quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

Tempo de voltar...

Ora, e o que sei eu do tempo para tergiversar a respeito...? Sei do tempo horrível que tive ao longo desse ano ruim, em que até os Morcegos pediram vênia sem maiores explicações e saíram de cena... Igualmente, não sei se é tempo de permanecer, mas quis mostrar os Morcegos uma última vez pra esse ano, talvez como alguma luz que se precise sentir antes de essa areia escoar por derradeiro... Só sei, no momento, que esta singela trilogia quis se oferecer ao tempo que permanece acima dos calendários, por sobre todas as dores e anseios sem precisão...

Canções ao Tempo
(e à hora...)

Poema que não para

Atravessa
Poema que não cessa
Como essas lágrimas
Dessa conversa
Que não acaba
- Porque sempre viaja
Pra trás dos olhos
Molhados
Que acessam
Os sorrisos
De surpresa
Daquele dia sem fim
Na foto que regressa
Daquele canto de pôr-de-sol
Posto a salvo
Da destruição
Do tempo que não para
Atravessa
Essas lágrimas
Que não cessam
Esse poema sem fim

(Dilberto L. Rosa, novembro de 2020)

Conversa

Naquele tempo, o tempo fechava
Em mim, em ciclos, no firmamento
Contra a parede, em mil pequenos  pedaços
Nas horas em que não o suportava
O tempo que me sustentava
Desabou naquele tempo escuro
No quase se jogar da sacada
No quando o tempo eu vomitava
Para evitar morte certa ou coisa pior
De cama de tempo perdido
Mas antes daquele tempo tinha outro
Tempo que se brincava e se ria
No tempo de sol de quintal
E se fotografava
O tempo em que se ficava
Parado, abraçado, em preto-e-branco
sentindo o tempo
Caindo de leve sobre os ombros relaxados
Tempo cúmplice do tempo
Que conversava
Com o céu aberto e pleno
- Aquele tempo jamais despencava!
Agora esse tempo lá fora
Algo fechado, abafado, nublado
Conversa com meu tempo
Perdido, parado, suspenso,
Cá dentro desse quarto
(Esse mesmo tempo evasivo
Que fugia até outro dia)
Tempo de conversar com o tempo
Atrás do bom tempo que se guardava
Por trás do que o tempo ruim escondia

(Dilberto L. Rosa, novembro de 2020)



Pressa

No meu pesadelo
Os freios não funcionavam...
Assim despencava
O carro
E na ribanceira
Vinham velozmente
Aquela mesa
Onde te rias,
Aquelas fotos
Escondidas,
Cada dor tua
Fingida
E o outro a te esperar
Na linha ao lado...
Cada pó que cai
Incessantemente
E se acumula
Ao tempo inclemente,
Segue misturado
Sem mais chance
De se o repor...
E sobram só 
Essas camadas
Onde o tempo já 
Não é quase nada
Na carreira
De minha dor...

(Dilberto L. Rosa, novembro de 2020)

quarta-feira, 22 de abril de 2020

MEU PRIMEIRO ROMANCE
(Sexto Mês)


Você ainda vai me amar amanhã...?



CAPÍTULO XI
"Dos meus braços tu não sairás"

Não consigo sequer me olhar no espelho depois daquele pesadelo da "ligação do Além"... Viajei no tempo para uma época que não tinha nada dessas rugas e marcas indeléveis por sob minha barba branca? Por que ela me ligaria? O que ela teria pra me dizer que não o fez quando teve oportunidade - eu lhe dei tantas (ou foi ela que me deu?)... E teria ela morrido realmente ou seria somente um delírio de alguém beirando a senilidade como eu? Não sei nem o que pensar - especialmente diante dos tantos porta-retratos em minha volta, cujas fotos nada me dizem dela... Vejo minha falecida esposa (que Deus a tenha...), meus três filhos em diferentes fases da vida, eu envelhecendo ao lado deles... No entanto, não a vejo em lugar algum, perdida que ficou eternamente jovem na minha mente confusa! Salta aos olhos, enfim, algo familiar: um grande painel formado pela minha antiga coleção de fitas K-7 e VHS: um agradável e belo mosaico de antigas Basf e TDK, todas hoje imprestáveis mesmo para essas vitrolas modernas com seus antigos tape decks e atualíssimas entradas HDMI (embora eu sinceramente creia, atualmente, não existir mais fita alguma daquela época não dominada pelo mofo ou pelas traças!). 

Só que esse painel foi ideia dela, ao ver minha desilusão quando encontrei, numa antiga caixa de papelão que trouxe da casa de mamãe depois de seu falecimento, todas as minhas antigas fitas de vídeo e áudio encaixotadas na minha adolescência para, "num futuro", eu limpá-las ou comprar alguma traquitana moderna que viesse a ser capaz de rodar de novo tais nostalgias do jeito em que se encontravam e retomar o carinho melancólico de idos tempos... Só que esse aparelho jamais foi criado ou relançado (VCRs se tornaram obsoletos diante dos discos digitais - hoje também obsoletos) e restava  então a tristeza de ter que me livrar de toda aquela viva memória afetiva - situação que ela jamais permitiu que se desse: "- Ah, isso não! Lindas demais essas histórias que você tem com esses filmes e canções gravados por você... E que já renderam tantos roteiros, crônicas  e contos teus tão fascinantes que nunca me canso de ler... Vou arrumar um jeito de preservar isso como elas merecem pra você!... E arrumou mesmo, nessa peça decorativa incrível que ela bolou e mandou fazer! Mas como isso veio parar aqui?

Curiosamente, é mesmo numa vitrola dessas modernas em estilo retrô, que tocam de LPs, CDs e k-7 a pen-drives - porém apenas emulam o formato antigo em charme vintage sem sequer chegar perto dos modelos originais em genuinidade e potência de som -, que agora começa a tocar Nelson Gonçalves. Percebo o som vindo do final do amplo espaço em que me encontro e me achego, apreciando a capa da fita k-7 original, meu avô tinha um disco igual - com o qual gravei uma fita caseira e ouvia muito em casa... Eu já tenho a idade que o meu avô tinha na época em que ouvíamos isso juntos? Ah... Dos meus braços tu não sairás! Cheguei a cantar para ela, chorando, numa noite fria... "Meu amor, Pensa bem no que tu vais fazer, Um amor sincero igual ao meu Hoje não se encontra mais"... "Não, não, não, não, amor Dos meus braços tu não sairás"... Talvez eu devesse ter tido mais dessa firmeza e autoconfiança naquele momento... Mas o que se há de fazer quando a Música da mulher que se ama muda de tom e de ritmo, passando ela a crer que a melodia antes composta em parceria simplesmente "não dá mais" para embalá-la e fazê-la sorrir...? É como essa velha canção tocando nessa vitrola nova querendo se passar por coisa antiga!

