domingo, 24 de novembro de 2019

"Onde tua vista não alcança..."


Inalcançável


Tu, que agora me vês sorrindo, não sabes o menino 
por trás de tudo que passou...
Talvez agora, finalmente, 
meu sorriso seja real 
- não sente
os fardos
da foto que amarelou...
Que isso também te sirva de lição:
provação sempre foi banal
no astral de teu universo delicado.

Quantos foram os pecados cometidos
pelos sentidos tateados
para se chegar até aqui?

E essa ansiedade, essa angústia que não cessa
na messa de meus últimos fios desesperados
pode ocultar minha vontade
de ser feliz...
Pois na reinvenção 
das verdades de meu nariz
eu digo em alto e bom som:
quero o peito pleno em qualquer idade
e criar posteridade com algo bom
pra muito depois que eu me for!

E tu, como operária,
hás de organizar minha obra perdulária
noite e dia, 
a catar minha poesia
bagunçada pelo chão...?

Não, creio que não
- é sentimento demais!
Parece que só existo nalguma paixão
em que resisto ao tempo por trás
da etérea cristalização
da bela mulher
que jamais deveria envelhecer!

Sigo assim, diante do que nos resta
e do que me espera na próxima contradança...
Só nos fingimos crianças
e eu, engasgado,
permaneço
nas mãos com o bilhetinho amassado
aqui, do outro lado, na rua de trás, onde tua vista não alcança...

(Dilberto L. Rosa, 24 de novembro de 2019)

sexta-feira, 15 de novembro de 2019

Amizades de 25 anos...

- Ei, você não vai participar da reunião dos "amigos" de 1994?!

Noutro dia recebi mensagem pelo Telegram de um antigo amigo da escola - conheço-o desde a oitava série: já se vão 25 anos do término do nosso Ensino Médio, mais uma vez a turma da época quer se reunir ("Afinal, são 25 anos..."), e, pagando-se a bagatela de 100 reais, "se tem direito" a cerveja, refri, água e feijoada, e, de brinde, uma camiseta emulando nosso uniforme original... Minha resposta foi imediata e irrevogável (mesmo sob fortes protestos de "Tu 'é' fresco..."): "- Não vou, ó: abraços de 25 anos a todos"...

Longe de desconsiderar qualquer deles ou mesmo o sentimento retroalimentado (ou seria "retrô alimentado"?!) pela maioria que ainda curte tais revivals - ou que ainda não descobriu que redes sociais são mero celeiro para o hiperconsumismo (graças às vaidades virtuais: fiquei muito pouco e estou fora faz tempo!), nada disso. Somente já fui uma vez a um encontro deles e foi o suficiente: tive uma ideia de como todos envelheceram (alguns bem mais coxinhas que outros...), dei tapinhas nas costas (e nas barrigas) de todos e relembrei piadinhas com prazo de validade mais que vencido (homofobia, racismo e otros preconceitinhos mas)...

E só: não temos mais 17 anos faz um tempão, não suporto as milhares de fake news, bem como as muitas fotos amareladas de gentes que nem lembro de outras salas, divulgadas à exaustão em seus atuais grupos de "amigos do Whatsapp" e, nesse "breve" interregno entre a formatura e hoje, ganhei casamento, 3 filhos, quase 20 quilos e perdi dinheiro, cabelo e uma porção considerável de saúde, passando por tantas outras coisas sem a companhia de nenhum deles - a não ser breves encontros esporádicos, de no máximo 5 minutos, pelos shoppings e supermercados aqui e acolá...

