segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Amendoins!


Olhando em retrospecto, percebe-se o quão politicamente incorreto era a animação Snoopy: um garoto azarado e cabeçudo é motivo constante de chacotas e bullying na escola; sofre assédio moral nas mãos de uma menina autoritária e preconceituosa; só se dá mal com a garotinha dos seus sonhos, com quem nunca consegue falar, mas desperta o interesse de uma menina "diferente" e com trejeitos masculinos; e só consegue ter como amigos um cachorro humanizado que só falta falar - e, por isso mesmo, por várias vezes demonstra total indiferença ao "dono" - e um menino inteligente, porém limitado a uma fixação pelo cobertor... Isso sem falar que os meninos vivem independentes, aparentemente num "mundo sem adultos", uma vez que estes, praticamente, jamais aparecem, somente se ouvindo, aqui e ali, suas "vozes" ininteligíveis (sons de trombones: conflito de gerações)! Pois é... Acontece que esses desenhos animados não foram necessariamente feitos para crianças!

Criação de Charles Schulz, que escreveu e desenhou esses personagens em forma de tiras para jornais, de 1950 até 2000 (ano da sua morte e do consequente fim das tirinhas: desde então, só relançamentos), quase nada tinha de infantil a turminha dos Peanuts - por aqui mais conhecido como "Snoopy" ou "A Turma do Charlie Brown" (no Brasil, o título original "Amendoins" foi alterado e reduzido à invencionice de mudar para "Mindoim" o "Charles" como a Patty Pimentinha chamava Charlie Brown nos EUA)! Afinal, apesar de todos serem crianças, muito do humor da série advinha justamente do fato de vermos meninos e meninas filosofando sobre a vida e compartilhando neuras, ansiedades e angústias melancólicas típicas de adultos - não à toa, a durona Lucy mantinha um pequeno "consultório psiquiátrico", tal como uma inocente venda de limonada, para ouvir os dilemas dos coleguinhas! E, com o imenso sucesso dos Quadrinhos, os produtores Lee Mendehlson e Bill Mellández (este, também animador, viria a fazer as "vozes" do Snoopy e do Woodstock) levaram a "Turma do Minduim" para a TV na década de 60, costurando várias séries de tirinhas em episódios ou especiais de cerca de meia hora (daí o tom de coletânea que aqueles filminhos aparentavam). E assim, com muito jazz, Beethoven (por causa do pianista Schroeder) e piadas muitas vezes incompreensíveis para a gurizada, surgia um clássico...

Não é de espantar, pois, minha imensa curiosidade ao levar minha filha de quase 6 anos ao cinema nesse finalzinho de férias para ver Snoopy & Charlie Brown - Peanuts, O Filme (título desnecessariamente gigantesco graças à confusão com o antigo título original): como o filme funcionaria ao entregar personagens com um viés tão adulto para uma companhia de animação tradicionalmente voltada para o público infantil (BlueSky, a mesma dos bonitinhos Rio e A Era do Gelo)? E a minha pequena: conseguiria acompanhar o ritmo? Tudo bem, já há algum tempo a minha Isabela assiste a uma versão francesa exibida durantes os intervalos do canal Discovery Kids, que readaptou a turma do famoso beagle para a TV em formato similar ao clássico (piadas de tirinhas costuradas), só que em episódios bem curtinhos (cerca de 5 minutos cada) - e até entende grande parte do sarcástico humor: a "voz" de trombone dos adultos, por exemplo, ela simplesmente adora! Mas daí a prender a atenção de uma criança num longa de quase uma hora e meia parecia muito cansativo por causa do até então usado formato de curtas piadinhas amarradas...

