sábado, 25 de janeiro de 2020

"Moranguinho Mallando"
e a Dublagem em minha vida...
(Uma postagem "totalmente excelente"!)


- O que EU quero? É o que eles querem! E é o que todo cara que veio pra aqui, que se arriscou e deu tudo de si quer - que nosso País nos ame assim como nós amamos ele! É isso que eu quero...
- Como você vai viver?
- Dia a dia...

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Vozes da minha infância...
Calma, querido blogueiro de plantão: o excerto acima não deve ser parâmetro sobre este pobre escriba que vos fala, que ainda não se bandeou para as fileiras dos acéfalos bolsonaristas do lado negro do front! Na verdade, o trecho supracitado faz parte do final do igualmente acéfalo Rambo II - A Missão (acompanhe o original a partir de 9’43’’ no vídeo acima), escrito e estrelado pelo musculoso adorador de símbolos de guerra estadunidense Sylvester Stallone: na última cena do filme em questão – que, apesar de unidimensional e ufanista, ainda é divertido e bem melhor que o absurdo Rambo Até O Fim, o pior título do ano passado – , John J. Rambo tem o referido diálogo com o amigo Cel. Trautmann (vivido pelo finado Richard Crenna). E o faz, na versão brasileira, com a bela e inesquecível voz de um dos maiores dubladores do Brasil de todos os tempos (sendo o meu favorito), André Filho – que, além de Stallone, também emprestou sua voz a ou outros astros e personagens famosos dos anos 70 e 80, como Christopher Reeve (ele foi, até sua morte em 1997, a “Voz do Super-Homem” original, em Superman I, II, III e IV), O Homem Biônico (Lee Majors), Burt Reynolds e Sean Connery (neste caso, o timbre similar e o famoso chiado carioca caíam como uma luva para emular e adaptar o sotaque do astro escocês)!

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Como eles cresceram...
E esse diálogo, em particular, assim como inúmeros outros - como as hilárias passagens, que sabia de cor, de Gene Hackman/Lex Luthor em Superman II, dubladas pelo grande Darcy Pedrosa (famoso por ter sido, além de Hackman, a voz oficial de Jack Nicholson e Anthony Hopkins até seu falecimento, em 1999) -, eu adorava reproduzir quando das milhares de reprises exibidas na TV ou no meu VCR, diminuindo o som do televisor e brincando com os amigos, que adoravam ver e ouvir minhas imitações e tentativas de sincronizar minha fala às das bocas dos atores na tela do 14 polegadas de mamãe... E, completando o quadro ao acompanhar então atores mirins globais, como Oberdan Jr. e Danton Mello (assim como seu irmão, Selton Mello), ambos apresentados na novela A Gata Comeu, cobrindo as vozes de filmes incríveis como Karatê KidOs Goonies e Viagem ao mundo dos sonhos, já ficava fácil dizer o que eu gostaria de ser quando crescer: se não desse certo o lance de desenhar casas (sempre que eu as desenhava, diziam que eu seria arquiteto...), eu seria dublador! Afinal, tinha facilidade em criar vozes, adorava Cinema, decorava longas falas com facilidade e já "treinava" brincando disso nas horas vagas, fosse nos repetecos em casa, fosse no colégio, com o amigo Henrique Spencer, tirando sarro de gentes ao longe, que nem faziam ideia das besteiras que inventávamos "ao vivo", de improviso, por sobre suas falas inaudíveis...


O falecido Gugu oferece um aparelho de som a quem dos seus convidados (entre eles, Angélica) descobrir os dubladores de Chaves e Chiquinha: mais anos 80, impossível!

Como já dito inúmeras vezes aqui neste humilde espaço virtual, por ter descoberto o universo da Sétima Arte graças ao videocassete no final dos anos 80, muito daquela diversão passava necessariamente pelas gravações caseiras, nas fitas em VHS, dos clássicos da Tela Quente, Temperatura Máxima e da Sessão da Tarde para rever milhões de vezes depois: assim, tome versões dubladas nos Estúdios da Herberth Richards, BKS, VTI-Rio, AIC-São Paulo, Delart e, em alguns casos mais esporádicos de produções exibidas no SBT, Estúdios Marshmallow (posteriormente, MAGA, abreviatura de Marcelo Gastaldi, proprietário e diretor artístico, a grande voz por trás de Charlie Brown e Chaves/Chapolin)... Era o auge do dito “Cinema em Casa” (não por acaso, nome de conhecida sessão de filmes no canal do Silvio Santos) e a maioria das pessoas não abria a mão da preguiça mental do lar nem mesmo para ler legendas! Por tal razão, muito tempo antes de independentes faixas digitais de áudio darem escolha ao espectador entre a versão dublada e o idioma original com legendas na atualidade, as locadoras costumavam encher suas prateleiras com cópias dubladas dos títulos mais populares uma vez que nem só crianças preferiam acompanhar os seus filmes favoritos sem legendas...

