segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Cinquentões em Patópolis...

Peninha ganha edição comemorativa de 50 anos
Decididamente, eles são brasileiros!

O que os patopolenses Urtigão e Peninha têm em comum? Além do fato de terem sido criados para serem coadjuvantes nos Quadrinhos do Pato Donald por dois artistas norte-americanos da Disney, Dick Kinney (roteiros) e Al Hubbard (desenhos), ambos, de tão divertidos, acabaram tornando-se protagonistas e se deram muito bem em terras brasileiras, onde protagonizaram, por muitos anos, revistinhas próprias  embora permaneçam, até hoje, como ilustres desconhecidos para a maioria do público nos Estados Unidos... Mas se engana quem pensa que algum deles é vizinho do Zé Carioca em algum ponto do idílico Rio retratado na Vila Xurupita: eles nasceram mesmo "gringos", contracenando com os famosos patos de Duckburg (por aqui, conhecida como Patópolis), mas, como faziam parte de uma linha de personagens secundários visando ao mercado exterior (Peninha, por exemplo, estreou na Europa e, só um ano depois, surgiu nos EUA), foi mesmo na Itália e, mais especificamente, no Brasil, que esses adoráveis marginalizados estouraram em sucesso!

Marginalizados, sim: afinal, como é que um esquentado caipira montanhês descendente de irlandês (por isso, em sua origem, Urtigão tinha cabelo e barba vermelhos, que "viraram" brancos por erros de impressão fora dos EUA) e completamente averso ao "mundo civilizado", e um atrapalhado cultuador do alternativo estilo meio hippie/meio beatnick dos anos 60, poderiam pertencer a algum mainstream? Não é à toa que os dois se cruzariam em inúmeras e excelentes historinhas desde o seu primeiro ano de existência, em 1964: apesar de tão díspares, eles sempre falaram a "mesma língua"! Língua essa que também se converteu no "mineirês" uai e em outros tantos trejeitos caipiras de ser do nosso homem do interior, assim como se transformou no endividado repórter de A Patada, porém cheio de referências bem brasileiras (adoráveis os trocadilhos com ícones da cultura nacional) e de histórias repletas de paródia pra contar  não à toa, foi por aqui que surgiu o maior guardião dos Quadrinhos Disney: o Morcego Vermelho ("Bandidos, tremei!")!

E a Editora Abril não se fez de rogada com o sinal verde da Disney para a produção local de historinhas  especialmente do Peninha, uma vez que o Urtigão só deslanchou mesmo com "personalidade brasileira" quando do lançamento de revistinha própria, em 1987 (antes, só os desenhos eram brasileiros, para roteiros feitos fora). Com isso, grandes nomes cheios de criatividade, como os dos roteiristas Ivan Saidenberg (criador da espevitada namorada Glória nas HQs do Peninha) e Gerson Teixeira (criador da Firmina, parceira para toda obra do Urtigão), bem como os desenhistas Carlos Edgar Herrero (também famoso por seu trabalho com Zé Carioca), Luiz Podavin (autor da bela capa do almanaque mostrado acima, com um divertido e inusitado selfie), Irineu Soares Rodrigues (que trabalhou com os dois personagens), Euclides Miyaura, Verci de Mello e Eli Leon (definidores do perfil caipira Made in Brazil do camponês), eternizaram-se  nas memórias dos ávidos leitores dos anos 70 e 80 ao desenvolver incríveis vertentes cômicas e genuinamente nossas. Afinal, quem não se lembra das engraçadíssimas temporadas de convívio entre Zé Carioca e Urtigão no Rio ou dos geniais Pena Kid, Pena das Selvas e Pena Submarino, todas versões "heroicas" criadas em historinhas nacionais, satirizando ícones como Batman, Tarzan e Príncipe Submarino  definitivamente, eles eram mesmo a nossa cara!


A Editora só pecou em dois aspectos nos seus encadernados especiais desses cinquentenários: apesar dos excelentes textos informativos sobre os cinquentões patopolenses com cara de brasileiros, de autoria de Marcelo Alencar, os grossos almanaques (305 páginas cada um) insistem no famigerado "formatinho Abril" com lomba quadrada, o que compromete uma satisfatória abertura da revista, bem como a visualização do canto próximo à lombada, que continua machucado e com ondulações;  o outro ponto negativo é a seleção das historinhas publicadas – mesmo com alguns achados, como as primeiras aparições de cada tipo e outras interessantes inéditas por aqui, as escolhas ficaram a dever por dar muita importância às fraquíssimas fases italianas de cada um e por preferir algumas bem bobinhas em detrimento de tantas outras mais marcantes (eu, como fã dos dois, sei bem do que estou falando e posso citar, de cor, inúmeras estórias hilárias que foram esquecidas), especialmente em relação aos grandes coadjuvantes de ambos, como o Biquinho, com tantos clássicos ao lado do seu atrapalhado tio, mas que ganhou apenas uma historinha fraca que "inventa" sua origem... Ainda assim, duas edições imperdíveis para qualquer colecionador (ainda mais eu, que tenho o Peninha, ao lado do Zé Carioca, como companheiro nas primeiras aventuras ao aprender a ler...)!


...E na Cozinha do Inferno!



