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Esta boca barbuda e envelhecida bem poderia ser a minha... |
Acho que era para me despedir: última postagem, no dia do aniversário do blogue (que foi ontem), fechar portas e janelas de um lugar há tanto abandonado: os Morcegos, por alguma razão, não querem mais conversar... No entanto, pareço sempre ter uma eternidade (e além...) de coisas pra dizer! O Oscar, por exemplo, aconteceu no último domingo e, à exceção de uns poucos anos de ausência, sempre comentei sobre as premiações e os indicados vistos por aqui. Neste ano, porém, mesmo tendo assistido a todos os concorrentes a "Melhor Filme" (além de vários participantes de outras categorias), nem sei por onde começar qualquer linha de qualquer crítica de qualquer análise de qualquer arte...
Logo eu, que venho lutando com o esteio da enunciação e do diálogo... Hoje é um daqueles dias em que se precisa dizer algo, mas, talvez mesmo por isso, fica difícil cobrir toda uma era da vida, qual seja a deste espaço virtual de vida plural, ativa e artisticamente literária. Ou, pior ainda, dizer algo para se despedir em seguida: como abordar a ideia de um legado, quando, no fundo, não se queria parar... Nem morrer, tampouco se despedir...
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E o vilão é... Orson Welles?! Mank: faltou emoção e... Justiça! |
Mas com a vista cansada de tanta coisa finalmente vista, e com o corpo exaurido de tantas batalhas vãs, só consigo me lembrar de uma das cenas iniciais de Cidadão Kane (1941), com a boca de Orson Welles (melhor dizendo, Charles Forster Kane) a sussurrar, em close, a longínqua e afetiva palavra Rosebud diante de uma vida inteira no fim... O que me remonta ao recentemente oscarizado Mank, realizado 80 anos depois daquele clássico (com técnicas de edição, fotografia e som a emular o original): o filme aborda o período em que o lendário roteirista Herman J. Mankiewicz (co)escreveu (com Welles?), em meio a problemas com a consciência, o álcool e as apostas, o roteiro original de Cidadão Kane (curiosamente, o único Oscar deste clássico absoluto, enquanto Mank levou 2: Fotografia e Direção de Arte). A arte imitando a vida, com o futuro repetindo o passado: definitivamente, tudo está interligado... E me pego, mais uma vez, falando de Cinema e do Oscar!
Pois falemos de Oscar: se o belo tecnicismo de Mank não me cativou, confesso ter sido fisgado pelo escapismo de Nomadland (3 Oscars) e Druk - Mais uma rodada (1 Oscar), respectivamente o Melhor Filme e o Melhor Filme Internacional da noite: a nômade solitária a perambular pelos EUA na sua van depois da perda do amado e do emprego, bem como o time de professores dinamarqueses a fugir da crise dos 40 anos com grandes doses diárias de bebida alcóolica. Infelizmente, no mais, outros premiados seguiram me frustrando, como as falsas promessas Bela Vingança (Oscar de Roteiro Original), badalado mais pela atualidade do tema feminista que pelo resultado forçado na tela, Minari (Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante), decepcionante história burocrática de uma família coreana nos EUA dos anos 80 e o fraco Judas e O Messias Negro (Oscars de Ator Coadjuvante e Canção Original), pouco impactante para o rico tema do Partido dos Panteras Negras.
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O assombro capitalista diante da estupidez da moda do cancelamento pareceu forçar a Academia a indicar mais filmes políticos ou de temática negra – o que não foi garantia de qualidade... |
Tal qual o sentimento de coisa perdida nesse tempo de coisas ruins, perda de tempo diante da tela não me faltou, como nos casos de Os 7 de Chicago, simplório filme de tribunal em torno das ondas de protesto por direitos civis nos EUA dos anos 70, e Uma Noite em Miami, supervalorizado libelo ficcional à consciência negra, porém perdidamente fraco e teatral que nem consegui terminar de ver – ambos indicados em categorias diversas, mas sem prêmios no final das contas. Assim como os esvaziados documentários Uma Canção para Latasha (Netflix) e Time (Amazon Prime), que também merecidamente saíram de mãos vazias – o sensacionalista e sentimentaloide Professor Polvo acabou levando como Melhor Documentário.
Mas, como diria Renato Russo, nem tudo foi tempo perdido: dentre as premiações, salvaram-se os política e poeticamente duros e inteligentes Dois Estranhos (Oscar de Melhor Curta-Metragem), Collette (Melhor Documentário em Curta-Metragem) e Se algo acontecer, eu te amo (Oscar de Melhor Curta-Metragem de Animação) – sem esquecer o entretenimento teatral consciente e bem amarrado de A Voz Suprema do Blues (Oscar de Melhor Figurino e Melhor Cabelo e Maquiagem, que, porém, perdeu a oportunidade de premiar a melhor performance feminina do ano, a Mama Blues de Viola Davis).
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Um idoso perdido a ouvir velhos discos e tentando encontrar-se no tempo... Lembrei-me de certo romance inacabado...