E as canções que se sucedem vão me levando de volta para o passado, quase na mesma velocidade que a minha mão passa a me tocar como um dia ela tocou... E, de repente, minha mão coberta de veias grossas, pelos esbranquiçados e manchas dos mais variados matizes se torna novamente a minha jovem mão da sua época - e ela, como que a vir tomar posse do que é seu, agarra minha mão, impedindo-me de me tocar, passando a segurar toda a minha virilidade, tomando-a em sua boca e em seguida, de pequenina em estatura, crescendo para cima de todo o meu corpo como uma Tigresa de unhas vermelhas e íris cor de mel (não a de Caetano; mas a minha própria): e sou jovem outra vez, homem outra vez, e, suspendendo-a firme com meus braços e mãos fortes, tiro-a de cima de mim para alcançar nosso gritado gozo de almas virando-a de costas contra mim, eu o tigre nela montado, mordendo-a nos ombros e indo até o fundo de nós dois nesse amálgama que alcançava as estrelas... E mais uma vez não sei onde estou - coisa nada difícil de acontecer quando fazíamos amor, uma vez que simplesmente viajávamos sempre para muito longe de onde estávamos e só voltávamos quando nossas coxas descansavam... Tudo muito vivo e forte... Mas sigo velho - e sua juventude desaparece com sua boca mais linda... Ao menos já sei ser possível trazê-la para esta realidade absurda em que pareço estar preso por enquanto: basta amá-la, sabendo e vivendo do seu ser...

Sempre relutei em ter uma dessas vitrolas, mas essa foi presente... Mas eu lembro ter falado tão mal com minha ranzinzice que ela desistira de ma comprar... E quem é essa moça tão bonita sorrindo ao meu lado que surge jogada agora na foto desse porta-retratos por cima das velhas caixa de fitas, que também brotam nesse imenso e branco espaço vazio? Como se parece com ela...

CAPÍTULO XII
"Por toda a minha vida..."

Eu consigo carreá-la para qualquer ponto da minha existência, com a força e a pressa de um pensamento ou de uma canção... Porque já é parte de mim a essência de que éramos um do outro antes mesmo de acontecer... Vejo-a tranquilamente coexistindo em todos os meus mundos perdidos da memória: ela brinca comigo de ludo nas férias escolares de vez em quando enquanto minha mãe prepara o almoço e seus pais, ainda sem babá, não voltam do trabalho; ela conversa comigo por horas ao telefone sobre o quanto me adora enquanto briga com seus pais, que a forçam a desistir de Sociologia que prestaria comigo ao final do Ensino Médio para abraçar Medicina, porque o irmão já fazia esse curso e estava com o "futuro garantido"; a gente combina rachar o restinho das mesadas num lanche no shopping e fica certo que, no final de semana, depois de terminarmos de estudar para o vestibular simulado, ela vai me ajudar com o armazenamento das minhas fitas emboloradas nas caixas que ela mesma arrumou com aquele seu tio dono de armazém; a gente passeia a pé sem um tostão no bolso e para no meio da ponte, ao entardecer, e se beija ao pôr-do-sol, como o casal mais feliz do mundo com a vida inteira da fase adulta pela frente... E sempre fomos felizes... Em qualquer época...

Viajar assim por entre as eras até me apascenta a espera, porém me agita na certeza dela e de querê-la como nunca antes quis! Porque então eu como com ela aquela pizza carregada no alho e nas alcaparras de que tanto gostávamos, cantamos no karaokê enquanto saboreamos o risoto de camarão daquele bistrô e passeamos com nossos copinhos de caldos de ovos da cantina a equilibrar, no outro braço, provas e artigos para revisar pelos longos gramados da Federal - que essas coisas todas vivemos realmente, nas delícias das mais simples às mais complexas de nossa vida real e cheia de sabores. Nossa vida é uma delícia... Mas toda essa poesia gastronômica é interrompida por uma cegamente clara e branca liturgia - e, imerso como num sonho cheio de sinestesias, eu ouço Por toda a minha vida, do velho Tom, entoado por um pequeno coro de 3 vozes femininas e passo a me ver numa igreja, onde, depois de muito procurar em volta, digo "sim", mesmo sabendo não se tratar dela por baixo do véu... E o que se lhe sucede é uma vida aparentemente boa e pragmática, bem orquestrada num mundo em cinza com alguns toques coloridos... E, mesmo sem ter a menor noção da sua marca no universo, sei que ainda vou encontrá-la em algum lugar do meu caminho... 
CAPÍTULO XIII
Recapitulando...

Havia sempre o "um, dois, três - testando" a inaugurar os "trabalhos" diante de um gravador quando eu era criança, ocasião em que eu podia ser locutor de rádio, apresentador esportivo... Depois, adolescente, algumas fitas bem podiam servir para rememorar estudos para as provas mais difíceis: nem sei por que me lembro disso agora... Talvez seja por causa do celular na mão trêmula e sangrando, a tentar gravar e deixar alguma coisa de relato do acidente que acabei de sofrer capotando com o Corolla prateado... Mas não consigo sequer erguer o braço e deixo o telefone quicar no asfalto seco... Preciso de qualquer registro, nem que seja somente pra mim: deixe-me recapitular... Tenho 36; ela, 34; lecionamos Sociologia na mesma universidade pública, mas nos conhecemos numa particular... Somos casados - não, moramos juntos, que eu sempre tive medo de casamento... Mas não, não moramos mais: nós nos separamos - agora há pouco... Na verdade, ela se separou de mim... É, foi isso: ela gritou que não dava mais e eu gritei que ela esconde algo de mim (talvez alguma coisa com aquele nosso ex-aluno - como é mesmo o nome dele, meu Deus?)... Sem pensar, peguei o carro e saí em alta velocidade... Sempre dirigi bem, nem sei o que foi... Ah, sim: foi naquela hora em que fui tentar arrancar o pen-drive quando, em meio a toda aquela correria desenfreada, notei que começou a tocar You got it, de Roy Orbison... Roy Orbison só me lembra a ela... Capotei... E tudo começa a ficar uma grande imensidão branca, sem som nem forma...

