sexta-feira, 31 de maio de 2019

"Quantos livros você já leu?"

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Os primeiros livros a gente nunca esquece: à esquerda, minha primeira empreitada solo pelas letras, aos 6 anos;
e 2 dos 4 pequenos contos das Princesas, em que Beloca começou a ouvir (decorar e ler) suas primeiras histórias.

Sim, a pergunta do título me foi feita desta forma - não diretamente, mas por intermédio do livro de Matemática (!) da minha primogênita, que precisava entrevistar um parente para completar a questão. Lutei para ver, nalgum exercício anterior, se havia alguma limitação temporal: se se tratava do último mês ou era sobre este semestre letivo ou bimestre em que estamos (ela estuda por meio de apostilas bimestrais). Nada, era assim mesmo, difuso: coisa da vida inteira!

Caramba... Não tenho noção. Nem ando lendo mais, especialmente diante dos problemas de vista que, ainda adiados na compra dos óculos, impedem que eu mantenha minha leitura à noite, período em que gozo de mais tempo. Mas já li muito... Desde obras "obrigatórias" nos tempos de colégio, passando pelos livros em Inglês dos cursinhos, os doutrinários/científicos da universidade, os romances, os manuais enciclopédicos, as biografias, aqueles sobre Quadrinhos, Cinema, Fotografia ou Artes Plásticas (menos textos e mais ilustrações)...

Comecei lembrando os meus primeiros passos, desde um pouco mais novo que ela até a sua atual idade, ocasião em que me maravilhava com O Passarinho Tuc-Tuc (o primeiro de todos, de Paula Saldanha, que li quando do seu lançamento, em 1984, aos 6 anos, na biblioteca do colégio), e outros pequenos e grandes clássicos, como Aconteceu em Surupanga, Aventuras da Ponte Rio-Niterói, O Menino do Dedo-Verde, O Pequeno Príncipe, O Médico e O Monstro, Série Para gostar de ler... Livros que me marcariam o leitor (e escritor) que me tornaria com os anos vindouros...

Então recorri a estimativas estatísticas: 4 a 6 paradidáticos por ano desde a segunda série até o segundo ano do Ensino Médio (9 anos), passando pelo terceirão, quando tal leva aumentaria um pouquinho, por causa das leituras para o Vestibular (aumento de 4 para cada faculdade pleiteada, a Estadual e a Federal); uns 3 livros em Inglês por semestre, na época do ICBEU (4 anos); pelo menos 5 didáticos lidos de capa a capa, por semestre, na faculdade (5 anos), afora os paradidáticos (3 a 5 por semestre); mais a média de uns 5 letivos semestrais na carreira do magistério (quase 10 anos), uns 8 a 10 livros por ano desde os 25 (17 anos), mais alguns esporádicos desde a adolescência (uns 10 livros), mais os 20 tomos da Biblioteca dos Escoteiros-Mirins da tenra infância - sem contar os vários das coleções de pinturas aqui do escritório de casa (uns 25)...

Uns 250 livros, sem dúvida. Bom, sem contar as obras fora das curvas estatísticas: os inúmeros livros virtuais já lidos, coletâneas de artigos e monografias lidos a exaustão, os manuais e as pequenas enciclopédias lidos por inteiro... Essa conta subiria fácil para algo em torno dos 450 ou 500. Nada de mais, número somente razoável diante da infinidade de obras sobre os mais variados assuntos... Mas uma soma razoável.

Sendo que a mesma pergunta também fora feita para ela na dita questão, minha querida menina de 8 anos - que acabou se encabulando diante das minhas estimativas de mais de duas centenas de títulos e, por isso, disse que não lera "quase nada"... - Como assim, meu Amor Lindo? Vejamos aqui no escritório e no seu quarto e apuremos quantos seriam esse "quase nada" que você diz ter lido!... E qual não foi a nossa boa surpresa ao descobrir que, num levantamento inicial com o que encontramos facilmente, ela chegou a, aproximadamente, 50 livros!

E aí me ocorreu uma coisa: estamos na Era Virtual, das listas, dos registros dinâmicos na palma da mão... E eu tenho um blog, já repleto de listas dos mais variados matizes! Então, um pouquinho atrasado, eis que, neste 'post', teremos a primeira parte da lista de todos os livros lidos pela minha doce Isabela - bem como, posteriormente, também os discos, filmes em DVD e BD... E, para uma leitora em processo de descoberta (ainda sorvendo as nuances de reter o que lê...) e começando a deixar para trás as obras com mais gravuras do que parágrafos (os incontáveis livrinhos da Barbie, Peppa, turma da Disney etc.), até que ela tem começado bem!

E, nesta data especial em que a Minha Rainha (título merecido, trazido à tona graças ao sucesso absoluto de Frozen nesta casa) completa 9 anos, reúno aqui sua primeira lista - envolvendo parte de todos os livros que já leu em sua existência, incluindo os títulos que já reúne em sua pequena biblioteca, alguns que já não existem mais, bem como os que vem pegando emprestados no colégio - os adequados, é claro (aquela nefasta e desorganizada biblioteca chegou a lhe ofertar alguns livros "adolescentes")!

Sem esquecer tudo que ela ainda lerá - como o conto que lhe escrevi em sua tenra idade de 2 anos (que lhe continua inédito), Uma Livre Bruxinha no Mundo das Flores, e, para além de toda a herança de minha biblioteca, todo o universo de centenas e centenas de textos em que dedilho minhas impressões cronistas sobre seu universo, bem como os de seus irmãos gêmeos - o blog Diários do Papai, onde sou o SuperPai e eles, os SuperFilhos, em quase 9 anos de publicações (nascido no mesmo ano de sua vinda ao mundo)! Afora, é claro, este humilde espaço virtual, em que, ela querendo, pode ser um belo dum passatempo para algumas razoáveis leituras dos rabiscos do que o seu velho pai ruminou um dia...

