Muitos eram os galhos por sobre os primeiros raios
de sol – acabaram nunca tendo sido podados...
– Hoje é dia 24...
Silêncio na pequena sala de jantar. Ele continuou:
– Mas nesse dia 24, em particular, não sei
realmente se temos algo a comemorar... Tantos os segredos e as mentiras, tantos 24 que nos escaparam...
Como o silêncio persistisse e ele seguisse sem dar
sinais do que exatamente esperava ouvir naquela situação esdrúxula, manteve o
tom pesaroso:
– O amor é algo que não desaparece; ele
simplesmente não deixa de existir! E uma parte de mim, senão eu todo, permanece
em nossos antigos dias 24, no nosso tempo puro... Ainda que, até hoje, eu jamais tenha entendido
direito o que aconteceu para que perdêssemos essa essência tão cara de nós
dois... Por que você fugiu de nós dois...
Definitivamente sabendo que o silêncio permaneceria
sem qualquer resposta, ele, enfim, fez uma pausa... Respirou fundo e seguiu
falando, com mais firmeza:
– Tudo o que eu mais queria, neste momento, é que
você abrisse o peito e essa boca e me dissesse alguma coisa, em nome de todos
os dias que tornamos especiais nessa nossa vida! Que você estendesse suas
mãos pequenas e me desse um grande relicário cheio de significados, como esta
caneta aqui em minhas mãos, por exemplo: tanto que eu assinei com ela e me registrei de alguma forma que, mesmo já quase
sem tinta, compõe esse mosaico de coisas abandonadas, mas que jamais perderão
seu valor original, porque sempre fomos assim, cheios de simbologias vivas um
para com o outro!
A janela se abriu lentamente e iluminou bem a
mesinha abaixo, onde faziam suas refeições e conversavam sobre tudo cada
segundo que lhes era permitido. Foi o vento...
Voltando-se para os objetos por sobre a mesa, ele
percebeu que o peso de papel em forma de globo estava quase caindo da beira do
móvel, aquele mesmo globo que ele estranhou quando dela recebeu justamente porque,
aparentemente, nada continha de simbolismo para nenhum dos dois além de uns
corais e uns golfinhos que pareciam brilhar no escuro (pelo menos era o que ela
afirmava...). Ato contínuo, colocou-o protegidamente mais próximo do centro e
do lado dela na mesa, quase colado aos intocados pires e caneca e talheres, que
pareciam congelados no tempo, ainda a esperar incólumes pelo calor de um café
da manhã.
– Mas é inútil: eu sei que tu não vais falar
nada... Desististe de tudo... Especialmente de nós dois...
Por fim, já com a voz embargada, levantou-se da
cadeira à mesa vazia onde estava desde o princípio, com uma amarelada folha de
papel à mão direita, já sendo amassada com a angústia que começava a irromper,
socou levemente o ar com a outra mão, enquanto, inadvertidamente, soltou o
papel ao chão, que, ao cair, abriu-se e revelou não só cada palavra entoada
por ele até então, à exatidão e sem consulta, como também suas linhas antigas, escritas com aquela mesma caneta citada, encerravam-se com o último
dizer repetido agora em voz alta e em meio a um longo suspiro:
– E como eu sei que amor não morre, nem
desaparece, nem se converte em nada mais que dor rasgada de saudade... estarei
sempre aqui te esperando...
E, nesse uníssono já quase sem força entre a toada daquela
carta e aquele tempo perdidos, diante da ausência dela que nada mais podia lhe
dizer, ele também se retira da cena: mesa, montada do jeito que costumava ser
entre eles, naquela cozinha com ares de depreciação por abandono em um
apartamento que sentiu cada um dos passos de ambos numa vida que se descobriu a
partir do que os dois juntos construíram. Se ela o abandonou por medo ou por
morte, não se sabe: nem a carta nem os lábios secos e exaustos dele disseram...
A única coisa que ainda pode ser narrada é que, agora, naquele imóvel inteiramente vazio, a janela vai se fechando lentamente, terminando de
guardar e mergulhar, de uma vez, aquele lugar e suas memórias escritas e
decoradas de cor na total escuridão – deve ter sido o vento...
0 comentários:
Postar um comentário