no período das boas festas – e tome belos títulos antenados
com a data, como Rei dos Reis (que
também era passado durante a Páscoa), assim como, é claro, de inúmeros e
fraquíssimos filmes irritantemente cheios de neve e com finais “edificantes” ou
simplesmente “cheios de magia”, só porque tratavam de alguém ranzinza que
precisava aprender uma lição sobre o Natal, no melhor estilo do eterno Scrooge,
ou devido à sempre ilustre presença do Papai Noel no enredo (como o fraquinho, porém muito querido em
minhas reminiscências, Papai Noel Existe)! De qualquer forma, o certo
era que, naqueles tempos, todas as programações procuravam se ajustar da melhor
forma aos cheirinhos de casa limpa, dos papéis de presente a descansar por sob
os pinheirinhos de plástico e de muita comida gostosa no ar de cada lar...

Não digo que se devam exigir representações de Jesus e seu nascimento a torto e a direito, até porque acredito que o Natal,
embora criação católica em homenagem à vinda de um messias, já tão presente no inconsciente coletivo, seja, em sua
essência, uma festa com espectro maior até do que o próprio representado e alimente
sentimentos humanistas inclusive em pessoas não-religiosas – sem olvidar que
ainda resta a incômoda sensação de que “os direitos” deste belo e independente personagem
pertençam hoje aos insanos representantes das cada vez mais poderosas igrejas
pentecostais (e, vindo delas, é sempre temerosa qualquer versão cinematográfica
em tempos tão reacionários)... Mas é inegável o quanto a falta do tom de “época
especial” não só deixa cada vez mais desencapado o desespero do lucro certo com
as vendas de presentes, comidas e bebidas – e como isso incomoda... –, como
também eliminou das exibições televisivas, tanto das agressivas redes abertas e
suas vazias representações novelescas como as TVs por assinatura e suas
cansativas maratonas de seriados repetitivos, a possibilidade de qualquer exibição especial, mesmo que fora da temática natalina.
Assim, grandes títulos como Ben-Hur, O Milagre da Rua
42, O Manto Sagrado e A felicidade
não se compra – que, direta ou indiretamente, tinham elementos cristãos ou natalinos em seus enredos – foram, aos poucos, facilmente esquecidos pelas programações, com o passar do tempo, até sua quase total eliminação... Tal como os sempre antes
reprisados nesse período, Cantando na Chuva e
Mary Poppins, que, embora nada tivessem com as boas festas, eram filmes pra lá de especiais e, dignamente reprisados nesta solene fase do ano, sempre preenchendo bem e de forma elegante o espaço entre a festança coletiva da meia-noite e a solitária hora de dormir, quando os festejos aconteciam em casa, com todos já tendo se despedido e eu lá, com as presenças mágicas daqueles dois musicais fantásticos, repletos de canções e números inesquecíveis... Ah, que maravilhosas lembranças eu possuo daquelas sessões madrigais: foi desse jeito que vi, pela primeira vez, cada um desses dois clássicos! Tanto que já lhes dediquei um apaixonado 'post' aqui, quando da época em que os mostrei à minha amada filha Isabela! A propósito, a incrível versão Disney da babá praticamente perfeita em todos os aspectos chega, neste 2014 que se finda, ao seu quinquagésimo aniversário!

Muito pelo contrário: ciente das famosas "alegorias" infantilizadas do famoso cineasta/produtor do Mickey Mouse, a perfeccionista australiana radicalizada inglesa negou, por mais de duas décadas, a venda dos direitos para o opressivo estúdio norte-americano, que só conseguiu seu intento depois de uma generosa oferta diante da quase bancarrota da escritora, quando da baixa venda de seus livros ao longo da década de 50... Apesar disso, ela conseguiu ser firme e bancou a durona em várias cláusulas contratuais rigorosas, na tentativa de controle na adaptação de seus personagens tão caros: ficaram memoráveis as suas brigas com o departamento de criação (os geniais irmãos Richard e Robert Shermann, e o corroteirista Don DaGradi), que com ela eram obrigados a tratar, linha por linha, de mínimos aspectos, das canções ao roteiro – era expressamente proibido, por exemplo, que houvesse qualquer animação, uma das principais razões do seu longevo veto a Disney... Nem é necessário dizer que o bandidão reaça do Walt venceu a queda de braços e à Pamela só restou ter de engolir um sem-número de concessões e chorar de raiva ao ver, na noite da estreia (para a qual sequer foi convidada, depois de tantos desentendimentos, pelo deselegante Walt Disney), a bem longa sequência animada de inúmeros bichinhos saltitando com Mary, Bert e as crianças nas pinturas do parque!

