sábado, 9 de novembro de 2019

"Nem que seja só
Pra dizer adeus..."



Mudanças são sempre difíceis... E se afastar de algo que se construiu (e com o que se deixou ser construído) ao longo de tantos anos torna tudo ainda mais complicado... Pouco importa se a tecnologia passa a chamá-lo de anacrônico ou ultrapassado! Pouco se lhe dá se a sociedade já se mostra lindamente toda produzida, na esquina, esperando um flerte com seus mais novos produtos do mercado videofônico...

O problema todo é a perecibilidade da vida: tudo se acaba (?)... E, com a tecnologia de áudio e vídeo, os últimos 20 anos se mostraram cruelmente ainda mais avassaladores em termos de duras mudanças: de repente ("não mais que de repente"), de nada adiantava correr para limpar cabeçotes de (aparelhos de) videocassetes (VCR) das sujeiras deixadas pelos lastros magnéticos das "fitas de vídeo" (os videocassetes em si, na verdade) e seus mofos, poeiras e gorduras - assim como já se dava com os disquetes de computador: a leitura digital já era uma realidade desde que os LPs começaram a ser chamados de "bolachões" pelos desenxabidos e menores CDs (que a tudo compactavam, inclusive o próprio som!)...

Não haveria como impedir aquele avanço para a área das imagens... E houve mesmo uma autodestruição programada de aparelhos aparentemente feitos cada vez mais precários a fim de irem se consumindo e se mostrando antiquados diante dos novos e reluzentes DVDs! Assim foi com minha coleção de vídeos, apodrecendo aos poucos diante da quebra de dois aparelhos de videocassete seguidos: sem uso, o "mofo deu" em tudo... "Joga isso fora!", "Ninguém mais usa 'fita'!", "Compra um aparelho de DVD!" eram o que pulava das ferinas línguas do tempo digital - e de alguns parentes e amigos - e caíam diretamente na minha fustigada mente de inquietude...

"Tudo bem, vocês venceram - mas o que eu faço com... elas?"! Minhas crianças, meus filhos, minhas companhias de tantos momentos de solidão (sim, havia alguns títulos pornô-eróticos em minha coleção...): adoráveis e amadas "fitas TDK" (algumas Basf também) repletas de filmes e programas televisivos gravados em EP (rendia mais horas de gravações numa só fita de 2h!)... Somavam-se superproduções compradas (e amealhadas de forma não tão legal...) nas bancas e nas Americanas da vida... Havia coleções estimadas (Charles Chaplin) e filmes estrangeiros (O Marido da Cabeleireira)... Sem esquecer as fitas K-7, também já mofando desde que o antigo "Stereo Gradiente 3 em 1" de papai pifou de vez - e o modismo de se comercializar somente o toca-disco em modernas caixas de som ainda não existia...

Era, em suma, a pergunta que não queria calar: o que fazer com tudo isso - assim como com os "dois videocassetes novinhos que pifaram!" (e, no fundo, ainda acho que dá pra consertar logo, logo...)?! Encaixote-se... Guarde-se, por tempo indeterminado, suas paixões desde os 12 anos do início da adolescência, seus amores da juventude (e seus casinhos dentro desse interregno)... "Um dia", "quem sabe", eu poderei, mesmo já tendo me entregado ao DVD ("Ei, a imagem é melhor mesmo! E tem extras! Disseram que nunca risca nem mofa..."), daqui a alguns anos, mandar consertar tudo - a tecnologia não estava invadindo tudo justamente pra isso, pra aperfeiçoar? Eu finalmente arrumaria aqueles aparelhos "velhos" e poderia revivê-los ao lado dos "novos" numa vida de eterna paz e felicidade congelada no tempo...