E assim, só posso desejar-lhe todo um futuro de felicidade e de muita liberdade pelas paginas dos milhares de livros que lerá a mais que eu em sua tão viva e fértil imaginação de menina sonhadora, porém lógica e precisa em cada arguta observação: feliz aniversário, Pretinha, Beloca linda (sendo que a festa literária continua aqui, com uma divertida crônica narrada em diálogos entre uma filha ansiosa e o seu esforçado e companheiro papai)!
OS LIVROS DE BELOCA
Parte I: 60 livros
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Primeira coleção que lhe comprei, aos 2 anos: livros pop-up em que os personagens de Maurício de Sousa recriam as principais lendas do folclore brasileiro. Hoje, Isabela lê esses livrinhos para seus irmãos. 
Primeiros livros (antes de alfabetizada)
Coleção Brincando de Folclore (Maurício de Sousa)
1. Saci - 2. Curupira - 3. Cuca - 4. Iara - 5. Lobisomem - 6. Boitatá - 7. Choro do Ipê - 8. A Mandioca - 9. Cobra Honorato - 10. O Surgimento da Noite - 11. Como Surgiram Os Bichos - 12. Bicho-Homem - 13. Diamantes - 14. Iemanjá - 15. Mula sem Cabeça - 16. Bumba Meu Boi - 17. Mãe de Ouro - 18. São João - 19. Boto Rosa - 20. Peixe Elétrico - 21. Mapinguari - 22. Negro d'Água - 23. Peixe Elétrico - 24. A Loira do Banheiro - 25. Onça Maneta - 26. O Milho - 27. Vitória-Régia - 28. Festa no Céu - 29. Como surgiram os Vaga-Lumes - 30. Jurutauí - 31. Erva-Mate
Coleção Minhas Princesas Queridas (Disney)
32. Uma Surpresa para Bela - 33. O Resgate de Ariel - 34. Uma Visita Real - 35. Presente de Casamento
Coleção Bichim - Ziraldo
36. Como ir ao mundo da Lua - 37. Cada um mora onde pode - 38. As flores da primavera - 39. As cores e os dias da semana
40. A Casa do Mickey - A Turma em Ação (Disney - livro com projetor)
Primeiros livros lidos
41. Chapeuzinho Amarelo - Chico Buarque
42. Os Saltimbancos - Chico Buarque
Livros paradidáticos da escola
43. Ética de Pais para Filhos - Ian James Corlett
44. O Carteiro Chegou - Janet e Allan Ahlberg
45. Um Mundo de Crianças - Ana Busch e Caio Vilela
46. Álbum de Família - Lino de Albergaria
47. Fábulas de Esopo - Beverly Naidoo
48. A Montanha das 18 Virtudes - Paulo e Lauro Raful
49. A esperança é uma menina que vende frutas - Amrita Das
50. Um Bairro Encantado - Rosana Rios
51. A Prosa do Mundo - Caio Fernando Abreu e outros
(Alguns) livros emprestados da biblioteca escola
52. A Princesinha Frances Hodgson Burnett
53. O Skatista e A Ribeirinha - Encontro da Cidade com A Floresta Amazônica - Ricardo Dreguer
54. Viagem ao mundo dos micróbios - Samuel Murgel Branco
55. Florinha e A Fotossíntese Samuel Murgel Branco
56. Do Campo à Mesa: O Caminhos dos Alimentos - Teddy Chu
57. Catirina e A Piscina - Gláucia de Souza
58. Cores da Amazônia - Cesar Obeid
59. Ana Pijama No País do Pensamento - Jô Duarte
60. Malala, A menina que queria ir para a escola - Adriana Carranca
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O favorito da vez, com boas introduções sobre as duras histórias reais das pequenas heroínas da vida...

sábado, 25 de maio de 2019

Acredito que o conto de ontem possa ser refeito...

Como que ainda maravilhado por recentes reprises de O Fabuloso Destino de Amélie Poulain e Antes do Amanhecer, ou ainda por me encontrar naquele torpor fantasioso e quase operístico típico dos que vivem mais um aniversário, devo ter sido influenciado por um tom mais dramático e novelístico para ter escrito Acredito que ontem seja algo que se possa deixar para trás da forma como escrevi... E assim, o que era pra ser o encerramento de uma trilogia sobre o amargo e o doce dos encontros e desencontros da vida - iniciado por um conto pra mim tão marcante como Amanhã é outro dia e seguido, recentemente, por um ainda inspirado Será hoje à noite, mistura de "honrosa continuação" com conto independente -, acabou pesando somente no açúcar! E, apesar de linda e simbolicamente poético em seu pomposo título, achei que o conto apresentou-se pretensioso demais no tal encontro dos soturnos personagens, o que em nada me agradou no resultado final...

O certo é que ambos os protagonistas daqueles contos de duras ansiedades sobre o incerto da vida jamais deveriam ter nomes, nem muitas características pessoais detalhadas e expostas, muito menos se encontrarem - pelo menos não daquele jeito... Porém, em respeito à postagem feita - a obra foi escrita e lançada na rede no último dia 13 de maio; não penso me caber matá-la -, decidi mantê-la, mas com a chance de recriá-la numa espécie de director's cut, e contá-la de outra forma, com os matizes que considero mais certos e dignos em relação aos rumos que acredito serem peculiares a(os) conto(s) original(ais). Falo assim porque, se o incauto leitor de plantão preferir, o novo conto pode ser considerado uma "continuação" somente do primeiro, Amanhã é outro dia... -, mantendo-se o Será hoje à noite como uma história-homenagem paralela, uma prequel, o que poderiam ter sido as horas anteriores daquela "menina voadora sem asas"...

