E a semana
que ora se finda já começou triste... Pelo menos para quem preza o Cinema
Nacional e sua identidade: morreu Hugo Carvana no último sábado, um dia antes
das eleições nas quais o militante ator global de novelas e seriados votaria na
Presidenta Dilma... Pois é, engana-se quem pensa que se tratava ele
de um mero produto das famigeradas novelas da Vênus Platinada (salvando-se
pouca coisa realmente, como o inesquecível Valdomiro Pena de Plantão de Polícia): Carvana,
na verdade, sempre foi um homem de Esquerda, de Teatro e, acima de tudo, de
Cinema – e que Cinema! Esteve envolvido com o Cinema Novo em seu nascedouro
(marcantes as suas participações em Os
Fuzis e Terra em Transe) e, baseado num
personagem que criou para o filme Quando
o carnaval chegar..., de Cacá Diegues (com Chico Buarque, Nara leão e Maria Bethânia no elenco), acabou
entrando para a História da Sétima Arte brasileira com dois grandes e adoráveis
filmes praticamente com o mesmo tipo: Vai Trabalhar
Vagabundo e Se Segura, Malandro,
ambos da década de 70, brincavam com a essência do malandro carioca/brasileiro – pequeno golpista ou locutor/proprietário de uma rádio pirata, aquele que, longe de ser um
criminoso, era um sobrevivente e um debochado amante da liberdade contra o
sistema repressivo do "certo" e do "progresso"... E, assim, o ator e diretor carioca repaginou a comédia de costumes e a chanchada dos anos 50, famosas pelo humor
mais ingênuo, ao acrescentar várias críticas sociais e políticas camufladas pelo
famoso estilo galhofeiro e popular.
Mesmo com muitas falhas, Vai Trabalhar Vagabundo (1973) e Se Segura, Malandro (1978) são primorosos com suas soltas cenas externas do Rio, suas metalinguagens cheias de diálogo com o expectador e suas trilhas sonoras inesquecíveis (Chico Buarque compôs duas genialidades para o primeiro, Vai Trabalhar, Vagabundo e Flor da Idade, e teve o clássico Feijoada Completa utilizado no segundo) e surpreendem, porque são seus dois primeiros filmes. E foi com esses
filmes que terminei de me apaixonar pelo Cinema brasileiro durante a minha
adolescência (meu namoro inicial já havia começado com as "faces
sérias" de Nelson Pereira e sua obra-prima Vidas Secas e de Roberto
Farias e seu icônico Pra
Frente, Brasil). E com esses dois bem sucedidos arroubos de direção no currículo que ele viria
a dirigir sua terceira pérola cinematográfica, Bar
Esperança - O Último Que Fecha (clique e assista ao filme completo): neste belo trabalho mais maduro, Carvana deixa de lado o vagabundo malandro que o consagrou, substituindo-o, junto aos seus personagens correlatos, pela nata da boêmia artística em torno de um bar que está
prestes a ser demolido para a construção de um edifício. Apesar das mudanças, são facilmente perceptíveis vários laços com seus trabalhos anteriores (a Arte contra o progresso; a Esquerda
contra a repressão, elenco gigantesco e primoroso formado por amigos do
cineasta etc.), fazendo com que Bar Esperança seja considerada uma espécie de "terceira parte
da trilogia malandra" do artista.
Infelizmente, Hugo Carvana nunca mais conseguiria entregar um grande filme como aqueles três: ele até tentou retomar os seus primeiros sucessos como diretor, naquele genial humor popular/transgressor dos seus trabalhos iniciais (vencedor que foi, por exemplo, dos Kikitos, em 73 e 83, de filme e roteiro), com Vai Trabalhar Vagabundo 2 - A Volta (1991), mas tal tentativa restou fracassada - mesmo com Marieta Severo, Nelson Xavier e grande elenco (pra variar...), a sequência era fraquíssima, e ficou bem longe de honrar o original... De qualquer forma, o Cinema festivo de Carvana continuou a gerar filmes muito divertidos, como O
Homem Nu, Apolônio Brasil e A Casa da Mãe Joana. O que me incomoda, entretanto, é que
aquela essência malandra parece ter-se perdido com a morte daquele Cinema nosso, de antes da
Era Collor, e do próprio malandro em si... Ou, como perfeitamente vaticinou o
amigo Chico Buarque, já na década de 70, que "aquela
tal malandragem não existe mais"! Ah, e falando em Chico, uma das
poucas coisas bacanas da insossa sequência do clássico primeiro filme de
Carvana foi aquele "enterro" do personagem Dino: em mais um golpe do saudoso personagem, o compositor faz uma participação pra lá de especial,
"caracterizado" como Julinho da Adelaide (pseudônimo que o
cantor/compositor realmente usou nalgumas composições, como Acorda, Amor, visando burlar os censores setentistas
da Ditadura), surgindo dentre os amigos do "finado" e cantando o clássico
tema de mais de 40 anos atrás: " Parte tranquilo, ó irmão,/ Descansa na paz de Deus"... E assim creio que se foi o companheiro Carvana, como o Dino de Vai Trabalhar Vagabundo 2, que acompanhava, muito vivo, seu próprio enterro, rindo-se da vida que deixou pra trás, porque "sorrindo se chega mais fácil ao meio do inferno"... "Vamos acordar, minha gente!": com suas metáforas políticas, Hugo Carvana, assim como eu, sempre defendeu uma arte libertária e que luta pelo social – e "eu não sou doido... Ou sou?"...
2 comentários:
Tambem fiquei triste com a morte de Hugo Carvana. Alem de ator dos bons, era uma pessoa bacana. Ha anos atras teve um tumor no pulmão, ou varios, abraçou o Espiritismo, fez cirurgias num centro e divulgou, dando alento a gente com muito problema parecido, que foi se curar la.Essa fé em algo maior , inexplicavel mas que cura, é muito importante. Talvez ele não tenha curado de todo, mas com certeza, pelo tempo que foi( mais de 10 anos) ele teve uma boa anistia dos de la de cima, e aproveitou ainda um tanto da vida. QUe pelo que parecia, sabia aproveitar. Um abraço Batman.
Cam
Fiquei pirado nesse texto... Que coisa louca, eu não sabia dessa faceta de Carvana. Um cara de múltiplos talentos então, deixou um legado incrível fora as atuações em telenovelas. Meu caro, esse é um espaço que me deixa, sem dúvida, um pouco mais inteligente, ou menos burro. rsrsrsrs.
Sempre uma grata surpresa, não sei porque esse blog não está vinculado a nenhuma outra grande mídia de entretenimento e cultura, deveria.
Grande abraço e obrigado!
Cristiano
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