Resultado de imagem para josé santa cruz dublagemMesmo sem muita opção na época, já me inclinava para o som original quando havia oportunidade, como numa sessão legendada de cinema (além de se vivenciar melhor a interpretação dos atores, o som e os efeitos sonoros eram melhores e menos artificiais do que nas dublagens)... No entanto, acabávamos nós, os aprendizes de cinéfilos daquela geração, a termos nossos dubladores favoritos. Porque, chegando à adolescência, já sentíamos saudade do dizer "Versão Brasileira: Herberth Richers..." feito por Márcio Seixas (Batman - A Série Animada; Leslie Nielsen etc.); não havia a mesma emoção, na Televisão ou nalgum aluguel desavisado de fitas quando Harrisson Ford surgisse na telinha com outra voz que não fosse a de Garcia Júnior (a “Voz do He-Man”); ou não era tão engraçado quando Eddie Murphy era feito pelo Mário Jorge, por mais talentoso que este seja até hoje, no lugar do saudoso Waldyr Santanna, o HommerSimpson original e o Terêncio, da novela Roque Santeiro! Como, para ser dublador, sempre foi necessário ser ator profissional (ou locutor de rádio, como se dava antigamente, em que um jovem Lima Duarte deixava as rádios diretamente para dar voz ao Manda-Chuva), muitos atuavam na TV além das dublagens e acabavam reconhecidos por suas vozes marcantes no meio de alguma novela – casos de Isaac Bardavid (a eterna “Voz do Wolverine”, do Esqueleto e de tantos outros personagens icônicos: hoje, com a voz mais embargada, já atua bem pouco...), da eterna "empregada doméstica das 8h" Maria Helena Pader (Glenn Close como Cruella Cruel, Angelica HoustonFran de A Família Dinossauro etc.), Nizo Neto (filho do Chico Anysio que dominava os anos 80 personificando Tom Hanks e Mathew Broderick), do comediante José Santa Cruz (facilmente reconhecível por vozes mais caricatas, como o Dino da Família Dinossauro, e cômicas, como a de Danny DeVitto, embora interpretações mais sérias de gentes como Ian McKellen também marcassem sua carreira) e de Hélio Ribeiro (famoso por normalmente interpretar advogados em participações na Globo e por ser a “Voz de Steve Martin” e de Robert DeNiro).

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"Para o infinito e além...": símbolo de infância...
E não havia como não ser igualmente fã das mil e uma vozes muito antes feitas para os desenhos animados dos anos 60 e 70 que já fazia com maestria o pessoal da geração anterior àquela com quem eu descobria a dublagem – como não se lembrar, por exemplo, do Marinheiro Popeye, Gato Guerreiro (da animação He-Man), ALF O E.T.eimoso, Scooby-Doo ou O Vingador (de Caverna do Dragão), todos na icônica voz do hoje centenário Orlando Drummond (o eterno Seu Peru da Escolinha do Professor Raimundo, aposentado desde 2014) ou Mário Monjardim e as eternas caracterizações de seus "Ô, diabos!" para personagens como Salsicha (Scooby-Doo), Pernalonga e o ator Gene Wilder - artistas que, com certeza, influenciaram diretamente não só a mim como também grandes dubladores que os seguiram, como os grandes Miriam Ficher (voz de Nicole Kidman, Jodie Foster, Wynona Ryder, Meg Ryan e Angelina Jolie), Nelson Machado (cultuado por seus trabalhos como o Quico do Chaves e Chucky, o Brinquedo Assasssino), Márcio Simões (Coringa de Heath Ledger, Kevin Spacey, Samuel L Jackson), Manolo Rey (a eterna "voz de adolescente" por trás de Tobey Macguire e Michael J. Fox), Marcio Ribeiro (Robert Downey Jr., Tom Hanks Jim Carrey), Ricardo Schnetzer (dos "marrentos" Nicholas Cage, Al Pacino e Tom Cruise) e, por último, mas nada menos importante, Guilherme Briggs, espécie de ídolo nerd de milhões de internautas em decorrência do imenso apreço das novas gerações pelos seus trabalhos mais recentes na telinha, como Buzz Lightyear da franquia Toy Story, e graças ao seu canal de bonecos e vozes no YouTube (em que se vale, com humor adolescente em seu apartamento, para fazer rir com suas coleções de bonecos de personagens dublados por ele mesmo, como o transformer Optimus Prime), tornando-se, com isso, o maior e mais popular representante moderno daquela Velha Guarda cheia de maneirismos vocais diferentes...