Preciso me lembrar mesmo de tudo isso nesse momento, que já enveredei demais por tantas e vindas no tempo em meio a tantos personagens e possibilidades, senão posso até me perder na continuação do escrever os próximos capítulos deste meu primeiro e já tão difícil romance...
CAPÍTULO XIV
"E eu trilhando os últimos espaços
Pra ficar no conforto dos teus braços
Qualquer coisa no mundo eu enfrento"...

Mesmo ainda sem saber de onde eu vinha ou em qual momento eu estava (ou de que época eu era), a escuridão em branco surdo que a tudo tomava começou a se dissipar e me mostrar um caminho - assim como um som, ao fundo, que se evidenciava como sendo Claire de Lune, de Debussy. E o caminho, revelando-se aos poucos como numa fotografia esmaecida, jeito onírico, como que passando de um fim de madrugada para uma manhã, era a curva que fazia aquele trecho do passeio público que mais gostávamos de percorrer juntos quando ela e eu nos púnhamos a caminhar, por baixo de uma alameda que a tudo sombreava com suas folhas coloridas, por entre pequenos montes de terra e vegetação crescida a esmo, e que passava bem em frente à antiga casa da minha finada "tia rica" (assim a chamávamos, sovina que só ela), de quando morava ali, em frente à lagoa quando nem havia ainda o Parque da Lagoa. Agora eu tinha um chão pra pisar para além daquela escuridão branca sem começo nem fim - e uma direção... E passava então por ali, naqueles mesmos montinhos de terra que à minha infância pareciam grandes morros, onde minha Tia Rica enterrava seus cachorros falecidos - ao menos foi assim que me contaram, um dia, meus "primos ricos", filhos dela, o que me deixou sem dormir naquela noite porque ou eu vira ou eu pensava que vira, condicionado pelas conversas de se enterrarem ali "cadáveres caninos", uma carcaça de mandíbula de um cachorro pequeno (poderia ser um dos pequineses que criavam) e, assim, passei a noite toda gritando por minha mãe imaginando um lobisomem vindo do escuro para me assombrar...

Gostava de contar essa história a ela, sempre que passávamos por aqui... Agora me parece que estou sozinho, sem mais mundo sequer... O mais curioso era o quanto esse lugar me trazia tanto dela, numa sensação boa de vida a toda vez que por esse trecho passava com ela, ou quando por aqui acabei passando sozinho: era como se fôssemos nós dois, a vagar pelo tempo neste corredor de árvores tão velhas e de ela ir comigo para onde jamais esteve, nos meus tempos de criança... Ou será que ela esteve? De repente, vejo crianças brincando na ladeira do morrinho e, ei: são meus primos mais velhos (os "primos ricos" eram 4: os dois mais jovens regulavam minha idade), eu com uns 8 anos e... ela?! Como ela podia estar aqui?!

- Venha, meu cavaleiro! Venha me salvar desse monstro! - no que aparecia o pequinês mais rabugento da Tia, nunca suportei aquele cão, desde que me arranhara a perna certa feita!
- Estou aqui por você, princesa Leia! - sim, vivíamos o fervilhar do lançamento de Guerra nas Estrelas... No que eu, apesar do medo inquieto do cachorro, batia o pé no chão, expulsando o chato de perto do "castelo", que saiu rosnando e derrubando algumas caixas de papelão perfiladas que a separavam de mim, como muralhas onde estaria presa, e eu, mesmo criança, sabia que sempre poderia ajudá-la.

Ao fundo da cena, meio sem graça com o abraço efusivo que nos demos ao final do "salvamento" de brincadeira (como era bom o cheiro dela) na nossa pequena ilha desenhada de giz no chão, meus primos, ricos e chatos toda vida, passam a provocar cantarolando alguns versos de Raul: - Viva, viva, viva a sociedade alternativa..., a caçoar daquelas pequenas loucuras infantis. E assim, ao som das gargalhadas daqueles dois moleques inconsequentes e da pura visão do que já nem sei se vivi ao lado dela ou não, eu vou me sentindo impelido a seguir pelo caminho, dando as costas para aquele quadro que, muito ao contrário do que desejavam me humilhar as picardias de meus parentes adolescentes, acabou por me fazer viver, viver, viver - como há muito não fazia...
Ficheiro:Queen - Love of my Life - 1979.jpg – Wikipédia, a ...
CAPÍTULO XV
Love of my life

Aí ela disse: - Deixa assim, amanhã a gente resolve'. E eu logo respondi: - Até amanhã...

Sentei no sofá, só me restando o copo de vinho e a solidão, aquela que mais doía: a solidão a dois. 
Olhei o celular e ela continuava online. Fiquei olhando e não apareceu a palavra 'digitando'. E eu não ia dar o braço a torcer; afinal, a culpa nunca é minha! 

Vinte minutos depois, ela não estava mais lá. Uma voz lá no fundo me trouxe uma sensação estranha, era como se ela dissesse: - E aí, está satisfeito? Curtindo saber que ela está mal? E eu respondia: tentei conversar, ela não quis. No que a voz retrucava: tentou o bastante? Fez o suficiente? Quantas vezes você estava assim e ela tentou conversar? E os esforços para sempre acertar? E as coisas que ela fez por você? Será que ela não merece nada mais que o seu estouro? 

Percebi então que tudo aquilo era só eu conversando mais comigo mesmo do que com a pessoa que eu tanto gostava - e que, provavelmente, nem estava conseguindo dormir justamente porque não tentei de verdade resolver a situação!

Peguei o celular e liguei: - Me perdoa, amor, você não merece dormir mal por essa situação... Se quiser resolver amanhã, a gente resolve, mas hoje, é tudo o que eu tenho! Quero muito que saiba o quanto gosto de você e a admiro... E acabo descontando em você por ser a única em que eu confio.

A voz dela mudou e eu senti que aquela situação teria sido desfeita se eu fosse outra pessoa - ela era tão simples..