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Mas dentre tantos títulos em "disputa" assistidos, somente três realmente me arrebataram como lindos exemplos de Cinema com letra maiúscula, aproveitando meu precioso tempo com arte e atividade. Porque Arte (assim como a vida) jamais pode ser algo passivo, ainda mais em tempos tão difíceis: assim, se se pode dizer que houve um "Melhor Filme" em 2020 (lembrando o querido Sabadin: "competição no mundo artístico é uma simplificação patética"), este foi Meu Pai, belíssimo trabalho que marca na memória a dolorosa jornada de perdição humana pelo Mal de Alzheimer: da composição dos cenários à edição, da adaptação do roteiro (originalmente uma peça, porém magistralmente incorporado à tela, rendendo um justo Oscar de Melhor Roteiro Adaptado) ao elenco excepcional, com destaque para um "novo Hopkins velho" (Oscar de Melhor Ator, despido da maioria dos costumeiros maneirismos) e as sutilezas de uma sempre boa Olivia Colman, uma obra perfeita!
Em segundo lugar, a beleza surda e sufocante, porém transformadora, de O Som do Silêncio: a também intimista história de um ex-viciado baterista de trash metal que, do dia para a noite, vê sua vida se perder completamente por causa de uma repentina surdez quase total, e é obrigado a se adaptar aos duros aprendizados, é daqueles filmes que marcam – especialmente ao conseguir o que Mank não soube apresentar: a façanha de aliar o melhor da técnica (merecidos Oscars de Melhor Som e Melhor Edição) à emoção de transpor o expectador a uma imersão na surdez e na consequente angústia do protagonista, a se achar sem amor... É correr para o Amazon Prime e assistir, fingindo-se estar numa antiga sessão do Cine Praia Grande!
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Não era a sua hora de partir... Nem a hora de a "22" nascer... Melhor descobrir um jeito de ajudar almas atormentadas... |
Por fim, mas nada menos importante (até porque simplesmente amo esse subgênero), chegamos à nossa terceira colocação pessoal de melhor filme, destacando-se que assisti, com meus filhos, a todos os 5 indicados à Melhor Animação ainda no ano passado: se a bobagem multicolorida e cheia de irritantes canções de A Caminho da Lua decepcionou, o infantilmente divertido Shaun, O Carneiro - O Filme: A Fazenda Contra-Ataca, cheio de referências a clássicos como E.T. e Contatos Imediatos do Terceiro Grau fez bonito (ambos pela
Netflix); o belo e ambientalista Wolfwalkers estabeleceu um novo padrão de animação ao misturar belas técnicas com lendas medievais; e a Disney acabou surpreendendo com seu bacaninha Dois Irmãos, espécie de conto familiar mesclado com RPG repleto de elfos e seres mágicos num mundo cotidiano. Mas a Casa do Mickey surpreenderia ainda mais ao lançar, diretamente em seu streaming, o melhor, e mais do que merecido Oscar de Melhor Animação:
sem dúvida o mais adulto filme da Pixar, Soul combina, à perfeição, o jazz autêntico a uma bela jornada existencialista para crianças – simplesmente, imperdível ver o primeiro protagonista negro das grandes animações 3D hollywoodianas a explicar o que é viver (e morrer) ao lado da Melhor Trilha Sonora (segundo prêmio desta pequena obra-prima que tanto agradou meu filho)...
E era isso o que eu tinha pra falar do Oscar: decididamente, Cinema sempre foi uma das marcas dos Morcegos e acabou sendo sua última temática... Mas, no tema original do cabeçalho do blogue, constava "MORCEGOS: Cinema, Música, Literatura e Artes em Geral", posteriormente encurtado numa das muitas atualizações aqui no Blogspot... Assim, para considerar como "encerrado", ainda se haveria de fazer um post final sobre Música, sobre Literatura – tanto minha como dos grandes nomes aqui já homenageados... E, a se considerar a categoria reticente das "Artes em Geral", de se imaginarem ainda várias postagens derradeiras acerca de outras linhas aqui já demarcadas, como Quadrinhos, Artes Plásticas e até Política... Como (e quando) acabar, então?
Não sei... Tudo o que sei é que nada soube e ainda fui perdendo o conhecimento ao longo do caminho... E, mesmo sem saber direito o que dizer inicialmente, sempre sai muito sentimento falado pela ponta dos dedos! Mas, se é para terminar, o que dizer de um mês que encerra tanta coisa ruim como o abril de ontem, mas, ao mesmo tempo, reforça e revive tantos aniversários
– à beira de novos aniversários a surgir neste mês que inicia hoje... E pensar que, no ano passado, sequer foi publicado o
post especial de 16 anos de blogue naquele horrível abril... Difícil demais dizer adeus: ainda mais quando, parece que ainda havia tanto a se dizer... Sobre Cinema, os Morcegos, que já falaram de Fellini a Tarantino, bem mereciam um belo
Oscar pelo "conjunto da obra" de todos esses 17 anos de múltiplas vertentes e emoções dedicadas à Arte e à Vida. Mas desisto: este é mesmo o último
post, season finale,
the end: espero que a jornada tenha valido a pena! Boa noite: o último morcego a sair, por favor, apague as luzes e feche as cortinas...
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Morcegos: Oscars de Melhor Blogue, Melhor Jornada e Melhor Dedicação a Tantas Artes Ressignificadas... |