quarta-feira, 22 de setembro de 2010

"Desde que o samba é samba é assim..."


"Porque o samba nasceu lá na Bahia/ E se hoje ele é branco na poesia/ Se hoje ele é branco na poesia/ Ele é negro demais no coração"... Assim o "Branco mais preto do Brasil", o "Poeta e Diplomata" Vinícius de Moraes, fortemente influenciado pelo "feitiço baiano" dos afrossambas (samba misturado a músicas e termos de candomblé numa profícua fase iniciada em parceria com Baden Powell, em 1966, e esticada como influência artística pelo resto de sua vida), definiria a origem do samba no clássico samba-homenagem Samba da Bênção (1965). Assim, o mais completo ritmo musical do mundo era devidamente batizado como baiano!

Entretanto, muito antes do clássico de Vinícius e Baden, lá pelos idos de 1955, quando o Imortal Nelson Pereira dos Santos anunciava para o mundo seu neorealismo tropical (e, por isso mesmo, muito mais gostoso - vindo a gerar algumas outras amargas, porém geniais, crias, como Vidas Secas, de Glauber Rocha) com o "filme nº 1 do Cinema Novo" Rio 40º, a clássica A Voz do Morro, do mestre Zé Ketti, anunciava para o mundo, por sua vez, uma outra versão de "naturalidade" do samba: o menino não era baiano coisa nenhuma; era carioca da gema! "Eu sou o samba/ Sou natural daqui do Rio de Janeiro/ Sou eu quem levo a alegria/ Para milhões de corações brasileiros"... Assim decretava Zé Ketti! E ponto final! Até aparecer Vinícius com aquela origem baiana dez anos depois...

O chato é que nenhum dos dois "pais" do moleque está mais entre nós para dar a sua versão geográfica do nascimento: queria o velho Poetinha homenagear seu "segundo lar" à época, evocando eventuais origens históricas nacionais (afinal, o Brasil começou na Bahia...)? Ou estava mesmo certo o portelense cheio de opinião Zé ao dizer que o samba era mesmo da terra de Noel, gênio maior do gênero? Não saberia dizer... O certo é que, se houve até paulista gênio nessa área, como o mais-que-bom sujeito Adoniran Barbosa nascido há cem anos nas terras sepulcrais de São Paulo (como bem atestou o "túmulo do samba" de Caetano) e qualquer grande artista deste Brasilzão de meu Deus já soube dizer no pé - como o também saudoso Antonio Vieira, maranhense e sambista de marca maior -, parece que querer saber o local de nascimento do Samba é tão tolo quanto dizer que ele morreu... Por isso, parece que não há nada mais sensato do que finalizar tal discussão sem fim com uma legítima Voz do Morro, Paulinho da Viola, o "Príncipe do Samba": "Há muito tempo eu escuto esse papo furado dizendo que o samba acabou,/ Só se foi quando o dia clareou"...


'Post' dedicado a Claude Lelouch, gênio que me ensinou a gostar de Cinema francês - afinal, ele e Vinícius, pai do Samba da Bênção ao lado de Baden, protagonizaram um episódio cadencialmente curioso, muito bem narrado por Arnaldo Agrias Huss:

" Em 1964, Vinícius estava em seus estertores diplomáticos em Paris (seria cassado pouco depois) a serviço da UNESCO. Na capital francesa conheceu o produtor cinematográfico Pierre Barouh, a quem vendeu o argumento de um filme chamado ‘ARRASTÃO’, que “no fim saiu uma porcaria”. Mais tarde, no Brasil, Pierre pediu a Vinícius e Baden uma gravação do ‘SAMBA DA BÊNÇÃO’, que levou para a França. Pouco depois (1966), Vinícius foi convidado a participar do júri do Festival de Cannes.

“Era o ano de lançamento do filme ‘UM HOMEM, UMA MULHER’, que foi exibido no Festival. Quando da apresentação, eu ouvi nossa música e levei um susto. Fiquei contentíssimo, é claro”, disse Vinícius.