Minha relação com o grande defensor da conflituosa Cozinha do Inferno (distrito real da área pobre de Manhattan, NY), deu-se de forma tardia e secundária: depois de muito acompanhar as revistinhas de medalhões da Marvel, como X-Men e Homem-Aranha, na adolescência, passei a perceber um vigilante bem interessante a ajudar tanto os famosos mutantes quanto o Amigão da Vizinhança com iguais garra e determinação  cego devido a um acidente com produtos radioativos na infância, e, por causa deles mesmos, com os demais sentidos ampliados a níveis sobre-humanos, o advogado Matt Murdock das causas perdidas e dos mais necessitados durante o dia e endemoninhado combatente do crime à noite me cativou, de cara, com seu ilibado caráter e seu uniforme incrível (daredevil tanto quer dizer "intrépido", "audacioso", como pode ser dividido em 'dare'+'devil', ou "demônio ousado": por isso a cor da roupa e os chifrinhos da máscara), mas só então percebi que de coadjuvante aquele super-herói não tinha nada! 

E foi mesmo com o equivocado filme de 2003 (sim, aquele em que Ben Affleck vive o "intrépido" herói e o saudoso Michael Clarke Duncan personifica um negro Rei do Crime) e com o então quase paralelo relançamento, nas bancas, de uma das suas melhores fases nos Quadrinhos, nos 4 encadernados Os Maiores Clássicos do Demolidor de Frank Miller (sim, aquele mesmo cara que estabeleceu conceitos incríveis em HQs e graphic novels inesquecíveis como O Cavaleiro das Trevas, Os 300 de Esparta e Sin City), que eu virei fã de carteirinha de um dos maiores heróis de todos os tempos, o melancólico, sombrio e religiosamente focado em sua luta contra o crime Demolidor, que também chegou aos 50 anos neste 2014.

O personagem praticamente foi reinventado nesta fase com Miller, nos anos 80, por meio do aprofundamento dessas e de outras sensacionais características  como as novas caras dos seus vilões (Mercenário vira um homicida loucamente sádico e Wilson Fisk sai do universo do Aranha para compor, em definitivo, o elenco do mal do "Homem sem Medo"), a origem ninja do herói, bem como um novo grande amor, a igualmente ninja Elektra (que, por sua vez, encontra o seu "fim" num brutal assassinato nas mãos do Mercenário, só para atormentar um pouco mais o pobre Murdock)... Em outras palavras, o famoso artista conseguiu a proeza de pegar uma revista quase cancelada e alavancá-la ao status de cultuada entre os fãs, que só aumentavam! Até que, depois de um breve hiato longe da Marvel, o roteirista voltou para desenvolver, junto ao seu colaborador artístico preferido da época, David Mazzucchelli (que, também ao lado de Miller, fez História na DC com Batman Ano Um), um arco de 7 números que marcaria para sempre o Demolidor como a sua melhor trama: A Queda de Murdock (Born Again) revolucionou ao expor duras chagas morais dos personagens (a antiga namorada Karen Page volta como uma viciada e ex-atriz pornô que vende o segredo da identidade secreta do herói), ao humanizar ao extremo as limitações do herói (Murdock perde tudo e ainda conhece sua mãe num convento no pior inferno da sua vida) e ao elevar ao extremo a expressão "fundo do poço" de uma história em quadrinhos...


É realmente curioso o quanto estou sempre "atrasado" em relação ao querido Demolidor: mesmo com a excelente fase atual, do artista Mark Waid, bem mais leve do que as últimas décadas de atormentado sofrimento à lá Batman (com cinco volumes lançados ao longo deste ano, com marcantes momentos que remontam às suas origens divertidas em 64, mas com toques bastante modernos), só li duas dessas edições e acabei por redescobrir o personagem mesmo através da leitura, pela primeira vez, dos clássicos A Queda (1986) e O Diabo da Guarda (inverossímil, porém interessante releitura atualizada da Fase Miller pelo polivalente Kevin Smith em 1998), lançados recentemente na imperdível Coleção Oficial de Graphic Novels Marvel, da Panini/Salvat  aquela que, embora com alguns tropeços, é imperdível não só por grandes momentos republicados em edição de luxo, como também pelo fato dos dorsos de cada edição te obrigarem a comprar a coleção inteira, a fim de não perder nenhuma parte do lindo mosaico composto com os super-heróis da Casa das Ideias! Perfeitamente justificável: o maior acrobata das HQs não tinha como não estar sempre à frente, em seus saltos performáticos pelos telhados, deste pobre e sedentário fã...
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1 comentários:

Suzane Weck on 14 de dezembro de 2014 às 15:08 disse...

Ola meu caro amigo,além de interessantíssimo e muito bem escrito teu texto, foi uma aula sobre o assunto um tanto desconhecido em vários pormenores por mim.Gostei muito de ler.Não sei se te interessas por um novo CD feito mais como brincadeira para explorar mais um pouco o novo teclado de Roberto.Fizemos uma mixagem com "Ray Conniff'formando então o trio "SU Ray Bob".Achei que ficou bem agradavel e interessante.Se quiseres terei o grande prazer de enviar para ouvir tua opinião á respeito.Mesmo endereço? Nosso maior abraço.SU

 

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