O "fictício-real" Charles Foster Kane (Orson Welles, ator, roteirista, produtor e diretor de Cidadão Kane, obra-prima inspirada na vida do magnata da imprensa americana William Randolph Hearst): Clássico absoluto, em belíssimo preto-e-branco, pisando em notícias velhas e artes efêmeras... |
Não suporto quando algum locutor, televisivo ou radiofônico, vem a público com a pérola: "Fulano de Tal, se estivesse vivo, completaria hoje tantos anos"... Quem é que anda completando 120 anos de vida?! À exceção de umas 2 ou 3 pessoas no mundo, talvez Matusalém, na sua tenra infância?! O correto, para dizer o mínimo, seria apontar que se celebra, sobre o tal Fulano, "120 anos do seu nascimento" ou "120 anos de Fulano de Tal"! Simples assim! Ou será que o universo desses repetidores apresentadores vai ter de esperar a celebração de 200 ou 300 anos de alguém ilustre para, finalmente, perceber o ridículo de sua fala?!
Eis aí uma coisa que sempre me fascinou: deixar um legado. Algo que permita uma marca pela passagem neste mundo caótico e indiferente... Por quanto tempo? 50, 100 anos, para sempre...? Afinal: quando e por que uma coisa se torna clássica? Depois de quantas gerações? Pela qualidade ou por causa da popularidade? Gostava de brincar com um antigo amigo do bairro sobre o dia, no futuro, em que se celebraria como clássico um filme daqueles que adorávamos na nossa infância e início de adolescência nos badalados anos 80, da mesma forma que à época consideravam-se clássicos os filmes das décadas de 40 e 50... Somente 30, 40 anos então separavam aqueles títulos de nós, muitos deles em preto-e-branco, e já havia todo um abismo cultural em relação aos viventes da nossa multicolorida década: "Nunca mais o Cinema verá um Casablanca, Cidadão Kane ou um A Doce Vida!"... "Ah, não conheço: só vejo filme colorido"...!
Curiosamente, até o fator temporal acabou por ser relativizado na estratificação do que vem a ser um clássico. Especialmente, no caso do Cinema, em se observando o número de sequências, refilmagens e reboots (reinício de franquia) de tantos filmes: vide a nova trilogia Star Wars após inúmeros spin-offs em live-actions, animações e quadrinhos, e, agora, Caça-Fantasmas, 35 anos depois voltando às origens com terceiro filme prometido para 2020 (após fracasso em recomeço com elenco feminino no ano retrasado). No caso específico da Sétima Arte, 30/40 anos de alguma coisa já parece um mero salto, um piscar de olhos, sem o peso que havia antes, da solenidade "de algo do passado a se reverenciar"... Culpa dessa minha mesma geração oitentista, que parece não dar chance para algo envelhecer e guardar o distanciamento necessário para um clássico maturar... Esse povo saudosista "do século passado", atualmente povoando os "anos 10" dos 2000!
E, falando em anos 10, de se pensar que, pouco mais de 100 anos atrás, no início do século XX, a francesa invenção do Cinema, apesar de renomados sucessos europeus de então (como os italianos Quo Vadis e Cabíria, de 1912 e 1914), já caminhava a passos largos como arte e espetáculo nos EUA. Então, dessa época, tudo é clássico? Bom, para além da qualidade e do tempo da obra, indispensável que se considere o que aquela arte defende, especialmente hoje, em tempos de cancelamentos virtuais! Tomemos um exemplo de 1915, O Nascimento de Uma Nação, do pioneiro D. W. Grifith: se suas inovadoras técnicas e narrativas filmadas o firmam no panteão dos filmes memoráveis da História, sua trama racista, defensora da segregação racial (e da Ku Klux Klan!), acaba como um símbolo do que jamais poderia caracterizar um clássico! Então, como classificar: "Clássico ultrapassado", "meio-clássico" ou "obra merecedora do lixo da História"?