Mas nem Vinícius, nem Baden apareciam como autores. Os créditos falavam em ‘música de Francis Lai e palavras de Pierre Barouh’, com a música sendo chamada de ‘Samba Saravah’. E a explicação do produtor Barouh era meio estranha:

— “Ah, você sabe, na versão do disco já saiu o seu nome...”
— “Isso, aqui na França, mas e no resto do mundo? Depois vão pensar que o samba é seu... E o meu parceiro, como é que fica?”, argumentou Vinícius.

Depois dessa conversa, o diplomata acabou indo ver o diretor do filme, Claude Lelouch, que lhe respondeu:

— “Olha, velho, se eu for fazer um corte no filme para incluir o teu nome e o do teu parceiro, vai custar uns 160.000 francos”.
— “Azar seu! Você vai botar senão eu vou te processar”.

E assim o nome da dupla brasileira passou a figurar no filme (embora, ao que parece, não em todas as cópias)."
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20 comentários:

Érica on 23 de setembro de 2010 às 10:12 disse...

Eu não sei se o samba nasceu na bahia ou se projetou no RJ, não sei quem deu inicio, nem quem misturou as cadências, porém desconheço algum ritmo melhor.

Aprendendo aqui.

Beijos

Batom e poesias on 23 de setembro de 2010 às 10:24 disse...

Dizem por aí que o pai mesmo é Donga, com seu "Pelo telefone".

Não ligo muito para a paternidade, já que o filho é bom demais.
"O bom samba é uma forma de oração..."

Ótimo post.
bjcas
Rossana

Lulu on the sky on 23 de setembro de 2010 às 15:12 disse...

Samba é a cara do Brasil. Big Beijos

Игорь on 23 de setembro de 2010 às 19:32 disse...

Interessante a história dos 160 .000 francos .

Tá . O que estou a pensar não se publica . Sugere-se.

Ótimo post

Abraços Dilberto !

Lu_MCordeiro on 24 de setembro de 2010 às 03:17 disse...

Queriam ficar com a nossa música,esses gringos.Aliás,se eles pudessem roubavam o país inteiro. Felizmente nosso poetinha se rebelou.Interessante essa sua informação,Dil,eu não sabia.O samba do Baden e Vinícios tem um rítmo diferente que me lembra a Bossa Nova.O próprio Samba da Bênção tem essa batida.Ótima,por sinal.
Excelente post.Vir aqui é sempre uma aula gostosa de se ler.
bjs grandes.E a Morceguinha? Mto fofucha? Bjocas nela!!!

Francisco Sobreira on 24 de setembro de 2010 às 17:15 disse...

Estou com você, Dilberto: é tolice quere descobrir onde o samba nasceu. E veja só: dois grandes sambistas, como Ataulfo Alves e Geraldo Pereira (autor de Falsa Baiana) eram mineiros radicados no Rio. Agora, meu caro, você se enganou de Claude (risos). Quem morreu foi o Chabrol, o Lelouch continua vivo. Um grande abraço.

Jota Effe Esse on 24 de setembro de 2010 às 17:47 disse...

Eu sei onde o samba nasceu: No coração de todos os brasileiros de todas as cores. Meu abraço.

Dilberto L. Rosa on 24 de setembro de 2010 às 18:43 disse...

É verdade, caríssimo Sobreira: retificação feita e obrigado!

Ricardo disse...

Oi Dil,

Cheguei atrasado no seu retorno a este espaço singelo e precioso, dedicado a belas prosas e poesias. E nada melhor do que falar de um ritmo universal e brasileiro: O samba. Seja onde for que ele nasceu, ele já conquistou o mundo. O maior de todos os ritmos brasileiros!

Adriana B. disse...