Desta forma, segue o conto final da(s) história(s) anterior(es) - da forma como acredito deveria ter sido escrito ab initio...

Ontem, Hoje, Amanhã

Morando sozinho naquele flat, ele até podia ser artista, na alma ou nalguma modalidade em que não fracassara antes, mas não tinha certeza de nada, especialmente depois de largar sua última faculdade, como desejara o pai, tão rigoroso quanto bonachão. Detestando computadores e os recentes celulares, conservava alguns pequenos prazeres escapistas e anacrônicos, como escrever pensamentos fugidios na máquina de escrever ou limpar suas miniaturas de chumbo com uma flanela macia – como se todo o lugar já não fosse uma grande peça de decoração e, ele mesmo, um item de colecionador do ocaso.

Normalmente, mantinha-se em forma, com exercícios pela orla do bairro onde morava. Hoje, ele não sentia vontade: acordou tarde e assim permaneceria, fitando o teto, até quase meio-dia. Não pegaria o carro para ir tomar café ou almoçar. Não ouviria seus LPs de jazz no som ambiente, espalhado pela casa em sistema embutido. Nem reuniria suas apostilas para concurso em vãs tentativas isoladas de se concentrar para um independente futuro que lhe fizesse orgulho pra alguém. Tampouco vasculharia com a vista por algo lógico, dentro ou fora do apartamento, como sempre fazia ao dormir e ao despertar.

Sentia-se pesado, como se a noite anterior lhe dissesse algo – que tanto poderia ser uma pequena ressaca daquele vinho de safra ruim como algo mal resolvido em sua consciência. Quase ao meio-dia, levantou-se, finalmente, mas de maneira lenta e pesarosa: arrastou-se até o banheiro, urinou e se pegou por uns minutos vendo-se no espelho, o que não fazia havia semanas. Desligou o abajur francês, abriu um lado da cortina com blackout, ligou o televisor importado de plasma e um plantão de notícias de última hora gritou-lhe que uma jovem salvara-se milagrosamente depois de cair de uma sacada de um prédio em seu bairro, durante uma festa, na noite anterior.

"- Agora eu posso ver...", sussurrou ele. Talvez buscasse o torpor libertário da jovem em vestido de festa que vira na madrugada, antes de dormir. Talvez tentasse viver sem culpa. Talvez quisesse fazer o mesmo. De concreto e sabido, simplesmente se levantou de um salto, arrumou-se com o que catou e, em menos de 5 minutos, encontrava-se pronto para sair, sem carteira, cartões ou chave do carro, no entanto.

Saindo, poderia ir ao seu encontro, conhecê-la, e conhecer... Por que naquela festa? Entender o que lhe deu, se fora acidente, como escapara – se, no último instante, ela quis mesmo escapar... Uma coincidência, como árvores não podadas por algum motivo, havia lhe frustrado os planos (ou o acaso salvador)... Saber dos seus sufocamentos, se com a mãe, se com algo artístico reprimido por um afã mais “concreto” – ou ainda se ela lhe podia explicar como ser feliz. E ali, somente os dois, poderia lhe falar de si, no que deixara de crer, talvez ela lhe desse colo, talvez ela o acolhesse. Isso tudo se, naquele momento, não preferisse ele mesmo se jogar daquela alta sacada, tal como ela havia feito.

Ainda não era meio-dia, contudo o Centro fervia entre a vida e a morte acolá suspensas entre ruínas resignadas; na Ponta d'Areia, entre os clubões e as residências de bem, o sol já parecia querer se pôr... E assim era pelos tantos mundos do que sempre foi ilha nessa cidade sem sentido: um leve abalroamento fechava uma rua por quilômetros, um casal se deixava caricaturar no Reviver, uma festa se planejava, alguém chorava ao nascer e alguém precisava morrer. Porque o tempo perdeu de vez a razão de ser: e ele, como onisciente serpente lendária (que, se desperta, a tudo em volta é capaz de destruir), como que a tudo vendo em sua sacada, deixou sua varanda e saiu ansioso por encontrar aquela moça que sequer conhecia, ambas as ações inexplicáveis e repetidas vezes por horas a fio...

Por fim, parou, respirou fundo diante de tudo que acompanhava a se movimentar ao longe ou em sua imaginação... E sorriu. Para poder recomeçar. Afinal, acreditava que ontem fosse algo que se pudesse deixar para trás...

(Dilberto L. Rosa, 2019)

terça-feira, 21 de maio de 2019

Mascarados!

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Sutis diferenças...
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Fácil, fácil: bastava rabiscar um terno, um chapéu e
uns óculos por sobre uma foto do Super-Homem e voilá!
Cena de Superman II: Richard Donner's Cut
Quando Superman - O Filme foi lançado, em 1978, talvez um dos seus maiores desafios nem tenha sido fazer crer que um homem pudesse voar com seus efeitos visuais (vencedores do Oscar, alguns convincentes até hoje), mas, sim, carrear para a tela, com verossimilhança, a difícil tarefa de convencer que, somente com um par de óculos, ninguém conseguiria descobrir que Clark Kent e Super-Homem fossem a mesma pessoa! No entanto, por incrível que pareça, o diretor Richard Donner e sua equipe supercriativa conseguiram: além do talento inigualável do saudoso Christopher Reeve, que pesava na cadência tímida para o repórter (ombros arqueados) e estufava o peito altivo como o super-herói (sem vergonha alguma de andar de sunga vermelha por cima da calça), havia um recurso estilístico sutil, porém capaz de fazer a diferença - para Clark, camada extra de pó na face, reforçando a palidez, e o cabelo bem engomadinho na cabeça (quando não de chapéu) e dividido para a esquerda; para Kal-El, tez bem corada e cabelo com topete e dividido para o lado oposto (sem esquecer o cachinho)!