Só que não: respeitosamente tratada por Craig e Bryan Schulz, filho e neto, respectivamente, do cartunista, juntamente ao diretor Steve Martino (de A Era do Gelo IV e Horton e O Mundo dos Quem), algumas piadinhas seguem presentes aqui e acolá, mas uma história maior, unindo tudo, foi desenvolvida e, apesar de um pouco fraca e infantilizada, acabou se mostrando muito bem adaptada para o atual mundo infantil, sem deixar de respeitar por um instante sequer o legado dos personagens, tanto nas HQs como nas antigas animações! E, assim, o azarado Charlie Brown e seus suspirantes Que puxa! diante das provocações dos colegas continua, mas, no lugar do pesado bullying de antes, ele consegue ter um inusitado momento de sucesso e popularidade bem maior do que de costume; a diabólica Lucy não deixou de ser intratável (continue na sala assistindo, durante os créditos finais do longa, que a eternamente divertida sequência do "segurar a bola de futebol americano" também foi lembrada), porém já passa a ter seus momentos de bom senso; Snoopy segue (Joe) cool e humanamente independente ao lado do seu fiel escudeiro Woodstock, mas se mostra muito mais amigo e companheiro do seu cabeçudo dono...

Apesar dos vacilos na insistência de uma história paralela em longas sequências a homenagear o Ás da Aviação (Snoopy em cima de sua casinha, fantasiando um Romance de Guerra a perseguir o famoso Barão Vermelho pelos céus da França), no fato de acabar com um dos grandes segredos da série e mostrar a Garotinha Ruiva desde o começo (famosa por jamais vermos o seu rosto, ela bem que poderia ser "revelada" somente no final...) e na fraca dublagem brasileira do garoto Charlie Brown (no SBT, o saudoso Marcelo Gastaldi, mesmo dublador do Chaves, e Selton Melo, na segunda versão da Globo, são insuperáveis), o novo longa em nada descaracterizou os adorados personagens (como se deu, com o passar do tempo, com outros personagens que se infantilizaram por completo, como o Garfield) - pelo contrário: sempre puxando pela memória dos mais velhos, tradicionais elementos do passado, por várias vezes, são trazidos à tona!

Por isso, ao longo de Peanuts - O Filme, pululam sorrisos largos nos rostos dos papais que tiveram as infâncias marcadas pelas tirinhas ou pelos desenhos da TV, embevecidos ao reconhecerem referências à Grande Abóbora, aos jogos de beisebol, às patinações no gelo... Até os divertidos grunhidos e as risadas marcantes de Woodstock e Snoopy foram reprisados (voz do falecido animador e produtor Meléndez é creditada no final) - sem esquecer da relevância do grande Vince Guaraldi e suas composições cheias de jazz e swing no passado, responsáveis pela "cara musical" da primeira adaptação animada e que agora abrem o longa, revivendo algumas daquelas sequências já eternizadas - como aquela adorável dança de O Natal de Charlie Brown (uma coreografia para cada um: vídeo ao lado)... Nostalgia pura!

Claro que, para agradar a impaciente criançada atual e fazer dinheiro (é uma indústria pesada essa do cinema norte-americano, Charlie Brown...), concessões foram feitas - como o abandono da animação tradicional pela computadorizada em 3D, tendência atual e moderninha... Mas, nem nesse caso, o gostinho original dos clássicos foi abandonado, uma vez que os personagens possuem ritmo e texturas quase idênticas aos filminhos dos anos 60 e 70! Por essa e por outras que, em meio a lançamentos pífios e muito mais infantilizados, como o tolinho lançamento de luxo da atualmente de criatividade oscilante Pixar (a mesma do inteligente e ótimo Divertidamente), O Bom Dinossauro - que nem à minha pequena agradou! - e a outros que foram "redescobertos" e só relançados recentemente em várias salas graças ao bendito Oscar, caso do brasileiro e lindamente poético, porém mais direcionado ao público adulto, O Menino e O Mundo - curiosamente, desse ela gostou mais... -, finalmente dá pra levar a criançada ao cinema e, de quebra, divertir-se bastante junto! Tanto que dá vontade de sair da sala imitando aquela famosa dancinha do adorável beagle malhado... Ou, melhor ainda, viver uma versão adulta de qualquer daqueles adoráveis tipos numa real "Escola de Dança do Charlie Brown" (delicioso vídeo de humor abaixo)!

 

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