Este espaço é maravilhoso, sempre poético, inspirador. Leio todos os posts, mesmo que meus comentários sejam raros por aqui. Vou tentar ser mais presente. abraços

P.S. meu endereço namoradadaspalavras.blogspot.com

Canto da Boca on 24 de setembro de 2010 às 23:23 disse...

O "Semba" nasceu lá na África, depois veio passear no Brasil e ganhou esses sotaques.

Eu gosto tanto dos Afrosambas, que tenho-os em duas versões, a do Baden, e uma em que a Monica Salmaso canta majestosamente, acompanhada pelo violão impecável do Paulo Bellinatti. Sem falar é claro, nas canções que consegui com o Vinícius!

Abração!

Claudinha ੴ on 25 de setembro de 2010 às 18:22 disse...

Olá Dilberto!
Ah samba é samba e há tantos nomes. E tem samba mineiro, tem samba paulista e muiiito samba carioca mesmo. Falo deste samba que está na alma. Se nasceu na Bahia, não sei, sei que nasceu do ritmo e acuidade musical dos africanos. Somos apenas herdeiros de toda esta maravilha e Vinícius? Ahhhhh, os poetas que me perdoem, mas Vinícius é fundamental...
Gostei da pose deles por lutarem por seus direitos. Uma coisa linda de Vinícius é que ele vivia o que escrevia. Mudava de amores como se muda de roupa, mas vivia cada um intensamente.
Beijo procê!

Lulu on the sky on 25 de setembro de 2010 às 18:46 disse...

Dilberto, postei a sua música hj.
Big Beijos

Ilaine on 26 de setembro de 2010 às 09:12 disse...

O samba que nos identifica, que nos une, que nos caracteriza, que é único. O ritmo nosso, só nosso que, constantemente, balança no coração. Brasilidade! Beijo

Renato Couto on 26 de setembro de 2010 às 11:31 disse...

É preciso estar atento e forte!Abraços!

Marcelo on 26 de setembro de 2010 às 14:03 disse...

O samba não tem dono ele adquire caracteristicas diversas por onde passa foi assim com o Zé, foi assim com Vinicius e Baden, é assim com Paulinhom com o monobloco, com H do Samba, com Adoniran Barbosa, com Alcione, Dona Ivone, Velha Guarda da Portela e na Vila Isabel de Martinho...acho que Vinicius assume o candomblé pro pais ou revela - o e dai vem o ensaio de Verger para a Manchete em 1970, e dai vem Glauber...até a Axé Music e a Techomacumba de Rita Ribeiro.....ah adoro o cinema frances...eu o vejo como a primeira mordida da maça....ensaio pro beijo...não há como querer evitar que aquele suco não lembre uma saliva e aquela textura uma boca....

gde abraço!

Amiga do Cafa on 27 de setembro de 2010 às 20:59 disse...

Dil,
delícia de post.
O samba fez parte da minha vida durante muitos anos.
Trabalhei fazendo cobertura de samba, indo nos barracões...e cobrindo os desfiles da Sapucaí.
Meu último ano foi em 2006.
Adorei a história.
E ainda moro bem do ladinho da terra de NOEL ...delícia !!
Primeiro samba não foi " Pelo Telefone" ....bom ! Muito bom !
Goste !
bj

MARCOS DHOTTA on 27 de setembro de 2010 às 23:35 disse...

... Se o Samba nasceu na Bahia, no Rio ou em Jacarepaguá, eu não sei. Só sei que: "Quem não gosta de samba, bom sujeito não é.
É ruim da cabeça ou doente do pé". No mais, nós "adapita" visse... He,he,he... Desta vez entrei, comentei e adorei o post. Té mais!!!

Ruby on 28 de setembro de 2010 às 21:20 disse...

Que te mandar um e-mail. Como?

J Araújo on 4 de outubro de 2010 às 22:24 disse...

Dilberto passei por aqui e achei seu blog muito interessante. Com referencia ao post esse aí deu muitas alegrias a adultos e crianças.

abraço

 

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