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Kar-El vê seu sangue escorrer pela primeira vez..
"- Você fez isso por mim?
- Não, fiz por nós dois...
"
Realmente difícil no caso do Super, uma vez que, para esconder sua identidade secreta - e proteger as pessoas que ama, manter sua privacidade preservada numa "vida normal" etc. -, ele não usava máscara como a maioria dos heróis mais famosos. No entanto, com o passar do tempo, toda essa estrutura privada do Azulão foi ficando defasada, especialmente com o que se sucedeu após o casamento de Clark Kent com Lois Lane e todos os seus desdobramentos, tanto nas HQs (com a intimidade, ficou comum ver a famosa repórter voando agarradinha com o Super) quanto no Cinema, nos recentes Homem de Aço e Batman vs. Superman, filmes em que a Lois de Amy Adams, para chamar seu super-herói ainda sem nome (vivido agora por Henry Cavil), saía gritando "Clark" pelas pacatas ruazinhas de Smallville na frente de todo mundo! Sem contar que, tempos depois, ela passaria a viver maritalmente com o sujeito em Metropolis - e que supervilão não se aproveitaria de tão ricas informações?! Bons e puros tempos os de Superman II (foto), em que, para poder "consumar humanamente" o seu amor pela senhorita Lane, o Super teve que se expor aos raios vermelhos do Sol de Krypton e perder seus poderes, seguindo unicamente como o "fraco" Kent...

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Máscara pequenina e precursora.
As máscaras, na realidade, jamais foram um salvo-conduto para tornar alguém irreconhecível: vide as do Robin e do Lanterna Verde, para citar dois exemplos daquele formatinho clássico, amarrado por trás da cabeça (e, hoje, praticamente "colada" no rosto) e em que só a linha dos olhos é coberta, de um dos primeiros mascarados da História, o Lone RangerCavaleiro Solitário (1933): como defender, nos Quadrinhos, que ninguém descobria que ali se encontravam Dick Grayson, o primeiro Menino Prodígio, e Hal Jordan, o primeiro Lanterna do Setor 2814?! Tudo bem que, nas revistinhas, eles deixavam os olhos cobertos por uma espécie de lente branca - e, nos filmes, havia o recurso de pintar em volta dos olhos do ator, tornando a pele uma continuação da máscara... Daí a forçar que ninguém mais próximo, como uma namorada ou um amigo, fosse reconhecer o sujeito ali fantasiado...

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Cowabunga: Raphael fica mesmo
irreconhecível com essa máscara...
Mas se ter uma vida dupla traria sérios problemas para Hal Jordan (que enlouqueceria e se tornaria até um vilão!), o mesmo não se pode afirmar sobre outro colega seu de Lanterna: o bem resolvido John Stewart, que, com suas marras rebeldes, escancarou numa boa sua identidade, nos anos 80, ignorando adereços protetores! Isso, no entanto, era exceção: predominavam os clássicos heróis que se escondiam muito bem. Descontando, é claro, os excessos de alguns que nasceram naquela época, e que, de tão bizarros e sem vida social porquanto sempre escondidos, jamais precisariam de máscaras - mesmo assim as usavam! Ou alguém aí convive com alguma tartaruga humanoide de um metro e oitenta e vive na dúvida se ela poderia ser uma Tartaruga Ninja na sua "identidade secreta"?!

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Wolverine em dois momentos: com e sem máscara!
No Cinema, Hugh Jackman jamais usou o adereço.
Até máscaras-capuzes, aquelas que envolvem quase todo o rosto e pescoço (só com a boca de fora), como as do Batman ou do Wolverine, podem ser questionáveis quanto à sua eficácia em termos secretos. Sobre este último, o mais que mundialmente famoso Logan entre vilões e heróis e em missões pelo mundo inteiro (e também fora dele), permanece uma pergunta que ainda não quer calar: pra que a máscara, mutante? E nem é só no caso dele, não: existe uma penca de super-heróis por aí que são mais do que conhecidos em suas identidades reais!

Tudo bem que gentes como Bruce Wayne, Oliver Queen ou Barry Allen (todos da DC) precisam manter suas ocupações sociais, seus trabalhos e seus interesses amorosos protegidos de exposições dessa natureza no mesmo estilo antigo, mas a maioria do pessoal da Marvel há tempos se atualizou, particularmente depois da fase Ultimate, e assumiu publicamente suas identidades: assim, o Capitão América é chamado abertamente de Steve Rogers em qualquer missão e na frente de qualquer soldado, especialmente depois das rebeldias de Guerra Civil (e, no Cinema, praticamente vivendo na S.H.I.E.L.D., no máximo precisaria usar aquele formato de máscara-capacete, em combate); o Homem de Ferro há muito já se revelou à Imprensa como sendo Tony Stark; o Rei de Wakanda, há muitas gerações, é sabido e notório ser também o Pantera Negra (que deve usar máscara só por estilo ou como "proteção tecnológica contra balas); e nenhum dos X-Men, grupo do qual o velho Carcaju já fez parte tantas vezes, apresenta maiores necessidades de subterfúgios no rosto, dado que são chamados pelos próprios nomes e tantas vezes já lutaram de cara limpa.

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A Capitã em ação!
Falando nos X-Men, que só vivem entre os seus, enclausurados na Mansão Xavier, há outra grande leva de heróis que igualmente não levam uma vida de dupla identidade - e, por isso, não precisariam de máscaras -, porquanto permanecem uniformizados eternamente: é o caso do finado Capitão Marvel (sim, aquele das polêmicas de registro de nome com a DC e o seu antigo "Capitão Marvel", hoje SHAZAM), que, pelo que me lembro, só apareceu "desmascarado" já prestes a morrer de câncer, até então sempre de uniforme multicolorido dos pés à cabeça (mesmo na hora de namorar!), apesar de todo o Universo saber que se tratava do antigo guerreiro Kree Mar-Vell (incluindo o Thanos)! Diferentemente de sua sucessora, a Capitã Marvel, que se vale de uma máscara-capacete quando no espaço ou em combate, valendo-se dela de forma tão funcional quanto um Darth Vader e sua necessidade de proteção e sobrevivência...

