sexta-feira, 24 de agosto de 2018

Tudo aquilo que nunca foi dito, mas que não deixou de existir...

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Muitos eram os galhos por sobre os primeiros raios de sol – acabaram nunca tendo sido podados...
– Hoje é dia 24...
Silêncio na pequena sala de jantar. Ele continuou:
– Mas nesse dia 24, em particular, não sei realmente se temos algo a comemorar... Tantos os segredos e as mentiras, tantos 24 que nos escaparam...
Como o silêncio persistisse e ele seguisse sem dar sinais do que exatamente esperava ouvir naquela situação esdrúxula, manteve o tom pesaroso:
– O amor é algo que não desaparece; ele simplesmente não deixa de existir! E uma parte de mim, senão eu todo, permanece em nossos antigos dias 24, no nosso tempo puro... Ainda que, até hoje, eu jamais tenha entendido direito o que aconteceu para que perdêssemos essa essência tão cara de nós dois... Por que você fugiu de nós dois...
Definitivamente sabendo que o silêncio permaneceria sem qualquer resposta, ele, enfim, fez uma pausa... Respirou fundo e seguiu falando, com mais firmeza:
– Tudo o que eu mais queria, neste momento, é que você abrisse o peito e essa boca e me dissesse alguma coisa, em nome de todos os dias que tornamos especiais nessa nossa vida! Que você estendesse suas mãos pequenas e me desse um grande relicário cheio de significados, como esta caneta aqui em minhas mãos, por exemplo: tanto que eu assinei com ela e me registrei de alguma forma que, mesmo já quase sem tinta, compõe esse mosaico de coisas abandonadas, mas que jamais perderão seu valor original, porque sempre fomos assim, cheios de simbologias vivas um para com o outro!
A janela se abriu lentamente e iluminou bem a mesinha abaixo, onde faziam suas refeições e conversavam sobre tudo cada segundo que lhes era permitido. Foi o vento...
Voltando-se para os objetos por sobre a mesa, ele percebeu que o peso de papel em forma de globo estava quase caindo da beira do móvel, aquele mesmo globo que ele estranhou quando dela recebeu justamente porque, aparentemente, nada continha de simbolismo para nenhum dos dois além de uns corais e uns golfinhos que pareciam brilhar no escuro (pelo menos era o que ela afirmava...). Ato contínuo, colocou-o protegidamente mais próximo do centro e do lado dela na mesa, quase colado aos intocados pires e caneca e talheres, que pareciam congelados no tempo, ainda a esperar incólumes pelo calor de um café da manhã.
– Mas é inútil: eu sei que tu não vais falar nada... Desististe de tudo... Especialmente de nós dois...
Por fim, já com a voz embargada, levantou-se da cadeira à mesa vazia onde estava desde o princípio, com uma amarelada folha de papel à mão direita, já sendo amassada com a angústia que começava a irromper, socou levemente o ar com a outra mão, enquanto, inadvertidamente, soltou o papel ao chão, que, ao cair, abriu-se e revelou não só cada palavra entoada por ele até então, à exatidão e sem consulta, como também suas linhas antigas, escritas com aquela mesma caneta citada, encerravam-se com o último dizer repetido agora em voz alta e em meio a um longo suspiro:
– E como eu sei que amor não morre, nem desaparece, nem se converte em nada mais que dor rasgada de saudade... estarei sempre aqui te esperando...
E, nesse uníssono já quase sem força entre a toada daquela carta e aquele tempo perdidos, diante da ausência dela que nada mais podia lhe dizer, ele também se retira da cena: mesa, montada do jeito que costumava ser entre eles, naquela cozinha com ares de depreciação por abandono em um apartamento que sentiu cada um dos passos de ambos numa vida que se descobriu a partir do que os dois juntos construíram. Se ela o abandonou por medo ou por morte, não se sabe: nem a carta nem os lábios secos e exaustos dele disseram... A única coisa que ainda pode ser narrada é que, agora, naquele imóvel inteiramente vazio, a janela vai se fechando lentamente, terminando de guardar e mergulhar, de uma vez, aquele lugar e suas memórias escritas e decoradas de cor na total escuridão – deve ter sido o vento...

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quinta-feira, 16 de agosto de 2018

Pentalogia da Poesia Esquecida e Ignorada

Foto: Dilberto L. Rosa

I
Não sou nada
Não sou ninguém
O vazio do teu abandono
Me fez cativo da ideia
Que um dia te fez refém,
Preso a uma essência
Que deixou de existir
- Não existo...
Mas me alimento das perguntas
Que criaram o teu partir!
Luto...
Fim de quem aceita
E esperneia
E nega até o fim
Pelo que o peito ainda anseia
- Essa é mesmo a glória
Na crença
De se compor
Pelo que se ama:
Minha única
E derradeira chama
Repousa em paz
Na tua louca indiferença...


II 
Haja poesia
Sempre a nos guiar
Pelo arroubo do dia
Aja, Poesia,
Toque o que tocar
Na virada da noite
Vazia
Haja poesia
Pra nos sustentar
Nas atrocidades
Caladas
Das lembranças ora fugidias...
Haja, Poesia:
Cala tua boca
Seca
De palavras de mente vazia!
Ah, já... Poesia:
Tu tão certa
Em cada promessa
Que me dizias...?
Haja poesia
Pra te aguentar
Na loucura dos teus
Novos, bizarros e exilados
Dias!
Poesia...
Haja você
Em cada um de meus versos
De amor
Que já não mais
Me cabia.


III
A fúria
Calada
Dos objetos
Queimada
No cartão
Primeiro
Que devolvi
Com tudo
Que tive
Que te vi
Sem querer
Ver
O que vi
Ao te ver
Sem nada
Do que
Um dia
Te dei

Tu já
Não
Esperavas
Por mim:
Teu dia
Melhor
Não era
Meu
Como minhas
Já não
Eram dadas
As coisas
Ofertadas
Outrora
Amadas
E agora
Jogadas
Pelo chão

O amor
A loucura
O senão
Poesia
Cuspida
No silêncio
Do choro
Desesperado
De cada
Objeto
Perdido
Já sem
Função
Parado
A encarar
Madrugada
Sem pedido
De perdão...

O tesão
E o beijo
Forçado
No banco
Sujo
Do carro
Choro
No saco
Guardado
Um amor
Humilhado
Coisas
Adoradas
Vida
Tua
Na minha
Guardada
No chão...


IV 
Não sei mais de nada
Não sei mesmo de mim
Lá vou ainda saber de ti
Que já não me lambes a mão
Só me roubas o sono
E me sequestras a paz
Você que é bonita demais
Mas não mais comigo
Enquanto choro de castigo
Sem saber de tuas pernas
Em novas amizades sinceras
De velhas mentiras sociais...
Eu mesmo nunca soube de nada
E só repetia o que aprendi
No repente de uma nova canção
No amor de uma menina
Que me ignorou em poesia
Nessa madrugada repetida
De contínua e eterna perdição...


V
Eu
Um ser que respira
Sem vida,
Colado à parede
Pelo choro desprendido
Por algo que se perdeu...

Na foto esmaecida,
Um mar morto,
Mas que respira
Logo ali em frente,
Meio que de esquina,
A esperar quase sem cor
Por algo que se perdeu...

Assim me sobram
O litro de uísque barato,
O beijo amargo de tragar
E o reflexo do sorriso
Vivido a dois
Manchado pelo ar de maresia
No espelho do retrovisor...

(Dilberto L. Rosa, 2018)
 

+ voam pra cá

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