Terminei de ler aquela folha impressa por ela às pressas, antes de sair do trabalho hoje - vi pela impressão que saiu mais tarde do que seu horário para poder produzir aquela narrativa que não só parecia debochar com raiva dos meus personagens e estilo, como também esfregava na minha cara o quanto meu protagonista e tudo em sua volta deveriam mudar na narrativa a fim de serem mais verdadeiros, de acordo com ela... Simplesmente lhe enviara mais alguns capítulos, mesmo em meio a essa nossa crise, para que desse uma olhada como sempre fazia - só que jamais imaginei que, ao contrário de como costumava fazer, chegar me dando boas críticas construtivas ou mesmo dizendo que se emocionara com tais e tais partes, hoje ela simplesmente chegou com essa folha meio amassada e até um pouco molhada talvez respingada por lágrimas, dizendo pra mim assim na lata: - Já me calei demais aqui, quero ter vez e voz agora! Eis aqui um capítulo que o grande escritor deveria colocar nesse romance!. E terminei chorando, sem conseguir dizer qualquer coisa... E, ao cabo de alguns instantes de silêncio entre nós dois, improvisei:

- Não me faz chorar mais...

No que ela irrompeu, logo se defendendo que eu jamais a enxergara nem o quanto ela chorara, somente a pintando como uma bruxa tanto no meu início de romance como na nossa vida como um todo, quando logo continuei, mostrando-lhe que aquele não era o início de uma conversa em que mais uma vez não conseguiríamos nos entender, mas, sim, o título de um pretenso poema...

Repeti o título: - Não me faz chorar mais... E prossegui:

Este poema que te choro agora,
Aqui mesmo na nossa sala
Onde tanto cansamos de gastar as solas
Dos nosso leves pés de danças e de sonhos
Como se aqui fosse um imenso salão
Que criamos maior e diferente
Para cada canção tocada e vivida,
É uma coisa bem simples,
Arremedo de poema até...
Mas essa coisa tola que te canto agora
É para guardar, lembrar e ser vivida
Como uma das nossas músicas
Mais sentidas, amadas e curtidas
Como só tu tens aquele jeito lindo
De viver cada canção...
É para lembrar que o amor
Ainda é o maior motor de todas
As melhores canções já feitas
E por nós tão vivenciadas
Em cada passo da caminhada
De nós dois.
E o amor que te grito agora
Nesse poema que te pede paz
Nos canta a nos eternizar
E nos fazer crescer e viver
Ainda e sempre mais...
Então por favor, eu te rogo,
Agora e em cada canção que nos seguir:
- Não precisa de nada disso...
Não me faz chorar mais...

Mal eu disse o último verso e ela, aos prantos e como que sabendo exatamente onde o poema acabaria, subiu em mim com a chama antes aparentemente apagada com o fechamento e a falta de diálogo, agora novamente acesa com todo o ardor da canção que começou a tocar na vitrola: nem nos déramos conta de que o jantar que eu fizera esfriava na mesa nem que meu clássico compact disc do Queen já tocara o lado B quando, enfim, foi mudado automaticamente de lado e passamos a ouvir Love of my life - e, tal como se traduzíssemos não-intencionalmente cada verso, nós começamos a tirar as roupas nos pedindo e prometendo quase que cada passagem do que entregava tão apaixonadamente Freddie Mercury ao piano enquanto fazíamos amor ao longo de toda a madrugada, mesmo muito tempo depois de o LP ter acabado e a agulha, antes tão ativa, ter finalmente parado e repousado... Bring it back, bring it back, don't take that away from me because you don't know what it means to me...


CONTINUA...

sábado, 18 de abril de 2020

Rubem Fonseca desde os 14...

Rubem Fonseca: veja repercussão da morte do escritor | Pop & Arte | G1
Além do meu divisor de águas na Poesia com Morcegos, tive outro divisor naquele mesmo ano de 1991, só que na Prosa: graças a um antigo livro de Redação da 8.ª série, passei a usar muito dos meandros narrativos que me acompanhariam o resto da vida de escritor depois de ter lido (e feito os devidos exercícios de interpretação de texto passados pelo professor Sidney depois da leitura) Passeio Noturno, de Rubem Fonseca. Aquela Literatura me impactou não só pelo final inesperado como pela linguagem irônica por trás de sutis análises dos personagens num texto curto e conciso - que depois ficaria sabendo tratar-se de um conto (ou seria crônica?) -, porém perfeito na incrível narrativa de crescente suspense hitchcockiano (aquele de construção em cima de precisos detalhes: adorava, por exemplo, ler e reler a retirada dos carros de toda a família da garagem pelo ansioso protagonista/antagonista) sobre um entediado "cidadão de bem", que, depois de um estafante dia no escritório e do vazio diante de uma família alienada e desunida, tudo o que mais queria para espantar qualquer mal da alma era uma boa voltinha com seu carrão turbinado pela cidade vazia à noite e mostrar a sua verdadeira face...

E, com o tempo, veria muitas outras facetas naquele que se tornaria um dos meus autores favoritos... Do lado mais efervescente e policialesco dos submundos, dos personagens duros e amorais e das narrativas mais em tom épico de muitos dos seus romances eu li somente o brilhante Agosto (mescla de ficção e fatos históricos sobre tramas policiais e políticas em torno dos bastidores da morte de Getúlio Vargas, na mesma época em que foi lançada a minissérie homônima na Globo), o bom A Grande Arte (que apresenta um dos seus mais famosos personagens, Mandrake, espécie de advogado e detetive, também em razão de sua adaptação, desta vez para o Cinema, com o sucesso do filme homônimo de Walter Sales em vídeo) e o excepcional O Selvagem da Ópera (espécie de "cinebiografia literária" sobre a vida do compositor Carlos Gomes). Mas foi mesmo na prosa do Mestre Fonseca que me debrucei e afinei muito das minhas letras, devendo a ele - bem como a gentes do calibre de Machado de Assis, Lygia Fagundes Telles, Luiz Fernando Veríssimo e Rubem Braga- muito da minha narrativa contista e cronista que jamais me abandona até hoje (a propósito: não deixe, caríssimo e fiel blogueiro de plantão, de ler minha postagem especial de aniversário de 9 anos sobre esses dois meus diletos influenciadores: Os Rubens e Os Morcegos)