Muito do charme de Willys veio com a voz de Newton da Matta
Porque não há como negar que esta profissão carregue algo de muito lúdico e especial para todos que acompanham aquele filme ou seriado marcado pela voz de outro artista que não o intérprete original – ainda mais para aqueles que cresceram com essas sendo "as vozes" dos seus tipos favoritos! Só é de se lamentar que, apesar de toda a preferência voltada para as exibições legendadas, eu ainda me compadeça ao perceber, nalguma exibição na TV aberta ou mesmo paga, algum filme da minha infância ou adolescência tendo sido redublado... Só para citar um exemplo: os astros que antes "pertenciam" ao saudoso André Filho, como Stallone ou Christopher Reeve, passaram para Luiz Feier Motta – que, por mais talentoso que seja (ele, por exemplo, fez a voz do Narrador das Meninas SuperPoderosas), tem poucas inflexões se comparado ao mestre anterior... Afora o "choque" que tenho a cada vez que o ouço nalguma cena antes interpretada pelo André! De concluir que, tal como se dá com aquela "interpretação definitiva" na nossa canção preferida, sempre teremos nosso dublador ideal para determinado ator – não consigo ver, de jeito algum, Bruce Willys desde que sua "voz oficial", Newton da Matta (Lyon, dos Thundercats; Terence Hill etc.), faleceu e levou consigo toda a malandragem do eterno "John McLane"... Logo, por mais informativo que esta postagem tenha sido, a grande maioria das vozes aqui citadas já nem são mais ouvidas nas atuais versões brasileiras, a não ser que a dublagem original não se tenha deteriorado ou envelhecido tanto ou ainda que tal cópia passe somente naquelas sessões Corujão, ocasião em que só os mais velhos e saudosistas restarão insones em frente à TV para se deliciar com alguma voz antiga do seu passado afetivo...

Justamente por isso que, nesses tempos de saudosistas cultos virtuais, os dubladores acabaram se tornando pequenas celebridades festejadas nos mais diversos eventos de cultura geek pelo Brasil inteiro! Como também ocorre de, até hoje, gerações inteiras a partir dos anos 80 se divertirem de forma quase infantil com uma boa molecagem em torno de locuções e dublagens – vide os sucessos televisivos de dois fenômenos culturais da antiga MTV (anos 90 e 2000): as narrações esportivas feitas pelos comediantes Marco Bianchi e Paulo Bonfá nas disputas de Futebol Society entre famosas bandas brasileiras no campeonato RockGol – em que pululavam apelidos aos roqueiros e regueiros na disputa ("Wolverine Valadão" para Nazi; "Chiliquenta" para Tony Garrido etc.), pérolas como "Totalmente excelente", "Tirem as crianças da sala" e "Maravilha, Alberto!" emulavam bordões futebolísticos antigos e interrupções das partidas mais modorrentas ao cantarem "clássicos" infantis em Inglês como Swimmingpool e I love the flowers no meio das locuções... E a sessão cult Tela Class, última criação do genial grupo Hermes e Renato naquele canal (a trupe se acabaria, literalmente, na TV Record no programa Legendários, alguns anos depois), em que os despirocados paulistas de boca suja escolhiam a dedo filmes Z desconhecidos e lascavam-lhes dublagens toscas e, justamente por isso, hilárias...

Sempre que eu posso, compro morangos e tento fazer esta sobremesa exótica em casa, moranguinho mallando, (embora tenha conhecimento de que só o original era "uma diliça", a ser colhido somente por alguém com a bravura de um Hércules de quinta categoria por entre assombrosos perigos bem trash... Inesquecível deboche da trupe do Hermes e Renato, num dos mais lembrados episódios do seu Tela Class da MTV, homenagem a todos aqueles com paladares únicos - e acabam gostando de "javali com cheddar" - ou que, simplesmente, sempre adoraram uma divertida dublagem...

sábado, 18 de janeiro de 2020

Olha só o que eu achei...

