domingo, 25 de novembro de 2012

Sete dias depois...


Meu primeiro contato direto com a morte foi quando do falecimento do meu avô paterno: só no momento em que peguei sua mão fria foi que percebi que ali não estava mais aquele amigo que tanto amava, mas somente sua última lembrança física - que, em poucos instantes, enterraríamos para só podermos vê-lo novamente por meio de fotos (pelo menos nesse plano físico...).

Minha querida avó Raquel morreu no último domingo, mas não me despedi dela. Soube da sua morte por telefone, quando minha mãe, aos prantos, avisou-me da sua partida. Não viajei as 8 horas que separam sua última morada, Tutoia, daqui de São Luís. Nunca fui a Tutoia: tantas vezes planejei uma viagem para vê-la outra vez, mas só guardo dela uma foto em que ela toma um café em meu apartamento e a última vez em que nos falamos pessoalmente, ocasião em que ela, dias antes de deixar esta Ilha para morar com sua enfermeira/cuidadora e meu tio no distante interior do Estado, há mais ou menos 3 anos, disse que gostava de mim como um filho - mas eu sou seu neto, vovó...!

- Ela já não se lembrava de quase ninguém... Tinha 90 anos e, como foi para o Rio muito cedo, por questões pessoais, e lá morava há tantos anos, com a velhice e com a morte do companheiro, acabou por ficar um tanto quanto senil e acabamos por nos distanciar... Tentava eu explicar para a colega do escritório o porquê de, na segunda-feira, eu não estar tão arrasado ou sofrido... Doía, mas não chorei nenhum dia a semana inteira: o "discurso pronto" sobre a idade avançada e a distância enganava quem me via por fora - por dentro, algo me punia por ter deixado os compromissos e o tempo minarem a possibilidade de um último encontro, mesmo que fosse somente para ela falar sobre sua mãe e suas memórias da juventude para um "desconhecido" que ela teria como "um filho" ou "um grande amigo da família", esquecendo-se, mais uma vez, que eu era seu neto...

Não convivi o tanto que gostaria com ela. Talvez por isso não tenha chorado ao longo da semana inteira, somente o fazendo agora, nesta missa... Mas não houve um só dia em que eu não me lembrasse do seu jeito de conversar comigo, na minha infância, e de todos os mimos que sempre me ofertou, muitas vezes à distância - se hoje sou um ávido leitor, muito se deve a uma coleção de livros que ela me mandou por Sedex quando eu tinha apenas 7 anos de idade (meu primeiro mosaico de dorsos, com a imagem completa dos famosos personagens de Patópolis num divertido piquenique com a enciclopédia infanto-juvenil Biblioteca dos Escoteiros-Mirins)... A sua fala mansa ainda ecoa na minha lembrança dos poucos almoços em família quando das suas vindas a São Luís (-Mas eu já estou cheia, que isso é um banquete!)... E vejo seu semblante doce quase toda vez em que Isabela faz alguma meiguice - afinal, se minha filha se parece tanto comigo e eu, com minha mãe (algumas fotos de Isabela lembram muito mamãe quando criança)... E vejo que o segredo da vida está justamente nisso mesmo: na continuidade...

Não pude pegar a mão fria da minha querida avó. Não me despedi dela como eu gostaria... Mas o calor das suas boas ações e o conselho sempre vivo, cheio de otimismo e amor, seja por telefone, seja nas poucas vezes ao pé do ouvido (olho no olho, mão na mão) estão comigo hoje aqui, enchendo meu coração de felicidade e de saudade, e me fazendo chorar... Muito! Viva Raquelzinha, palmas para minha querida avó, distante e distanciada, mas próxima das melhores lembranças, as infantis - puras que são as criaturas-avós na formação de qualquer ávio leitor ou escritor...

E assim, entre lágrimas, com aquelas palmas para quem realmente importava naquela igreja, ontem, pela manhã, de alguns parentes que igualmente não via já há algum tempo, eu encerrava minha pequena homenagem àquela grande mulher: mais ou menos com essas palavras, humildemente, disse-lhe o quanto eu a amei e o quanto eu me desculpava por deixar o tempo e a vida diminuir algumas chamas já pequenas, porém cheias de calor que ainda falarão por muitos anos a fio em mim, muito mais do que frias mãos de adeus...

 

+ voam pra cá

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