Porém, infelizmente, foi o "Zé Rubem" que nos abandonou essa semana... Viveu bem, 93 anos e muita força visceral na vida e nos seus papéis... Mas dá aquela sensação de perda no mundo cá das letras, que vai calando e cada vez mais caçando com uma lanterna um novo prodígio dessa envergadura literária e de emoções - especialmente um com todos aqueles arroubos entre a violência presente em cada esquina urbana, nas lutas entre ricos e pobres, e as paixões mais latentes e carnais... Rubem Fonseca resta presente em muito da minha obra - especialmente na minha crônica (ou seria conto?) mais voltada para sua influência/homenagem, escrita dois anos depois daquela descoberta rubenfonsequiana de escola: Amanhã é outro dia, com a amoralidade fria de um rico protagonista sem nome diante da vida e da morte numa quente noite dentro de um apartamento sofisticado olhando o mundo de dentro de sua seca redoma - tal como muitas características do sádico sujeito ao volante do extraordinário texto que tanto me marcou, encabeça este post e aprece em sua integridade logo abaixo. 

Curiosamente, tempos depois, pude ler Feliz Ano Novo, um dos seus mais célebres livros de contos - e em que originariamente fora publicado Passeio Noturno, em 1975 -, e descobri que aquele conto (crônica?!) era, na verdade, uma "Parte I", informação suprida no tal livro de Redação de minhas reminiscências... E, apesar da alegria ao descobrir que a Parte II constava do mesmo livro, qual não foi a minha decepção com a "continuação" daquela trama que tanto me marcara no início da adolescência... Tanto quanto me decepcionou nem tanto a segunda parte (de que gosto muito, a propósito), mas a terceira e última parte que eu mesmo escrevi para meu mais querido conto-crônica (na dúvida, vão os dois gêneros irmãos!): na verdade, não fiquei muito satisfeito com nenhuma das duas versões feitas para o encerramento de Amanhã é outro dia - e me pergunto, até hoje, se deveria ter havido um "desfecho" de encontro desses dois personagens infelizes que eu criara nas duas partes anteriores (assim como, de certa forma, de vez em quando elucubro se o velho e já saudoso Rubem se questionava sobre a desnecessidade da sua boa, porém fraca se comparada com a original "Parte II" de Passeio Noturno)... Por isso, na dúvida, fiquemos com o Passeio original... Boa viagem, Rubem...

Clube da Leitura » Post Topic » “Passeio noturno”, por Rubem Fonseca
Passeio Noturno (Parte I) 

Cheguei em casa carregando a pasta cheia de papéis, relatórios, estudos, pesquisas, contratos. Minha mulher, jogando paciência na cama, um copo de uísque na mesa-de-cabeceira, disse, sem tirar os olhos das cartas, você está com um ar cansado. Os sons da casa: minha filha no quarto dela treinando empostação de voz, a música quadrafônica do quarto do meu filho. Você não vai largar essa mala? Perguntou minha mulher, tira essa roupa, bebe um uisquinho, você precisa aprender a relaxar.

Fui para a biblioteca, o lugar da casa onde gostava de ficar isolado e como sempre não fiz nada. Abri o volume de pesquisas sobre a mesa, não via as letras e números, eu esperava apenas. Você não pára de trabalhar, aposto que os teus sócios não trabalham nem a metade e ganham a mesma coisa, entrou a minha mulher na sala com o copo na mão, já posso mandar servir o jantar?

A copeira servia à francesa, meus filhos tinham crescidos, eu e a minha mulher estávamos gordos. É aquele vinho que você gosta, ela estalou a língua com prazer. Meu filho me pediu dinheiro quando estávamos no cafezinho, minha filha me pediu dinheiro na hora do licor. Minha mulher nada pediu, nós tínhamos conta bancária conjunta.

Vamos dar uma volta de carro?, convidei. Eu sabia que ela não ia, era hora da novela. Não sei que graça você acha em passear de carro todas as noites, também aquele carro custou uma fortuna, tem que ser usado, eu é que cada vez me apego menos aos bens materiais, minha mulher respondeu.

Os carros dos meninos bloqueavam a porta da garagem, impedindo que eu tirasse o meu carro. Tirei o carro dos dois, botei na rua, tirei o meu e botei na rua, coloquei os dois carros novamente na garagem, fechei a porta, essas manobras todas me deixaram levemente irritado, mas ao ver os pára-choques salientes do meu carro, o reforço especial duplo de aço cromado, senti o coração bater apressado de euforia. Enfiei a chave na ignição, era um motor poderoso que gerava a sua força em silêncio, escondido no capô aerodinâmico, Saí, como sempre sem saber para onde ir, tinha que ser uma rua deserta, nesta cidade que tem mais gente do que moscas. Na Avenida Brasil, ali não podia ser, muito movimento. Cheguei numa rua mal iluminada, cheia de árvores escuras, o lugar ideal. Homem ou mulher?, realmente não fazia grande diferênça, mas não aparecia ninguém em condições, comecei a ficar tenso, isso sempre acontecia, eu até gostava, o alívio era maior. Então vi a mulher, podia ser ela, ainda que mulher fosse menos emocionante, por ser mail fácil. Ela caminhava apressadamente, carregando um embrulho de papel ordinário, coisas de padaria ou quitanda, estava de saia e blusa, andava depressa, havia árvores na calçada, de vinte em vinte metros, um interessante problema a exigir uma grande dose de perícia. Apaguei as luzes do carro e acelerei. Ela só percebeu que eu ia para cima dela quando ouviu o som das borrachas dos pneus batendo no meio-fio. Pequei a mulher acima dos joelhos, bem no meio das duas pernas, um pouco mais sobre a esquerda, um golpe perfeito, ouvi o barulho do impacto partindo os dois ossões, dei uma guinada rápida para a esquerda, passei como um foguete rente a uma das árvores e deslizei com os pneus cantando, de volta para o asfalto. Motor bom, o meu, ia de zero a cem quilômetros em onze segundos. Ainda deu para ver que o corpo todo desengonçado da mulher havia ido parar, colorido de vermelho, em cima de um muro, desses baixinhos de casa de subúrbio.

Examinei o carro na garagem. Corri orgulhosamente a mão de leve pelos pára-lamas, os pára-choques sem marca. Poucas pessoas, no mundo inteiro, igualavam a minha habilidade no uso daquelas máquinas.