Todos sabemos que nada disso viria a acontecer: as caixas de LPs, fitas K-7 e videocassetes (afora os aparelhos, em duas caixonas em separado) já começavam a se amontoar no quarto de solteiro da casa da minha mãe (para o seu desespero) e terminaram de ser devidamente acumulados no "quarto da bagunça" da vida recém-casada (para desespero da mulher, das visitas que aconselharam que delas me desfizesse lá atrás - incluindo minha mãe!). E, no dia-a-dia, livremente me utilizava de aparelhos de DVD, toca-CDs e respectivos home-theaters, além de então modernos discos e pen-drives repletos de filmes e músicas digitalmente compactadas e desfrutadas até mesmo no carro... Mas, sei lá... Eles estavam ali, no quarto colado ao meu - e, de vez em quando, eu adorava pegar uma faringite aguda ao manuseá-los pelo simples prazer de, mesmo sem botá-los pra rodar, eu me achar ali, em meio a tantas recordações...

Até que a minha primogênita anunciou sua chegada. E a bagunça viraria "quarto da criança". E as caixas teriam que ser eliminadas... Ou juntadas a outras caixas de "bagulhos mais úteis" que, em breve, seguiriam para algum cômodo esquecido da casa de alguém próximo. E se escolheram as casas da minha sogra (alguém nada próximo...) e da querida Zezé e para lá fomos: eu lhes dei um breve "até logo", nem olhei muito. Sabia que, muito em breve, eu recuperaria tudo. Só questão de tempo: minha pequena Isabela adoraria saber que, ao lado do moderno, existiam histórias e mais histórias com aquelas fitas e aparelhos ressuscitados! Só que, depois da chegada dos gêmeos, tais contos memoráveis cada vez mais caíam no esquecimento...

Nem sei dizer a quantas anda qualquer caixa de VCRs largadas pela casa de Zezé, uma desleixada prima do meu pai - que, por sua vez, valeu-se do mesmo expediente e por lá deixou caixas contendo seus estimados LPs para quando reouvesse seu antigo Gradiente consertado ou quando comprasse nova vitrola: como não ocorreu nem um nem outro, soube recentemente que ele estaria uma arara com sua parenta diante do total descaso com tais caixas, largadas no fundo de um quintal mal coberto e com goteiras... Esse deve ter sido o mesmo destino dos aparelhos de videocassete... Mas enquanto papai diz "Não querer nem ver..." seus discos (na incrível contradição "Ela vai ver se alguma coisa acontecer aos meus LPs!"), eu quis me despedir das inúmeras caixas reconduzidas coercitivamente pela associação de minhas esposa e sogra, mancomunadas que estiveram, noutro dia, em entupir o largo porta-malas do meu carro com tudo que tinha por lá posto a reboque!

"Por mim, jogava tudo fora... Se fossem minhas coisas...", disseram as insensíveis, soube depois... Mas, como me foi dada a condescendente oportunidade de delas me despedir, "nem que seja só pra dizer adeus", como na bela e pungente canção de Edu Lobo e Torquato Neto, eu reterei essas caixas por alguns dias... Talvez meses... Claro que não por muito tempo: preciso do porta-malas... Os livros, talvez os guarde alguns, ou consiga encontrar alguém com o sonho de neles estudar outra vez (neles aprendi para os Vestibulares de Direito e Arquitetura)... As "fitas", quem sabe um artista que delas se utilize para algum painel de obra de arte...

Não deixo, um só dia, de redescobrir algo nalguma delas e de pensar o quanto gostaria de lhes dar um fim digno, uma vez que não posso guardá-las todas - nem haveria razão de fazê-lo, vez que eu me tornaria mero acumulador, não um colecionador... No fundo, cada um dos conteúdos dessas caixas eu posso conseguir em alta definição em qualquer TV, celular ou kindle - o que eu queria mesmo nem eram os filmes, as canções, os livros, mas como as editei, vi, ouvi, li e senti cada uma delas... E isso, jamais terei novamente...
 

+ voam pra cá

Web Pages referring to this page
Link to this page and get a link back!

Quem linkou

Twingly Blog Search http://osmorcegos.blogspot.com/ Search results for “http://osmorcegos.blogspot.com/”
eXTReMe Tracker
Clicky Web Analytics

VISITE TAMBÉM:

Os Diários do Papai

Em forma de pequenas crônicas, as dores e as delícias de ser um pai de um supertrio de crianças poderosas...

luzdeluma st Code is Copyright © 2009 FreshBrown is Designed by Simran