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Momento Coxinha: o Aranha se revela pra ficar do lado dos
heróis legalizados (e assalariados) pelo Governo  
Como diriam as boas e velhas Psicologia e Filosofia (hoje, aparentemente, linhas do Conhecimento ameaçadas e perseguidas por outros tipos de supervilões), todos nós, nalgum momento de insegurança, covardia ou de busca por aceitação social, já nos valemos de máscaras - e, com certeza, fomos "descobertos" por aqueles que nos amam e guardam conosco maior intimidade... Da mesma forma, com o passar do tempo, os roteiristas tanto das HQs quanto do Cinema parecem vir percebendo que, se uniformes multicoloridos ainda podem ser bacanas se "atualizados", o mesmo não se pode dizer do uso de máscaras, prática não muito realista em tempos de internet na palma da mão de uma criança já capaz de manejar fotos em aplicativos pelo celular e de descobrir que aquele super-herói é, na verdade, o seu vizinho (vide o hilário vídeo do comediante Jimmy Kimmel abaixo e sua fácil descoberta em segundos dos segredos dos "Melhores do Mundo)! E assim, se até o Homem-Aranha - que tinha que proteger sua doente tia May, seu amor MJ e se manter na faculdade longe dos ataques doentios de fake news de seu chefe J. J. Jameson - já se revelou, no arco Guerra Civil, como Peter Parker, parece que esse elemento tão próprio do universo quadrinístico está mesmo com os dias contados e prestes a se transformar em mero modismo ultrapassado!!


"Cena deletada" de Batman vs Superman? Claro que não - somente uma hilária paródia sobre o furado universo das identidades secretas bolada pelo comediante Jimmy Kimmel,

sábado, 18 de maio de 2019

Poema do Tempo Louco


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Eu inverno o teu verão
Tu, enchente em meu sertão
E assim nossas estações
Se complementam
De um jeito estranho:
Permeiam, vazam,
Aram e arrasam,
Devastam e alimentam
Até não se poder mais...

Nisso, tu choras e tu juras;
Eu grito, explodo e desabafo;
E, didaticamente, seguimos
A buscar lógica nas intempéries
De tamanho desgarrado
(Erosões de peito aberto
Tantos os nossos ais...):
Que o nosso mundo está virado
E o teu mais frio degredo
Queima a minha alma
No maior ardor das estatísticas
Que se pôde registrar.

Ai, esse nosso tempo louco...
Essa nossa avalanche de adeus,
Esse clima horrível
Que não cabe na escala:
Suspensão intercalada
De nossas bocas
E nossos corpos cansados,
Só poros a exigir
Nossa próxima chuva torrencial,
Nosso mais breve pôr-do-sol...

(Dilberto L. Rosa, 2009)

segunda-feira, 13 de maio de 2019

Ontem, Hoje e Amanhã...

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Pontes entre o passado e o presente...
Em 25 de fevereiro de 1993, eu e meus 15 anos nos sentamos na antessala da Biblioteca Pública Benedito Leite e esperamos pela minha (primeira) namorada, envolvidos que estávamos havia mais de ano... Como ela demorasse e eu estava ali de gazeteiro, aproveitando ser aquela ainda a primeira semana de aula - eu, à paisana, mas de mochila, para usar de desculpa em casa -, peguei um caderno da bolsa, mais precisamente o de Português, e me pus a elaborar o primeiro parágrafo de algo descritivo que me vinha à mente em razão dos grandes lustres coloniais e da arquitetura portentosa, em estilo neoclássico, do local. Deu tempo de eu criar uma história e terminar aquele que seria o meu primeiro conto (ou seria crônica?!), intitulá-la de forma pomposa, Amanhã é outro dia..., e, só então, Andréa chegou. Mostrei-lhe, ela ficou "impressionada" (palavras dela). E, depois de passearmos pela Gonçalves Dias e nos beijarmos bastante (eu tinha 15 anos...), subimos a Rua do Passeio até a escola. Dor na consciência de menino aplicado, não costumava faltar aula e precisava ver se havia acontecido algo importante... Ou só queria desfilar minha bela namorada mais velha (tinha ela 20 anos à época e muito se parecia com a gracinha da Débora Bloch) pelos meus colegas "imaturos"? O fato é que fiz as duas coisas e aquele, sem dúvida, era um dia especial pra mim, pois eu já escrevia e namorava feito "gente grande" - o que me reservaria o futuro...?

Recentemente, em meio às comemorações do décimo quinto aniversário deste humilde espaço virtual no mês passado, joguei aqui sem maiores apresentações um conto inédito, Será hoje à noite..., que fazia conexão com Amanhã é outro dia... e seria uma espécie de continuação do meu original - em que, em minha então tenra idade, contei sobre o tédio desconcertante de um jovem abastado em seu apartamento, com um narrador meio em 1ª, meio em 3ª pessoa, a descrever suas pesarosas e deprimentes sensações diante de cada coisa sofisticada do seu apartamento até perceber uma jovem se jogando da sacada de um prédio a alguns metros do seu e seu vazio existencial não lhe permitir esboçar muita reação que não fechar a janela e ir dormir (esse final, claro, trazia algumas pinceladas poéticas...). Já no novo conto, cujo tempo cronológico era o mesmo 25 de fevereiro de 1993 de quando foi escrito o primeiro (numa espécie de retcon, agora voltando à tarde do mesmo dia), acompanhávamos uma moça aparentemente tão perdida quanto o protagonista anterior, só que com diferentes angústias e anseios diante de um Centro Histórico de São Luís carcomido e sem Poesia (pelo menos pra ela), com descrições que novamente alternavam o posicionamento do narrador a demonstrar os conflitos da personagem, para, somente ao final, suspeitarmos que se tratava da mesma jovem que se jogaria do prédio na noite do conto original.