A família estava vendo televisão. Deu a sua voltinha, agora está mais calmo?, perguntou minha mulher, deitada no sofá, olhando fixamente o vídeo. Vou dormir, boa noite para todos, respondi, amanhã vou ter um dia terrível na companhia.


Rubem Fonseca
Feliz Ano Novo, 1975

segunda-feira, 13 de abril de 2020

Acabou Chorare



Para Moraes Moreira, que se foi alegre e cantou brasilidades boas de ouvir - aqui, à João Gilberto, ele canta e toca a gostosa bossa do amor simples, bonito e quase pueril, música que ele mesmo compôs sobre o que havia escrito seu parceiro Luiz Galvão (todos muito novos e baianos)...
Para acompanhar esses poemas, para ouvir lendo esses versos - sem chorar...

Trilogia do Amor Genuíno 

Acabou o Chorar

Como é que a gente diz
Sem carregar na tinta
Quando a gente ama
Que a gente pinta
Cada lágrima feliz
Sem o exagero da saudade,
Sem o drama da agonia?
Como é que a gente ama
Sem passar o dia
Sem pensar poesia
Ou sem dizer te amo
Sem que o desengano
Quase nos pegue
Por um triz?
Como é que se traduz tanto sentimento
Se metáfora é nosso momento
E tanto se me diz...

Só me resta ser o mais sincero:
Sim, pra sempre te quero
Coração a se rasgar
- Acabou o chorar!
Pois que minha rima mais pobre
E adolescente
Acaba o verso mais vivo e quente
Que posso te dar...
E querer viver de qualquer outro jeito
Nem é assim direito
- É pior que morrer!

Só me resta amar...



Me Cria

Ela me mostra as fotos mais lindas
Com ela e seus ângulos, flores e poses
Mais bonitos e pueris

Ela me traça perfis
E dita trechos escritos de pura poesia
Coisa da gente mais rica e madura

Ela me atura...
E me brinca
Em cheio me acerta
A todo instante
Que me descreve,
Me desenha e me conserta

E ela ainda tem a coragem de dizer
Que não se sabe
Minha poetisa ou arquiteta


Genuíno

Sabe aquele último beijo,
O sabor que fica pela boca,
O abraço que ainda falta...
Acho que vou sentir eternamente essa necessidade derradeira em relação a ti.

Instantes que se bastam
Em dias que não se completam
Nesse mundo derradeiro
(Que não se define, só se sente)
- O muito é o que a gente vai criando
No pouco a pouco
Em torno da gente...

(Dilberto L. Rosa, 2018)


Abraça-me com as Palavras: O ÚLTIMO ABRAÇO…

domingo, 5 de abril de 2020

MINHA DISCOTECA - Parte V

Depois de encerrar a seção de Trilhas Sonoras Cinematográficas da minha dileta Coleção Particular de CDs no último post lançado em dezembro (em que os Morcegos aproveitaram para começar a mostrar também parte da nossa Coleção de Pôsteres - cuja última postagem se deu em fevereiro), passamos agora a falar de Música Clássica (ou de Câmara, de Conserto ou Erudita, como preferem alguns, de complexa definição, porquanto bastante abrangente), desde os gênios maiores do Classicismo propriamente dito (séculos XVIII e XIX), como Beethoven, Mozart e Bach, até os exponenciais mais voltados para o Jazz Clássico ou Instrumental, como Gershwin e Berlin. Nesta primeira parte, 6 exemplares antigos (1995...), alguns deles oriundos da coleção Os Grandes Clássicos, diretamente das bancas (onde tudo daqui desse escritório parece mesmo emanar...).

COLEÇÃO PARTICULAR DE CDs:
MÚSICA CLÁSSICA
Parte I

22. "Oh! That Cello" - Music by Charlie Chaplin;
23. As Mais Belas Valsas;
24. Johann Strauss - Valsas, Polcas e Marchas de Viena Col. Os Grandes Clássicos;
25. Festival Clássico Col. Os Grandes Clássicos;
26. Ludwig Van Beethoven - Sinfonia n.º 6 "Pastoral" "As criaturas de Prometheus" "As ruínas de Athenas" - Col. Os Grandes Clássicos;
27. Ludwig Van Beethoven - Concerto para violino e orquestra Op. 61 Romanças para violino e orquestra Col. Os Grandes Clássicos;


Primeiramente, fazendo uma espécie de passagem das trilhas instrumentais para os clássicos (gosto de organizar minhas prateleiras por gênero), começo esta parte da discoteca com um disco de alguém que imortalizou sua imagem como um ícone do Cinema, mas que também compôs inúmeras músicas para seus filmes - embora este disco não contenha somente tais composições (e, por isso, acabou "catalogado" na seção Clássicos). Falo do brilhante ator, escritor, produtor, diretor - e também excelente compositor e musicista - Charles Chaplin: em Oh, That Cello podemos ouvir interpretações ao piano e ao violoncelo feitas por Johanne Cernota e Thomas Beckman de alguns inesquecíveis temas de filmes do genial comediante inglês, como Limelight ("Luzes da Ribalta") e Falling Star (de "O Grande Ditador"), além de belíssimas composições jamais usadas na tela e mais desconhecidas do grande público, como a faixa-título do disco, primeira composição sua lançada em 1916, numa empreitada não muito bem sucedida de ter sua própria gravadora.

Segue-se do Jazz Clássico, então, para o lado "popular" do Clássico - popular, ao menos, em parte da Europa: as valsas acabaram formando um capítulo à parte dentro do formalismo concreto do Classicismo. Afinal, eram "músicas de dança" e, à exceção de algumas operetas, acabavam feitas para os salões e longe dos concertos de câmara. É desse período mais popular que se sobressai o inegável talento de Johann Strauss II, o sujeito por trás de O Danúbio Azul tão conhecido das moçoilas de 15 anos, terceira geração de uma família de compositores, que marcou época tanto na tradição da Música austríaca ligeira quanto em ballets e operetas. Assim, ambos os discos As Mais Belas Valsas (que também conta com excertos de grandes obras de outros Mestres, como Tchaikovski e Puccini) e Johann Strauss - Valsas, Polcas e Marchas de Viena são prenhes das composições do famoso vienense e de seu estilo. Valsas me acalmam; marchas e operetas muitas vezes me irritam com seus excessos de pompa e circunstância... Mas os Morcegos têm predileção pelo moço de Viena: afinal, quem mais escreveria uma opereta chamada O Morcego?!

