Um solitário folião em meio a confetes e serpentinas ou um revoltado espectador global já perdendo a gravidade?
Acredito que o querido blogueiro de plantão conheça a expressão “samba
do crioulo doido” – ainda que possa desconhecer a sua origem ou o seu
significado. E, ao final dessa época festiva de botar os Black blocks na rua e de carnavais
cinematográficos, o assunto soa bastante salutar... Pois bem, trata-se de um
samba de autoria do já falecido Sergio Porto, jornalista e escritor sempre
muito bem humorado sob o pseudônimo de Stanislaw Ponte Preta, que, além do
clássico Febeapá: Festival de Besteiras que
Assolam o País (obra literária da década de 60, mas
ainda bastante atual), deu ao Teatro de Revista (e também à Música brasileira) a pérola Samba do Crioulo Doido (1968), nele contando
a debochada história de um negro sambista, até então obrigado a estudar calhamaços
de História do Brasil para compor os sambas de enredo da sua querida Escola, mas que surta quando o tema dado é “a atual
conjuntura” – o pobre compositor, assim, mistura tudo o que decorara antes de fatos históricos numa letra inusitada: Joaquim José/ Que também é/ Da Silva Xavier/ Queria ser dono do mundo/ E
se elegeu Pedro II/ Das estradas de Minas/ Seguiu pra São Paulo/ E falou com
Anchieta/ O vigário dos índios/ Aliou-se a Dom Pedro/ E acabou com a falseta/
Da união deles dois/ Ficou resolvida a questão/ E foi proclamada a
escravidão...
E alguém aí, por acaso, já viu algo mais tosco e confuso do que misturar
carnaval e cinema? Quase como água e óleo, essa química parece ter funcionado
somente em raríssimas ocasiões, como em Orfeu Negro, de 1958 – e, mesmo
assim, restando hoje bastante datado. Só lá uma vez ou outra esta mistura
gera algo bacana nalguma alegoria de algum desfile perdido na memória... Sim,
porque, na maioria das vezes, o resultado soa canhestro demais e, ou nos
deparamos com uma produção cinematográfica farsesca demais, similar a um carro
alegórico de mau gosto, ou caímos na gargalhada diante de uma Escola de Samba
que desliza feio numa homenagem rocambolesca a um filme ou personagem
popular... São coisas mesmo tão díspares que até o mais caro multiplex dos shopping centers resolve baixar o preço do ingresso para atrair mais público nos três
dias de Momo: em outras palavras, quem está na folia não pode olhar o que anda
na tela (e vice-versa)!
E o que é que a Rede Bob... digo, Globo de Televisão fez no “domingo
gordo”? Conseguiu novamente, como de costume, os direitos de transmissão da
entrega do Oscar. Mas, sem a ameaça da concorrência
sobre a popular premiação hollywoodiana, preferiu exibir os seus ainda mais
populares em terras tupiniquins Big Bost... digo, Brother Brasil e o já tradicional desfile das Escolas de Samba do Grupo Especial do Rio
no mesmo horário da famosa atração de Los Angeles (exibida mundialmente ao
vivo, no último domingo, a partir das 21 horas, horário de Brasília)! Mas e o Oscar: a Globo não ia mesmo passar? Bem, a emissora acabou achando mais
interessante reunir sua bela global da vez, Fernanda Lima, a Mônica Iozi (o que
essa menina foi fazer na Globo? E o que essa menina entende de Cinema?),
Alexandre Borges (?!) e outros convidados da área da moda (!) para comentarem
os ins e os outs no tapete vermelho, numa compilação pra lá de chinfrim e mal editada,
exibida somente na tarde da segunda-feira seguinte à premiação... Os filmes
premiados? Ah, eles falaram disso, também... Mas o que é que é isso, minha
gente: uma imitação barata do metidinho Fashion Police do canal E! (espécie de TVFama dos gringos ricos) ou a exibição de uma premiação cinematográfica?!
Definitivamente, é o “Samba da Globo Doida”! Tudo bem que a patriotada
do Oscar normalmente está para a legítima 7ª Arte como o BBB está para os estudos da Sociologia, mas
e o respeito àqueles que gostam de acompanhar a premiação e não dispõem dos
canais da TV paga (o Oscar foi exibido no Brasil pelo TNT, canal do grupo Warner)? Já não bastava o que o Império das telecomunicações brasileiras
costumava fazer nos anos anteriores, cortando quase pela metade a atração
norte-americana... por causa do próprio BBB (que, por sua vez, também corta a exibição dos desfiles)? No mínimo, uma
injustiça! Especialmente este ano, em que foi até um pouco mais caprichada a
escolha dos candidatos aos prêmios principais... Eu mesmo, que nunca apreciei o
oba-oba competitivo entre os grandes estúdios e de todo aquele glamour carnavalesco da mais
famosa premiação deles, sempre achei legal acompanhar o Oscar. E, fosse para falar mal
dos ganhadores (como assim, Titanic com o mesmo número de Oscars de Ben-Hur?!), fosse para fazer
bolão de apostas com os amigos (quem perdia, pagava o jantar!), fosse ainda para
me atualizar com os últimos lançamentos, o certo é que, todo ano, lá estava eu
diante da TV até a madrugada do dia seguinte vendo um dos mais famosos shows da televisão
estadunidense, com todos os seus prós e contras.