Hoje, 13 de maio de 2019, é meu aniversário - e me pesam sobremaneira os 42 anos de fugas, tropeços e coisas inconclusas e sem vontade que carrego com afinco nas costas... Bom, tive 3 filhos maravilhosos e, como se pode ver, escrevi um bocadinho mais que somente aqueles meus primeiros poema (Morcegos, de 1991) e conto de meus 14 pra 15 anos (agora são 15 anos só de blog) - mas ainda com tanto a criar, contar, ganhar e construir na vida... Então, num ataque de saudosismo, pensei: e se, continuando um pouco mais Amanhã é outro dia..., prosa que, de forma muito afetuosa, sempre fez parte de mim em essência, além de saber quem foi "ele" e quem foi "ela", eu também contasse o "dia seguinte" àquele que permeou as duas histórias? "Maravilha, uma trilogia!" - assim pensa qualquer sujeito barrigudo que se encantou, quando criança, com os primeiros três filmes de Guerra nas Estrelas (depois, 4.º, 5.º e 6.º de Star Wars...) ou com os três volumes de O Senhor dos Anéis na tenra juventude. De qualquer maneira, o mais gostoso de revisitar esses personagens e suas angústias, além de me sentir como um M. Night Shyamalan e sua improvável, porém deliciosa, trilogia Corpo Fechado, Fragmentado e Vidro (concluída também muitos anos depois do primeiro), foi poder fazer a ponte de encontro do garoto de outrora com o homem de hoje, com todos os acúmulos bons e ruins de minha História e de minha escrita entre uma narrativa e outra (inclusive cinematográficos, com a influência de filmes queridos, esses contos escritos num tom de quase prontos para serem filmados) - e poder contar tudo de forma única, como uma história só, porém, tal como se dá com os meus 3 filhos, deleitar-me com as filigranas extremamente diferentes de cada um dos três contos independentes...
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Acredito que ontem seja algo que se possa deixar para trás...

Seu nome era Gustavo Alencar, tinha 33 anos. Atualmente, vivia unicamente da renda de seus pais em meio a inúmeros projetos fracassados e cursos abandonados, morando sozinho num flat de luxo. Podia ser artista, na alma ou nalguma modalidade em que não fracassara antes, mas não tinha certeza de nada, especialmente depois de largar sua última faculdade, Direito, desejo de orgulho do pai desembargador, homem tão rigoroso quanto bonachão. Gustavo detestava computadores e o surgimento do celular (podia ser encontrado mais facilmente e era cobrado por isso). Gostava de muito mais coisas antigamente, mas conservava alguns pequenos prazeres escapistas (e de antigamente), como escrever pensamentos fugidios a caneta em guardanapos ou na máquina de escrever. Também amava limpar suas miniaturas de chumbo com uma flanela macia e comer ovos cozidos no "ponto perfeito" - clara macia e gema firme a princípio, estourando no primeiro contato da colher -, logo cedo, após voltar do seu habitual cooper. Normalmente se mantinha em forma, com exercícios pela orla da Ponta d'Areia onde morava; hoje, não sentia vontade...

Naquele dia, ele acordou tarde. Mesmo assim, permaneceria na cama por um tempo, fitando o teto. Não pegaria a Mercedes para ir tomar café ou almoçar. Não ouviria seus discos de jazz no som ambiente, espalhado pela casa num sistema embutido. Não reuniria suas apostilas para concurso nas vãs tentativas isoladas de se concentrar para um independente futuro que lhe desse mais sentido. Nem vasculharia com a vista por algo lógico, dentro ou fora do apartamento, como sempre fazia ao dormir e ao despertar. Sentia-se pesado, como se a noite anterior ainda lhe quisesse dizer algo. Às dez e meia em ponto (embora sem ciência de tal horário), levantou-se finalmente, mas de maneira lenta e pesarosa. Arrastou-se até o banheiro, urinou e se pegou por uns minutos vendo-se no espelho, o que não fazia havia semanas. Desligou o abajur francês, abriu um lado da cortina com blackout, ligou o televisor importado de plasma e um plantão de notícias de última hora gritou-lhe que uma jovem de 23 anos salvara-se milagrosamente depois de cair de uma sacada de um prédio em seu bairro, durante uma festa, na noite anterior.

Embora detestasse som alto, não correu para achar o controle remoto. Manteve-se atento, sentindo seu coração e arregalando os olhos diante das imagens daquele canal, que não diziam o nome da jovem, nem se fora queda acidental ou se se jogara, muito menos a hora do ocorrido - talvez já o tivessem feito, no começo da matéria que lhe escapara com o televisor desligado. Só deu pra ver uma foto em 3x4 fixada no vídeo por dois segundos, e, por fim, imagens de árvores frondosas, de copa muito alta e espessa, que passando bem acima do muro entre dois condomínios quase vizinhos ao seu - "Sei onde fica, é na outra rua...". Por fim, ao fundo, a voz do âncora dizia que a jovem passava bem, tendo sofrido somente arranhões e escoriações, permanecendo no Hospital da região. "- Agora eu posso ver...", sussurrou ele,  talvez ainda sentindo o torpor libertário da jovem em vestido de festa dos seus últimos minutos de acordado da madrugada ("- Era ela..."). Levantou-se de pronto, arrumou-se com o que catou e, em menos de 5 minutos, saiu correndo de casa, sem carteira, cartões ou chave do carro.

