Já há algum tempo, estou numa de ouvir mais trilhas sonoras e música clássica (dita "erudita") do que as costumeiras canções... Parece que as palavras me cansaram no tanto que repetiram sobre o amor e as vicissitudes do ser humano... Acabei por redescobrir compositores que sempre me foram muito caros, como Beethoven e Ennio Morricone - deste último tendo baixado algumas obras-primas e ouvido no carro as ora pungentes, ora sensíveis trilhas sonoras dos igualmente ótimos filmes Os Oito Odiados (de Tarantino: sua aposentadoria do mundo do Cinema), Cinema Paradiso, Era uma vez na América, e, em particular, uma coletânea de seus maiores clássicos dos filmes de "faroeste à espaguete" (Westerns produzidos na Itália), que, por sua vez, acabaram por me influenciar a buscar rever alguns desses grandes filmes que fizeram parte da minha formação, como Por um punhado de dólares, cuja fabulosa trilha emoldura à perfeição as venturas e desventuras de Clint Eastwood como o errante cowboy "Sem Nome" (ou "Joey"... ou "Loirinho"...), sobrevivendo a patrões latifundiários e pistoleiros sanguinários na maravilhosa trilogia de Sergio Leone encerrada com Três Homens em Conflito, cujos clássicos acordes misturados a sons extravagantes (como latas, chicotes, sons de tiros... até máquinas de escrever!) definiram o faroeste de Morricone: Música tão quente quanto os desertos do Velho Oeste (na verdade, sul da Sicília) e tão forte quanto o cavalgar de marchas de cavalos em disparada
E qual não foi a minha surpresa quando, noutro dia, ouvi a trilha de Era uma vez no Oeste, mais precisamente o "Tema de Jill" (Jill's America), daquela forma cantada pela soprano Edda Dell'Orso no final do filme (faixa Finale), tocando na rádio em plena manhã de uma cinzenta segunda-feira?! Curioso, para dizer o mínimo, que uma belíssima peça de composição instrumental tocasse numa rádio comercial de tantos hits de gosto duvidoso... Em seguida, uma voz à Cid Moreira começou a entoar um inusitado "Pai Nosso" e a ficha caiu: estavam usando o belo tema da inesquecível personagem de Claudia Cardinale apenas como música de fundo para um "momento religioso" daquela estação... Muito estranho ouvir aquilo, especialmente para quem conhece os clássicos do Faroeste repletos de "violência poética" do diretor Leone, que amava Morricone como seu "tradutor musical" favorito. Mas, fechando os olhos das memórias sobre as cáusticas cenas, fácil perceber que muito da Música do Mestre italiano tem algo de oração: de formação católica (assim como o amigo Sergio Leone - ambos foram contemporâneos na mesma escola católica), o violão virtuoso, bem como a leveza do seu piano ou a delicadeza no utilizar de outros instrumentos mais incomuns, como a flauta de pan, parecem mesmo exaltar algo divino em muitos filmes - não à toa, uma das suas maiores obras-primas foi a trilha sonora do filme A Missão, que narra a dura saga de um convertido ex-criminoso (Robert deNiro) e seus companheiros freis jesuítas no início da colonização sul-americana.
Um compositor épico, sem dúvida! E de múltiplas facetas... Bernardo Bertollucci, para quem Morricone compôs a narrativa musical de 1900, disse, certa feita, num documentário produzido pela BBC LINK, que a Música do grande Maestro facilmente "se torna um elemento visual num filme", e se adaptava às imagens num sincronismo perfeito e quase palpável (sem a apelação cansativa do velho mickeymousing de um John Williams, por exemplo). Justa avaliação para esse maestro de alma e arranjador de mão cheia, ainda na ativa aos 90 anos, para quem "Música tem que ser boa" e uma trilha sonora "tem que funcionar independentemente do filme a que ela serve" - prova disso são tantas outras de suas trilhas que, além de terem servido magistralmente aos mais diversos gêneros cinematográficos (além do Faroeste, Drama, Terror, Policial e até Ficção Científica), tão bem sobrevivem ao tempo, como Malena, Cinzas no Paraíso, Cão Branco, As Mil e Uma Noites, A Batalha de Argel, O Pássaro das Plumas de Cristal, Os Intocáveis, O Enigma do Outro Mundo... Morricone: jamais esqueça esse nome... Com seus trabalhos inovadores e revolucionários, ele nos ensinou a "ver" a Música e a orar com sua instrumentalidade lírica...
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