Entre rugas, cabelos brancos e muito botox, um registro
recente em postagem de Rachel, digo, Jennifer Aniston.
Tal como, igualmente passados 25 anos de Friends, os atores que viveram Monica, Phoebe, Rachel, Chandler, Ross e Joey (amigos na vida real, mas não sei se com a mesma "frequência" que eu em relação aos meus), que também recusam a possibilidade de reencontro entre seus personagens - nem mesmo para um milionário especial televisivo: não cola mais... A décima temporada não me deixa mentir: depois de anos de inocência, imaturidade e vida em que amigos são uma família (pensamento da própria Martha Kauffman, uma das autoras), todos evoluíram, já se efetivaram (Ross que o diga), casaram-se (a maioria entre si!) e tiveram filhos (ainda que sejam trigêmeos do irmão)... Enfim, cresceram! 

E olha que arrastaram o que puderam, mas não adiantou: entre sumiços de personagens marcantes (como os pais de Monica e Ross) e cansativas ênfases nos amadurecimentos do sexteto (à exceção de Joey, que, como alívio cômico de tanto dramalhão, ficou ainda mais "retardado", sendo o menos desenvolvido do grupo), os últimos episódios da série deixaram bem clara uma coisa: aquela época, quando "não se ficava o tempo todo olhando os celulares, atualizando o perfil no Facebook e pessoas se reuniam numa cafeteria pra conversar" (no preciso dizer de Jennifer Aniston, a Rachel), decididamente, ficou para trás, acabando a alma que unia esse pessoal - e justificava o seriado

É só lembrar a velha canção de abertura e realizar uma boa catarse em relação ao que passou: I'll be there for you, cantavam os Rembrandts, no início dos anos 90, no famoso tema das "palminhas" - "Eu estarei lá por você", especialmente quando "seu emprego é uma piada, você está duro e sua vida amorosa morreu antes de começar"... E isso serve para todos, amantes ou não dessa série. Hoje, até dá para rever o que se foi - por meio de alguma foto digitalizada de nossa turma de adolescentes ou revendo os 236 episódios de Friends pela Netflix (coisa que terminei de fazer há cerca de um mês, coincidindo com suas bodas de prata); porém, mais do que isso, soa como forçar a barra para se manter uma essência que, inevitavelmente, não tem como ser revivida de outra forma...

E eu, depois das sérias desavenças pessoais sofridas em razão do tratamento dado ao meu caçula no mesmo colégio de "meus 25 anos", lá quero alguma roupa como recordação dessa escola?! Sem falar nos atualmente bolsonaristas de carteirinha que, há mais de duas décadas, eram só colegas de sala sem ideologia e que nos divertiam com tolas piadas de duplo sentido... E, por outro lado, será que esse povo hater de hoje, que já inventou inúmeros pseudofeminismos para atacar o segundo personagem mais legal da série (o primeiro era o Chandler!), Ross, vivido pelo esporádico David Schwimmer - pela rede, chamam-no de homofóbico e machista abusivo, quando, na verdade, entrou com a ex-esposa em seu casamento lésbico e aguentou inúmeras patifarias de sua idolatrada Rachel (que rompia e, em seguida, estragava cada novo relacionamento do cara)! -, estaria realmente preparado para um reencontro de tipos tão bacanas como o de Friends, este icônico seriado? 

Tenho minhas dúvidas... Sem esquecer que o inteligente bom humor para tratar de assuntos sérios - como a difícil relação de Chandler (Matthew Perry) com seu pai transformista - bem poderia ser confundida com piada preconceituosa e todo o show acabaria por ser boicotado pelos fashion youtubers atuais... Pois é, os tempos são outros - e graças a Deus: as milhões de novas idas e vindas pelas vidas de amados personagens bem como de cada um de nós fora dos filtros do Instagram ou dos reduzidos caracteres do Twiter agradecem! Senão, estaríamos até hoje sendo os mesmos meninos começando a vida, morrendo de medo dela, do próximo emprego ou de qualquer novo esforço ou tentativa de ser feliz... Ou será que ainda o somos?!
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Apesar dos gritantes erros de edição e de continuidade ao longo da série e das muitas tramas ruins ou arrastadas (especialmente as das últimas temporadas e aquelas que insistem nos flashbacks com cenas de outros episódios), Friends foi, sem dúvida, acima da média das sitcoms norte-americanas, com inúmeros episódios foram memoráveis...

sábado, 9 de novembro de 2019

"Nem que seja só
Pra dizer adeus..."