No dia anterior, enquanto Clara Luna tirava fotos no Centro Histórico, a alguns quarteirões de casa, decidiu-se por não esperar a carona da sua mãe após deparar-se com sua vida, a morte esculpida nas belas lápides de um cemitério e um convite de antigos colegas de classe via SMS. E, por causa desse convite, pareceu desistir de perceber-se... Tampouco viu as muitas ligações de horas antes, quando sua mãe se desesperava no trânsito, o que justificaria o atraso: Dona Francisca Souza e Silva, sempre tão intransigente, tão soberba e tão perfeita em sua classe média classista, costumava apavorar-se ao volante e desde às 15 horas se encontrava a aguardar a perícia criminal da PM na Avenida dos Holandeses: batera seu Ford Fiesta recém-saído de fábrica na mais do que recauchutada motocicleta de Gilson dos Anjos, jardineiro de caráter ilibado, que jamais faltara a um serviço, porém desleixado para com seu único veículo, no qual não realizava qualquer revisão havia anos. Sendo assim, os galhos daquelas árvores que até briga judicial entre os dois condomínios já gerara permaneceria a esperar sua "menina-voadora sem asas" no final daquela noite... E, enquanto toda a cena se desenrolava e todo motorista que passasse gerava ainda mais tráfego para ver cada detalhe do acidente, Carla Moraes passando em sentido contrário, viu a "Tia Francisquinha" agoniada e sozinha ao celular, no meio da confusão da avenida, e se lembrou da antiga colega Clara dos tempos de menina e de escola, de quem havia tantos anos praticamente nem se lembrava mais...

Agora, de volta ao poder sobre seu protetorado, diante do leito no hospital, a mãe vociferava críticas às fraquezas da filha, pouco importando os incômodos físicos ou a alma partida da jovem, que então acordava com as asperezas maternas. A aludida vergonha da mãe diante dos parentes e amigos e o que seria da filha e de seu futuro eram a voz alta e nervosa da soberana e o silêncio envergonhado da menina - que quase nada se lembrava da noite anterior a não ser ter aceito o convite de última hora, a vontade frustrada por não rever uma pessoa, o desejo de morrer com o passado em sua cara e a completa embriaguez posterior. Lembrava-se dos galhos, da sirena da ambulância e agora completava o que lhe faltava com as intermináveis reconstituições narrativas da mãe, sozinha com ela naquele quarto frio de manhã nublada. Não sabia se tivera coragem ou se caíra de bêbada, mas uma coisa era certa: apesar do desnorteamento, agravado com o materno tom imoderado, algo de si morrera naquela madrugada e aquela manhã era outro dia - só restava saber enterrar os despojos da vida anterior que ainda a sufocavam...

De repente, mal surgia uma constrangida enfermeira entreabrindo a porta do quarto, quando ele irrompeu logo atrás - era Gustavo, parado em frente à Clara, porta escancarada. Todavia, ali não existiam nomes próprios, somente ele e ela, especialmente depois de a enfermeira sair de enquadramento. Ainda restava uma última personagem: a "mãe rendida", sem saber nada daquele jovem nem do que se passava, ora vendo-se completamente desnecessária e sem poder, acabou por também entender-se como mera figurante e simplesmente deixou o quarto em silêncio... Somente os dois, encarando-se, ele disse: "- Deixei de acreditar faz tanto tempo... E ontem, de alguma forma, quase não me enxerguei ao ver você se despedir... Mas algo em mim passou a acreditar depois de te ver hoje na televisão... Enfim, acredito que ontem seja algo que se possa deixar para trás...". Ela assentiu com a cabeça e lhe respondeu: "Você pode entrar...". O olhar mudo, cúmplice e resoluto de ambos foi seguido pela mão direita dele, que, devagar e inadvertidamente, aos poucos foi fechando a porta do quarto por trás de si... Tudo como se o passado começasse a sumir na mesma medida em que a tela escurecia na circunferência atemporal de um antigo fade out de fim de filme mudo...

Ainda não era meio-dia, contudo o Centro fervia entre a vida e a morte acolá suspensas, ônibus abarrotados de passantes e moradores isolados pelos azulejos do frívolo comércio que ainda fazia pulsar algo de quente em meio ao Simbolismo poético de ruínas que assim se resignavam. E, na Ponta d'Areia, do outro lado da ponte, do encontro do Anil e do Bacanga com o mar da baía de São Marcos, o sol já parecia querer se pôr e se aninhar com a paz das águas ao anoitecer... Entre aqueles dois mundos, um abalroamento fechava uma rua, alguém sentia pela primeira vez um orgasmo, um casal se deixava caricaturar, uma festa se planejava, alguém chorava ao nascer e alguém precisava morrer: nada mais importava e cada lugar daquele dia, magicamente, mostrava-se desértico e sem viva-alma... Porque o tempo perdeu de vez a razão de ser: e enquanto eles permaneciam ali, fechados em si no que se resolviam ou se reinventavam sem mais nada se saber deles, tanta coisa que antes corria em volta, a circundar como serpente que espreita por baixo da superfície e sempre terá história pra contar, parou e respirou fundo... Para poder recomeçar.

(Dilberto L. Rosa, 2019)
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segunda-feira, 6 de maio de 2019

L-O-V-E
100 anos de um amado rei negro
em um mundo branco: Nat King Cole

Nat Cole branco... E com voz feminina?! 
Na verdade, trata-se de Wayne Newton - e uma breve introdução em tom de crônica a seguir...