Sim, interessante: ao contrário do que bombardearam os críticos, trata-se de um bom filme, capaz de contar fielmente os fatos ocorridos e, ao mesmo tempo, florear bastante do que realmente aconteceu e, de quebra, homenagear tanto o finado e eterno patrão como também a irritantemente "notável capacidade Disney de dobrar as pessoas mais empedernidas com a magia dos seus estúdios, parques e personagens" – ou só e tão somente "como o dinheiro pode mesmo comprar tudo no 'showbiz'...

Mas não há nada mais musicalmente natalino pra mim do que a deusa Marisa Monte: primeiramente, um dos meus natais passados ficou marcado pelo disco Verde Anil Amarelo Cor de Rosa e Carvão, quando descobri, ainda na adolescência, essa mulher que parece dublar uma voz vinda de outra dimensão, naqueles arranjos mágicos (sua própria voz como um dos muitos instrumentos musicais) por sobre Música contemporânea cheia de um antigo e já quase perdido lirismo brasileiro antigo de samba e choro... E, recentemente, uns dois anos atrás, com o então lançamento do disco Verdade, Uma Ilusão, meu 'reveillón' foi marcado pelo branco alvo daquelas interpretações multicoloridas, presente que ganhara da companheira Jandira... E, hoje, com o DVD do 'show' homônimo, que tantos prazeres me proporcionara quando da sua vinda a São Luís, no ano passado, com aquele deslumbre de cores e músicas da melhor qualidade (ela dança, ela embriaga com aquelas mãos e braços finos, ela compõe, ela toca, concebeu o espetáculo inteiro e ainda conversou bastante com a plateia!), eu presenteei tanto minha amada esposa quanto minha querida mãe Dilena numa só cajadada: a emoção eu deixei pra elas, para marcá-las! Pena que o DVD fique anos-luz aquém da força de beleza que foi esta turnê incrível – pobreza no detalhamento dos belíssimos efeitos de projeção no 'show' e total eliminação da interação da cantora com seu público conseguiram transformar algo fascinante em parcamente bonito na tela pequena, em casa...

De Literatura me espera toda a série histórica de Laurentino Gomes, 1808, 1822 e 1889, que comprei recentemente e não pude, sequer, folhear... De colecionáveis, nada há para marcar, uma vez que as editoras enlouqueceram e, a cada semana, despejam dezenas de lançamentos e relançamentos – e eu, a contar os pobres caraminguás da carteira furada, sacrifico os últimos vinténs com pelo menos umas 8 miniaturas a cada mês... De Fotografia, falta imprimir os "trabalhos artísticos" que venho realizando ao clicar meus adoráveis 3 filhos no dia-a-dia... Tudo isso me lembra o subtítulo deste dileto espaço virtual, "Artes em Geral": há mais de 10 anos me encontro neste sagrado ofício de falar delas em meio ao turbilhão da vida, que segue como se quisesse nos tragar a todos, já quase desalmados, para uma espiral desgovernada, independente da época ou da geração em que estejamos! Mas uma coisa é certa: cada um que encontre logo seu caderninho de recordações e converse com seu fantasma dos Natais passados para descobrir alentos perdidos enquanto é tempo... Pois cada um traz consigo a dor e a delícia de uma passagem secreta para a salvação durante aquela ceia mais burocrática entre parentes coxinhas, afáveis somente naquele momento entre o peru, as cervejas, o vinho e as castanhas, todos cheios das inócuas "resoluções de ano novo"! Acho que por isso eu encho as minhas boas festas de um pouco de contato comigo mesmo e com as coisas que amo: ver um bom filme, ouvir uma boa Música e, agora, estar embolado junto à arte das minhas crias criam, de per se, enredo dos melhores para recarregar qualquer bateria às vésperas da tão festejada mudança de calendário! Que venha 2015, que nós mostraremos a eles – vocês, que tão bem pintam o sete – com quantas artes se faz um ano, não é mesmo crianças?!