Meu segundo disco da coleção Os Grandes Clássicos é uma "coletânea de luxo", com trechos selecionados mais populares de óperas famosas - como é o caso de Carmen, de Bizet, aqui com suas famosas duas suítes completas, arranjadas após a morte do seu compositor - ou mesmo peças famosas individualmente - como são os casos da Marcha Nupcial, de Mendelssohn (composta originariamente como abertura para uma suíte de Sonho de uma noite de verão) e do Intermezzo da ópera Cavalleria Rusticana (aqui, somente instrumental), de Pietro Mascagni, trecho bastante famoso por ter brilhantemente encerrado o filme O Poderoso Chefão III, bem como, aqui no Brasil, por sua execução na novela global Terra Nostra - e que se ouve, ao final deste post, lindamente executado pela Filarmônica Weiner, capaz de nos fazer viajar...

Por fim, os dois últimos discos que tenho desta coleção interessante reúnem expressões mais românticas e leves de Ludwig Van Beethoven, em andamentos mais longos que os dramáticos motivos mais breves e pungentes da sua sinfonia anterior, a 5.ª (e seus solenes e pungentes "tan-tan-tantaaaan") e bem distanciados de seus trabalhos mais maduros e completos (como a sua 9.ª Sinfonia), tanto no primeiro CD, contendo a sua 6.ª Sinfonia, quanto nos seus concertos para violinos e orquestras e romanças (composições instrumentais mais sentimentais) do segundo. Um belo apanhado pra começar nesse tão rico universo da Música Clássica e dos seus grandes compositores, que muito antes do mundo das canções populares que hoje nos marcam, já enveredavam por viagens de emoções e sentimentos dos mais profundos simplesmente com as notas exatas e os instrumentos mais alinhados com o restante da orquestra...


terça-feira, 31 de março de 2020

Em tempos amargos...

"Algodão doce pra você"!

O traço inconfundível e as revistinhas de atividades e quadrinhos foram algumas
das marcas da minha infância - eu adorava seguir suas dicas de desenho pela TV
e até ganhei lembranças de festinhas com seus personagens...

Morre o apresentador e artista plástico Daniel Azulay
Carreira longeva e sempre jovem!
Havia esse rapaz prenhe de talentos e sem idade na televisão da minha infância e seu nome era visualmente muito fácil de lembrar, por sempre estar com sua cara de menino de grandes óculos redondos, gravatinha borboleta e suspensórios, tudo com um dentuço sorriso indefectível e um pincel atômico na mão direita - bastava se dizer Daniel Azulay para se imaginar a figura! Confesso não me lembrar bem em qual canal, se na Bandeirantes ou se na TVE/Cultura (ou nos dois, em diferentes momentos da sua carreira, talvez), mas me lembro de alguns formatos que ele apresentou: nalguns programas, seus personagens da Turma do Lambe-Lambe (a antiga máquina fotográfica, coisa dentre as quais ele gostava de fazer: mostrar equipamentos antigos para os pequenos e explicar pra que serviam), com atores vestidos de Pita, Gilda, Xicória, Ritinha, Prof. Pirajá, dentre outros, apresentavam-se interagindo com ele, em curtas historinhas divertidas ou acompanhando um momento de contamento de história ao violão ou de desenho do seu criador; noutros eu já me lembro de ver alguns deles como bonecos de mão em meio a algumas crianças no palco com o artista. O que jamais mudou, mesmo décadas depois em que o vi sozinho se apresentando em canais virtuais, foi ele mesmo: aquele amigo desenhava, cantava, brincava, falava como criança sem ser chato e nunca envelheceu em meio aos desenhos e brinquedos e brincadeiras que ensinava a fazer.

dedemontalvao: Post de Carlos Bolsonaro citando queixa de Moro é ...
O "pitbull" Zero-Dois... Seu talento? Atacar!
Agora há esse rapaz, despreparado, com cara séria sem ser sério, filhote de miliciano armado e com discurso de ódio, mentira e confusão de desinformação: ele lembra muito a "cara-rúim" e todo o arsenal de ardilosidade e amoralidade do seu pai, porém é menos lembrado por seu prenome do que por uma numeração, tal qual um Irmão Metralha do mundo do crime das revistas em Quadrinhos - só que, infelizmente, nada inofensivo: ele é o "Número 02" dos três filhos maus de uma família nefasta e usurpadora do Poder (vereador eleito no Rio, "acumula funções" bem distantes de lá, tendo até sala no Planalto pra despachar com o papai - que segue transformando a Coisa Pública em sua Privada e a Presidência, em seu quintal): Carlos Bolsonaro, o "Carluxo", literalmente um "filhinho de papai" sem qualquer atributo além disto! E ele resolveu, depois de tantos limites já ultrapassados, ultrapassar mais alguns derradeiros ao acusar a Família Azulay, em momento de luto, de mentir sobre a recente morte do genial artista, no último sábado, 28 de março: em mais uma desastrosa declaração numa rede social (legítimo pleonasmo, em se tratando de Bolsonaros), o sempre impunemente irresponsável afirmou ser "muito difícil para estes dizer a verdade em algum momento… ele tinha leucemia!", desrespeitando acintosamente a memória de um grande brasileiro e bradando contra a declaração do canal oficial do genial desenhista, onde seus familiares e amigos declaravam que Azulay "Estava tratando uma leucemia e contraiu coronavírus". 