Difícil dizer... E assim nos pegamos no começo de um novo século a explorar, com todas as suas particularidades. Logo nós, que falávamos até outro dia, simplesmente, "anos 10", "anos 20", quando nos reportávamos longinquamente a uma data do nosso próprio século, tempo que, além de inúmeros avanços tecnológicos surpreendentes em período relativamente curto, viu também o nascer (justamente ali pelos anos 10 e 20...) e o morrer (finalzinho dos anos 90) de alguns de nossos entes mais caros, como os nossos avós... Logo nós, que tivemos que encarar duras mudanças com a leveza da fidelidade para com as "rebeldias" dessa nossa geração "quebrada" entre dois séculos: aflita com a velocidade das novidades para as quais já não temos a mesma jovialidade de outrora, porém serena o bastante para nos pouparmos de qualquer aparente comprovação de velhice precoce nalgum "eu já vi isso" ou no infame "na minha época"...
Se o vocábulo já foi único para descrever aspectos culturais e arquitetônicos relacionados à Grécia e seu período pré-Helenístico (classicus, relativo a "classe" ou "divisão superior"), passando pela classificação da música sinfônica dos séculos XVIII e XIX, hoje o termo "clássico" pode permear qualquer item exposto no mercado, de algo artístico, produto da moda a artigo de comida ou bebida de alguma lanchonete com alguns anos de estrada (since tal data!): o que vai terminar por abalizar o que é ou não clássico seria um crítico, com know-how suficiente naquela área, ou apenas um fanfarrão virtual patrocinado pelo selvagem capitalismo nosso de cada dia... Já por aqui, neste humilde espaço virtual, no entanto, ater-nos-emos às boas e velhas "artes em geral"!
Porque, a despeito de novos conceitos e artistas reinventando a Arte, a nostalgia virou, sim, produto de mercado, passou a ser vendida pela internet e o passado virou moda entre os da nova geração, ganhando o estiloso nome de vintage! Agora, tudo é "clássico", em meio a tantos remakes para os marmanjos com saudade da infância e a petizada ávida por novos lançamentos anabolizados! Talvez, se nos déssemos ao luxo do tempo decorrido, do perder, do ganhar, do deixar... Saberíamos envelhecer melhor com nossos símbolos, ídolos e suas obras atemporais!
É mais ou menos como diria a canção ("da minha época"): Somos tão jovens...! Por isso segue essa angústia quando se tragam clássicos verdadeiros e se regurgitam "releituras" a toque de caixa e aos borbotões para as "novas gerações" , a manchar honráveis galerias maiores... No entanto, Platão, Dom Casmurro, Chico Buarque, Sentimento do Mundo, O Poderoso Chefão, Chaves, Batman, Charles Chaplin, entre outros pensadores, artistas e obras célebres, possuem inabaláveis cadeiras cativas no panteão das intocadas coisas imortais deste mundo, independentemente de gosto ou familiaridade... Enquanto as tolices, imitações ou simples repaginações mercantilizadas acabarão no fundo do baú da História!
É mais ou menos como diria a canção ("da minha época"): Somos tão jovens...! Por isso segue essa angústia quando se tragam clássicos verdadeiros e se regurgitam "releituras" a toque de caixa e aos borbotões para as "novas gerações" , a manchar honráveis galerias maiores... No entanto, Platão, Dom Casmurro, Chico Buarque, Sentimento do Mundo, O Poderoso Chefão, Chaves, Batman, Charles Chaplin, entre outros pensadores, artistas e obras célebres, possuem inabaláveis cadeiras cativas no panteão das intocadas coisas imortais deste mundo, independentemente de gosto ou familiaridade... Enquanto as tolices, imitações ou simples repaginações mercantilizadas acabarão no fundo do baú da História!
Os cabelos ralos e o excesso de cansaços dos mais diversos matizes em cada poro já fazem de mim alguém dado com os clássicos, tanto em defini-los como em já vê-los acontecer, tantos os aniversários especiais e os centenários que já passam por mim - como os cem anos de nascimento de amados como Jackson do Pandeiro e Zélia Gattai... De se esperar só e tão somente que o futuro seja bom para com as Artes e, especialmente, que 15 anos sejam tempo hábil para, ao menos, tornar algo 'cult' - de repente, os Morcegos até possam, desde já, ser considerados um raro caso de clássico instantâneo...