Mudanças são sempre difíceis... E se afastar de algo que se construiu (e com o que se deixou ser construído) ao longo de tantos anos torna tudo ainda mais complicado... Pouco importa se a tecnologia passa a chamá-lo de anacrônico ou ultrapassado! Pouco se lhe dá se a sociedade já se mostra lindamente toda produzida, na esquina, esperando um flerte com seus mais novos produtos do mercado videofônico...

O problema todo é a perecibilidade da vida: tudo se acaba (?)... E, com a tecnologia de áudio e vídeo, os últimos 20 anos se mostraram cruelmente ainda mais avassaladores em termos de duras mudanças: de repente ("não mais que de repente"), de nada adiantava correr para limpar cabeçotes de (aparelhos de) videocassetes (VCR) das sujeiras deixadas pelos lastros magnéticos das "fitas de vídeo" (os videocassetes em si, na verdade) e seus mofos, poeiras e gorduras - assim como já se dava com os disquetes de computador: a leitura digital já era uma realidade desde que os LPs começaram a ser chamados de "bolachões" pelos desenxabidos e menores CDs (que a tudo compactavam, inclusive o próprio som!)...

Não haveria como impedir aquele avanço para a área das imagens... E houve mesmo uma autodestruição programada de aparelhos aparentemente feitos cada vez mais precários a fim de irem se consumindo e se mostrando antiquados diante dos novos e reluzentes DVDs! Assim foi com minha coleção de vídeos, apodrecendo aos poucos diante da quebra de dois aparelhos de videocassete seguidos: sem uso, o "mofo deu" em tudo... "Joga isso fora!", "Ninguém mais usa 'fita'!", "Compra um aparelho de DVD!" eram o que pulava das ferinas línguas do tempo digital - e de alguns parentes e amigos - e caíam diretamente na minha fustigada mente de inquietude...

"Tudo bem, vocês venceram - mas o que eu faço com... elas?"! Minhas crianças, meus filhos, minhas companhias de tantos momentos de solidão (sim, havia alguns títulos pornô-eróticos em minha coleção...): adoráveis e amadas "fitas TDK" (algumas Basf também) repletas de filmes e programas televisivos gravados em EP (rendia mais horas de gravações numa só fita de 2h!)... Somavam-se superproduções compradas (e amealhadas de forma não tão legal...) nas bancas e nas Americanas da vida... Havia coleções estimadas (Charles Chaplin) e filmes estrangeiros (O Marido da Cabeleireira)... Sem esquecer as fitas K-7, também já mofando desde que o antigo "Stereo Gradiente 3 em 1" de papai pifou de vez - e o modismo de se comercializar somente o toca-disco em modernas caixas de som ainda não existia...

Era, em suma, a pergunta que não queria calar: o que fazer com tudo isso - assim como com os "dois videocassetes novinhos que pifaram!" (e, no fundo, ainda acho que dá pra consertar logo, logo...)?! Encaixote-se... Guarde-se, por tempo indeterminado, suas paixões desde os 12 anos do início da adolescência, seus amores da juventude (e seus casinhos dentro desse interregno)... "Um dia", "quem sabe", eu poderei, mesmo já tendo me entregado ao DVD ("Ei, a imagem é melhor mesmo! E tem extras! Disseram que nunca risca nem mofa..."), daqui a alguns anos, mandar consertar tudo - a tecnologia não estava invadindo tudo justamente pra isso, pra aperfeiçoar? Eu finalmente arrumaria aqueles aparelhos "velhos" e poderia revivê-los ao lado dos "novos" numa vida de eterna paz e felicidade congelada no tempo...