Gripezinha": Menosprezo de Bolsonaro por coronavírus o tornou ...
O mito cego e a "Gripezinha"...
Pois é, meus queridos blogueiros de plantão: mais uma pessoa teve seus problemas de saúde agravados pela séria pandemia mundial pôde ser tratado por um velhaco como uma "mentira" ("esse vírus é uma histeria!") ou somente "mais um idoso" ou "pessoa com problemas prévios de saúde" - exatamente o que era o Mestre Azulay: um idoso de 72 anos com câncer, mas que jamais poderia fazer parte das sujas "estatísticas" desumanas das "gentes de bem" da abastada curriola bolsonarista (sim, porque os imundos a surrupiar Brasília contam também com a "outra ala", arrastando multidões humildes pelas suas diariamente plantadas fake news, a concordar cegamente com o seu líder "mito" - um mito, realmente, que a Besta-Fera Jair Bolsonaro seja um líder!). Não satisfeitos, a ideia agora é que "O Brasil não pode parar" e, isolando-se "apenas os idosos e os doentes" (hã?!), aquele que se diz Presidente da República (ainda tenho dificuldades de chamar seu nome ao lado de cargo tão nobre), como um caótico e absurdo Coringa sem graça e não satisfeito em ter trazido consigo e sua comitiva ainda mais COVID-19 pra cá, manda as precauções com seus abobalhados seguidores, com os mais humildes e com quaisquer escrúpulos às favas, contradiz o próprio Governo, que segue, por meio do seu Ministério e Secretarias da Saúde, as determinações da OMS, e quer porque quer mandar a massa de manobra para fora dos seus confinamentos prévios de quarentena! É o dizer "estamos salvando vidas, mas matando outras não-oficialmente em nome da Economia"! Ou, melhor dizendo, Economia dos malafaias, cuja renda dizimal caiu sem seus cultos de exploração; ou dos Durskis, Justus e Hangs, para os quais as mortes de algumas dezenas de milhares de pessoas ("só velho" e "favelado" seria "justificável"?!) não seria motivo para histeria...

Morre no Rio, aos 72 anos, o desenhista, pintor e cartunista ...
Ainda na ativa e com tanto pra oferecer, Daniel vai fazer falta...
Especialmente nesse País doente em todos os sentidos...
Eu olho para os meus filhos e me preocupo com as recentes mutações desta praga viral, que, mesmo com todos os cuidados quanto aos fechamentos de escolas, parques e escritórios, tem alcançado, adoecido e até matado as faixas etárias mais jovens... E, não só por isso, lamento que eles cresçam numa época tão perigosa e acéfala, em que pestes assolam a saúde, a vida de bilhões e o Executivo Federal brasileiro (além dos EUA, da Espanha, da Inglaterra...)... Lamento também vê-los crescer em meio a tantas opções de canais e jogos online, mas sem atrações do calibre de um Daniel Azulay... Esse artista plástico de renome que se despedia, desde a TV em preto-e-branco, puxando a orelha, assobiando e ofertando "um algodão-doce pra vocês", compositor e musicista de muitos discos e precursor de programas educativos conscientes e estimuladores da criatividade por sobre o lixo doméstico muito antes das ondas ambientalistas e dos desenfreados Mister Makers dos canais pagos de hoje em dia... Por fim, creio lamentar por mim mesmo, um aprendiz daquele rapaz sem idade (e, assim como ele, um artista ex-advogado), há tanto tempo sem encontrar motivação para criar carrinhos a partir de caixas de pasta de dentes ou fazer mil desenhos inventivos com as mais diversas técnicas para os meus filhos como cresci fazendo diante de um televisor, na infância de meus anos 80... Talvez porque todos realmente nos acomodamos com "males de saúde prévios" e nada fizemos para colorir a vida com criatividade ou recriar as sucatas em lúdico, subestimando os verdadeiros males em volta... Ainda bem que existiram Azulays para nos lembrar o que fazer: pintar o 7, acreditar... E persistir!
Geuvar (@GeuvarGeuvar) | Twitter
Da série "Quadrinhos que não gostaríamos de ler" ou "Seria cômico se não fosse trágico"...
Obra do artista "nascido na Esquerda" Geuvar Oliveira.

terça-feira, 24 de março de 2020

Meu Primeiro Romance
(Quinto Mês)


Você ainda vai me amar amanhã...?
CAPÍTULO X
Aniversários...

– Hoje é dia 24...
Silêncio na pequena sala de jantar. A não ser por um Chico Buarque rodando Olhos nos Olhos baixinho e ao longe, numa fita k-7, no microsystem que colocara na entrada do quintal enquanto mexia nalgumas ferramentas pra fazer pequenos consertos em coisas da casa – era como eu não enlouquecia (e botava do lado de fora da sala para não enlouquecê-la). Eu continuo:
– Mas nesse dia 24, em particular, não sei realmente se temos algo a comemorar... Tantos os 24 que nos escaparam nos últimos meses e anos...
Como o silêncio persistisse e eu nem demonstrava exatamente o que esperava ouvir naquela situação esdrúxula, mantive o tom pesaroso:
– Mas o amor é algo que não desaparece; ele simplesmente não deixa de existir! E uma parte de mim, senão eu todo, permanece em nossos antigos dias 24... Ainda que, até hoje, eu jamais tenha entendido direito o que aconteceu para que perdêssemos essa essência tão cara de nós dois...
Definitivamente sabendo que o silêncio permaneceria sem qualquer resposta, eu, enfim, fiz uma pausa... Após alguns minutos, respirei fundo e segui falando, agora mais firme:
– Tudo o que eu mais queria, neste momento, era que você me dissesse alguma coisa, em nome de todos os dias que tornamos especiais na nossa vida a dois! Que você estendesse suas mãos pequenas e me desse um relicário cheio de significados, como esta caneta aqui, por exemplo: tanto que eu assinei com ela e agora, mesmo sem tinta, ela compõe esse mosaico de coisas abandonadas, mas que jamais perderão seu valor original, porque sempre fomos assim! Cheios de simbologias um com o outro!
A janela se abriu lentamente e iluminou bem a mesinha onde fazíamos nossas refeições e conversávamos sobre tudo cada segundo que nos era permitido  foi o vento...
Voltei-me para os objetos por sobre a mesa e percebi que o peso de papel em forma de globo, aquele que tanto estranhei quando dela recebi nu já longínquo 24 justamente porque não continha nada em simbolismo para nenhum de nós dois além de uns corais e uns golfinhos que aparentemente brilhavam no escuro (pelo menos era o que ela afirmava...), estava quase caindo, na beira do móvel. 
Coloquei-o protegidamente mais próximo do lado dela da mesa, quase colado aos intocados pires e caneca e talheres, que pareciam ainda esperar pelo café da manhã... Nem percebi, mas havia tempos que não havia mais ninguém ali... E, ao fundo, não havia mais música, mas somente o estridente ruído de a fita se enroscando no tapedeck: muito dificilmente ela poderia tocar outra vez...
 

+ voam pra cá

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