Noutro dia, ouvi, por acaso, a dileta canção L-O-V-E (não sei onde nem por quem cantada), e, logo em seguida, sem querer peguei-me cantarolando os primeiros versos de Danke Shoen ("muito obrigado", em Alemão), na versão norte-americana da célebre canção alemã de Burt Kaempfert e imortalizada pela "voz feminina" de Wayne Newton (vídeos acima) - popularizada, por sua vez, na divertida dublagem feita por Matthew Broderick/Ferris Buller em Curtindo a vida adoidado. Foi então que percebi, pela primeira vez, que ambas eram extremamente similares, chegando a ser praticamente idênticas nalguns pontos da melodia ou da estrutura rítmica... Mas quem plagiou quem? Como Danke Shoen é mais antiga (mesmo a versão Made in USA) e aprendi a amar L-O-V-E ("Santo trocadilho linguístico, Batman!") com o grande Nat King Cole, jamais poderia admitir que esse genial artista, um de meus ídolos e dos sujeitos mais cavalheiros da História da Música, pudesse ter participação em atitude tão vil...

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Dois grandes: JK e NKC. Rio de Janeiro, turnê de 1959.
Mas nada que o sempre companheiro-enciclopédico-móvel Google não resolvesse ao cabo de alguns minutos de "pesquisa" - e, assim, não só descobri que a canção original L-O-V-E também havia sido composta pelo mesmo músico alemão de Danke Shoen, Kaempfert, o que explicaria o "plágio" ("lapso de imitar a si mesmo", não é crime: acontece muito aqui nos Morcegos), como também que o grande Nat Cole, falecido precocemente, aos 45 anos em 1965 (câncer nos pulmões: engolia três maços de cigarros por dia), completou centenário no último mês de março... E como é que os Morcegos me deixam passar tamanha data especial em branco? Logo de alguém tão inesquecível - não por acaso, "Unforgettable"foi renovado como clássico em 1991, naquele famoso dueto póstumo com sua filha única, Natalie Cole, infelizmente também já falecida.

Afinal, o sujeito que adotou o epíteto "King", rei em Inglês, como seu nome do meio - que, dizem, teria sido dado mais em razão de uma antiga canção de roda inglesa do que o costume da época entre músicos, de autoatribuir-se títulos como este, em falta de modéstia -, não poderia ter acertado mais com seu nome de "batismo artístico": tanto como um inovador jazzista nos tempos iniciais de carreira em seu trio sem bateria, quanto como um exímio pianista que interpretava com a alma e a voz inconfundíveis clássicos populares românticos (muitos destes lançados por ele), Nat King Cole atravessou pouco quase três décadas de uma carreira extremamente bem sucedida. E, mesmo diante da "ameaça" do rock'n roll em meados dos anos 50, foi capaz de se reinventar ao lançar turnês internacionais cantando e gravando hits nos idiomas dos países que visitava - um deles, o Brasil, em que marcou com a sua presença elegante de sempre e seus verdadeiros "hinos da latinidade" em forma de boleros (embora seu Espanhol e Português fossem um tanto quanto "macarrônicos"), como Cachito, Aqueles ojos verdes e Quizas, Quizas, Quizas.

E se lhe faltava um pouco mais de posicionamento ou "consciência negra", o que poderia ter-lhe colocado num patamar ainda maior ao aproveitar sua popularidade para uma luta mais efetiva contra o racismo em seu País (do qual ele próprio era uma vítima), sobrava-lhe carisma ao ponto de impor-se naquela sociedade preconceituosa dos anos 40/60 simplesmente com sua figura e seu talento insuperáveis - e talvez tenha sido melhor assim: a mesma massa que criticou e condenou o fato, por exemplo, de Nat ter o próprio programa televisivo em 1956 (o que acabou pressionando alguns patrocinadores e fez com que o show fosse cancelado após pouco mais de um ano de exibição) se confundia com a massa que comprava milhões de seus discos - sua gravadora construiu todo um famoso prédio de luxo basicamente com os dividendos de seu "Anjo Negro", ao ponto de tal sede ser conhecida como "a casa que Nat King Cole construiu"! Tamanho o seu sucesso, que lhe rendeu outro epíteto mais do que merecido: "o melhor amigo que uma canção poderia ter"!

nat king cole cd box coletaneaConheci Nat King Cole ainda na adolescência, por intermédio de uma coletânea de três discos do Reader's Diggest, O Melhor de Nat King Cole - Unforgettable - dois CDs duplos de seus maiores hits norte-americanos e um simples com seus mais emblemáticos boleros - nem preciso dizer que meus pais adoraram quando cheguei em casa com aquela coleção, que ganhei de um antigo amigo por ocasião de uma aposta. Difícil escolher uma ou mesmo um pequeno grupo de canções como síntese de sua vasta obra para emoldurar esta singela homenagem em nosso humilde espaço virtual, tamanho o cabedal de sucessos e interpretações memoráveis... 

Ele era capaz de achar e apostar em compositores desconhecidos ou "canções estranhas", como Nature Boy, e transformá-las em músicas populares! Com sua verve jazzística, empregava um sentimento diferenciado em cada verso mais sentido ou acorde mais denso em seu piano, por onde deslizava sua voz macia, como se contasse uma história - foi assim com Stardust (minha favorita), Our love is here to stayMona Lisa, The very thought of you, Foolish Things e tantas outras... Mas, à beira de um dia das mães que ainda hoje são embaladas com suas lembranças de boleros na voz aveludada do Sr. Cole - como a minha, D. Dilena... -, deixo, por fim, a excelente seleção de um álbum somente com Cole en Español e, naturalmente, o carro-chefe do seu derradeiro álbum, lançado pouco antes de morrer: sua versão única e insuperável de L-O-V-E... Sorry, Wayne Newton, mas essa até o Laempfert concordava: o Rei Negro era  um colecionador de versões definitivas! E seu último legado foi, justamente, ser amado com suas versões imbatíveis por sobre qualquer outra alma branca...

Um legítimo gentleman em qualquer idioma...
 

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