Todos sabemos que nada disso viria a acontecer: as caixas de LPs, fitas K-7 e videocassetes (afora os aparelhos, em duas caixonas em separado) já começavam a se amontoar no quarto de solteiro da casa da minha mãe (para o seu desespero) e terminaram de ser devidamente acumulados no "quarto da bagunça" da vida recém-casada (para desespero da mulher, das visitas que aconselharam que delas me desfizesse lá atrás - incluindo minha mãe!). E, no dia-a-dia, livremente me utilizava de aparelhos de DVD, toca-CDs e respectivos home-theaters, além de então modernos discos e pen-drives repletos de filmes e músicas digitalmente compactadas e desfrutadas até mesmo no carro... Mas, sei lá... Eles estavam ali, no quarto colado ao meu - e, de vez em quando, eu adorava pegar uma faringite aguda ao manuseá-los pelo simples prazer de, mesmo sem botá-los pra rodar, eu me achar ali, em meio a tantas recordações...

Até que a minha primogênita anunciou sua chegada. E a bagunça viraria "quarto da criança". E as caixas teriam que ser eliminadas... Ou juntadas a outras caixas de "bagulhos mais úteis" que, em breve, seguiriam para algum cômodo esquecido da casa de alguém próximo. E se escolheram as casas da minha sogra (alguém nada próximo...) e da querida Zezé e para lá fomos: eu lhes dei um breve "até logo", nem olhei muito. Sabia que, muito em breve, eu recuperaria tudo. Só questão de tempo: minha pequena Isabela adoraria saber que, ao lado do moderno, existiam histórias e mais histórias com aquelas fitas e aparelhos ressuscitados! Só que, depois da chegada dos gêmeos, tais contos memoráveis cada vez mais caíam no esquecimento...

Nem sei dizer a quantas anda qualquer caixa de VCRs largadas pela casa de Zezé, uma desleixada prima do meu pai - que, por sua vez, valeu-se do mesmo expediente e por lá deixou caixas contendo seus estimados LPs para quando reouvesse seu antigo Gradiente consertado ou quando comprasse nova vitrola: como não ocorreu nem um nem outro, soube recentemente que ele estaria uma arara com sua parenta diante do total descaso com tais caixas, largadas no fundo de um quintal mal coberto e com goteiras... Esse deve ter sido o mesmo destino dos aparelhos de videocassete... Mas enquanto papai diz "Não querer nem ver..." seus discos (na incrível contradição "Ela vai ver se alguma coisa acontecer aos meus LPs!"), eu quis me despedir das inúmeras caixas reconduzidas coercitivamente pela associação de minhas esposa e sogra, mancomunadas que estiveram, noutro dia, em entupir o largo porta-malas do meu carro com tudo que tinha por lá posto a reboque!

"Por mim, jogava tudo fora... Se fossem minhas coisas...", disseram as insensíveis, soube depois... Mas, como me foi dada a condescendente oportunidade de delas me despedir, "nem que seja só pra dizer adeus", como na bela e pungente canção de Edu Lobo e Torquato Neto, eu reterei essas caixas por alguns dias... Talvez meses... Claro que não por muito tempo: preciso do porta-malas... Os livros, talvez os guarde alguns, ou consiga encontrar alguém com o sonho de neles estudar outra vez (neles aprendi para os Vestibulares de Direito e Arquitetura)... As "fitas", quem sabe um artista que delas se utilize para algum painel de obra de arte...

Não deixo, um só dia, de redescobrir algo nalguma delas e de pensar o quanto gostaria de lhes dar um fim digno, uma vez que não posso guardá-las todas - nem haveria razão de fazê-lo, vez que eu me tornaria mero acumulador, não um colecionador... No fundo, cada um dos conteúdos dessas caixas eu posso conseguir em alta definição em qualquer TV, celular ou kindle - o que eu queria mesmo nem eram os filmes, as canções, os livros, mas como as editei, vi, ouvi, li e senti cada uma delas... E isso, jamais terei novamente...
 

+ voam pra cá

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