Tudo bem, neste ano não foi nada tão diferente assim... Mais uma vez achei tudo meio sem graça (Ellen DeGeneres?! Chamem o Billy Chrystal!): cada vez menos “espetáculo” e mais “ligeirinha”, a noite teve pouca coisa de
realmente interessante! Mas prossegui com minhas “torcidas” pelos
“melhorzinhos”! Sim, tentei ver todos os indicados, pelo menos os nove principais,
os da categoria de melhor filme, porém, apesar de ter conseguido baixar todos
pela internet (e com cópias em HD: viva o download intercontinental e
sem fronteiras!), novamente foi tudo
debalde, só conseguindo ver dois: Gravidade e Capitão Phillips – além da muito boa comédia dramática Blue Jasmine, do Mestre Woody
Allen, que corria por fora, concorrendo somente a melhor atriz (Cate Blanchet,
merecidamente premiada na sua impressionante releitura da Blanche DuBois, de Um Bonde Chamado Desejo) e melhor roteiro original (Allen, que
“perdeu” – como se ele se importasse... – para o sempre inventivo Spike Jonze e
seu promissor Ela).
Curiosamente, apesar de ansioso por ver a sardônica comédia de Martin
Scorcese, O Lobo de Wall Street, ou os dramas 12 Anos de Escravidão (ganhador dos Oscars de melhor filme e
melhores atriz coadjuvante e roteiro adaptado) e Nebraska, que parecem bem interessantes, acabei mesmo vendo os dois
“filmes-tensão” concorrentes da noite: espécie de subgênero misto, oriundo do
Drama, do Suspense e da Aventura de Ação (santo carnaval!), este novo estilo de
filme meio que foi “inaugurado” recentemente com o ótimo Voo United 93, do mesmo diretor do
competente Capitão Phillips, Paul Greengrass, e
tem como característica principal a quase ausência de enredo, substituído por
uma situação-limite em andamento (um acidente, um sequestro etc.) que deverá
ser resolvida a qualquer preço – “Ah, mas isso já foi feito, e desde os anos
70, com a grande leva de filmes-catástrofe como Inferno na Torre ou O Destino do Posseidon”, poderia pensar o incauto blogueiro
de plantão... Mas eu afirmo: este novo padrão “filme-tensão” é diferente!
Vide o exemplo do grande “campeão” da noite, com 7 Oscars – mais do que merecidos melhores
efeitos especiais, efeitos sonoros, mixagem de som, montagem e direção
(Cuarón), além de fotografia (!) e trilha sonora (!!): Gravidade pega aquele conceito que descrevi
acima, bastante caro ao Greengrass em seus bem orquestrados trabalhos mais
recentes (com as histórias reais do famoso voo sequestrado por membros da Al Qaeda até sua trágica queda nos EUA e do caso
dos piratas somalianos que mantiveram o Capitão Phillips como refém em alto mar) e
o joga, literalmente, para o espaço! Afinal, pouco se sabe da Dra. Ryan Stone (Sandra Bullock, numa inacreditável
interpretação visceral) a não ser que ela tem que sobreviver praticamente
sozinha (com alguma ajuda de um sempre carismático George Clooney) a um
desastre num ônibus espacial – e apenas isto é o filme! Nada de coadjuvantes engraçadinhos ou maiores motivações
forçadas: é o limite do ser humano testado em pouco mais de duas horas de
tensão e adrenalina, sem introduções de costumeiros estereótipos ou maiores apresentações! E, no caso de Gravidade, some-se a isso a
competência magistral do mexicano Alfonso Cuarón (surge um novo Kubrick?!),
que, além de utilizar de forma ímpar os impressionantes efeitos gráficos numa
inovadora forma narrativa, transformando o ato de ver seu filme numa
experiência sensitiva (especialmente no original 3D: tecnologia a serviço de um
grande filme), ainda incutiu nele sutis metáforas sobre a vida e a morte... Mesmo com seus defeitos e exageros (é ficção-científica; e não um documentário da NASA), um memorável trabalho!
E eis que o Oscar, apesar das injustiças globais, até
que fez alguma justiça na distribuição das suas cobiçadas estatuetas douradas... E eu,
que nunca fui muito da folia e mal vi a querida Mangueira entrar (o mais infame
trocadilho do carnaval!) na avenida pela TV, fiquei dividido entre a
americanada dos prêmios dos filmes que ainda quero ver e o colorido
exibicionismo das belíssimas “crioulas” doidas de samba, suor e cerveja da
festa momesca, prevalecendo, neste ano, o Cinema... Até vi outros bons filmes nos últimos tempos, mas, como em fevereiro os Morcegos só falaram de Cinema, deixo para abordá-los numa
outra hora. E eis que o carnaval se acabou! E
como o Brasil só começa, de verdade, a partir de agora, o melhor a fazer é
arregaçar as mangas e criar um novo enredo para o nosso louco e sem fantasia
cinema realista do dia-a-dia... Antes que o País entre em recesso até a chegada
da Copa do Mundo brasileira, emendando com a festa pós-hexa (será?) até o
verdadeiro filme-tensão do estandarte do sanatório geral que serão as eleições
deste ano, com antigos blocos doidinhos para voltar para a primeira divisão... Jesus!
Copa, Futebol, Olimpíadas, Eleições... Embora eu não mais perca meu tempo assistindo a nada da imund... digo, da vênus platinada, tomara que a Globo não compre os direitos de transmissão de tudo isso
e siga única, em seu Império do Mal, a deter o monopólio da exibição, senão o povo só vai poder ver todo o resumo da ópera mal editado, "comentado" por "estilistas" e do jeitinho que eles quiserem – e dias depois de tudo encerrado! Ué... mas, pensando bem, e não foi sempre assim?!
Um solitário folião perdido no espaço ou um espectador global?