Já estava sendo contaminado por fungos, dado que havia ficado numa caixa na varanda - com todas essas chuvas e esse meu parar no tempo, com tanto pra fazer... Mas nunca é tarde para absolutamente nada e eis que, em meios às tristezas de ver como perda total alguns escritos e desenhos originais das décadas de 80 e 90, consegui salvar este exemplar muito caro (especialmente para os quirópteros amigos que mantêm este espaço virtual diretamente de por cima da minha cabeça) numa arrumação deste domingo: o escrito original do meu primeiro poema, Morcegos e marcado como tendo sido feito às 2h da manhã (uma pontinha rasgada não permitiu que se visse o dia ou o mês... embora eu creia ter sido outubro) - acrescido de desenhos em Quadrinhos que começaria a fazer sobre um super-herói criação minha, Bracelete Azul (mas que, pelo visto, foi interrompido completamente pela Poesia e tomou um novo e inesperado rumo: passei a escrever mais que desenhar... Até virar escritor!).

A Poesia tem mesmo vida própria por intermédio dos seus poemas - a Poesia ama, segue, é viva, nunca para... E ainda cai, por sua noção maior de pertencimento, mansamente, sempre em nossas mãos, na lembrança etérea de um papel rabiscado de mais de 25 anos atrás...


domingo, 12 de janeiro de 2020

Meu Primeiro Romance
(Terceiro Mês)

Você ainda vai me amar amanhã...?
CAPÍTULO VI
Símbolos, símbolos são...

Há muito dispensei o uso de qualquer aparelho fonográfico em casa. Curiosamente, fiz isso bem antes de desistir de comprar CDs e DVDs diante do volume ofertado pelos arquivos torrent e em streaming por essa imensa internet de meu Deus... Até ganhei, há muitos anos, um home theater meia boca - à época, ele já era ultrapassado - e ensaiei ouvir música por ele, mas não fui adiante. E, dada a frustração dela quando, indiretamente, recusei uma vontade sua de me presentear com um desses modernos aparelhos de som que emulam modelos clássicos de vitrolas feitas de madeira, que leem várias mídias digitais além de tocar LPs e fitas K-7 - "Nem pensar: só são bonitos; na prática, muito fracos em potência...", teria dito eu com minha sutil deferência de costume -, acomodei-me, em definitivo, com minha smartv e seus recursos virtuais e físicos (valho-me ainda de pen-drives e HDs cheios de canções em suas várias entradas USB). 

Porém, mais definitiva é a minha certeza de que tal situação não perdurará: inúmeras são as vezes que me surge um vinil nas mãos e, diante de mim, o prazer visual de ter o velho Gradiente 3 em 1 para tocar meu bolachão... O que, simplesmente, não entendo é o que me ocorre nesse exato momento: o equipamento de som se converte em outro e pelejo para alcançar o compartimento onde se tocam os discos - que idade teria eu agora, deste tamaninho, que não alcanço aquele grande móvel de madeira da sala da casa de mamãe na minha infância: 3 anos? 5? E com essa consciência de velho viúvo combalido, que nem sei quem é, sobrevivente de tantas vidas amargas que nem sei quais são? O que diabos está acontecendo aqui?!

Incrível como os símbolos se mantêm vivos - não respirantes, mas vivos, mesmo, no sentido de devolver a vida sentida à sua época de existência! Tanto que sou pequeno novamente, menor que esta radiola que já foi de meu tio-avô e que tanto admiro ingenuamente em sua bela composição: parece uma comprida mesa, como esses aparadores atuais, porém surpreendente ao revelar-se rádio - painel com controles de volume e sintonia num receptáculo embutido disposto frontalmente em seu centro - e vitrola - igualmente embutido, escavado na parte superior também no centro do móvel, coberto por uma tampa acoplada - com as caixas de som guarnecidas por fasquias, que, à altura dos meus ouvidos então infantis, toca Amada Amante, de Roberto Carlos (concordo: música nada infantil - culpe os meus pais!). E inesperadamente a vejo criança como eu, a brincar com as capas dos discos, equilibrando-os como num gigante castelo de cartas... Mas eu só a conhecera adulta!

Sensação ímpar, ser criança maravilhada com os primeiros sons e imagens... Prefiro, no entanto, ter de novo o Gradiente à minha frente: com ele surgem todos os cheiros, sabores, imagens e texturas dela e do tanto que ela já realmente preenchia a minha vida naquele apartamento em que começamos e onde fomos tão felizes quanto infelizes na descoberta do amor da minha vida... Como noutro dia, em que a vi chorar outra vez ao escutar toda a fita que lhe gravei de Natal - simplesmente esquecera de comprar qualquer presente convencional e, no último minuto, corri para a casa de um amigo cuja discoteca é bem maior que a minha: juntei o antigo Belchior e a então novidade do Cold Play, que ela gostava tanto, num só pacote!

Amo esse aparelho de som... Somente com ele eu chego a tocar o som (juro) ao sentir sua pele quente e macia junto à minha em qualquer das canções que dançamos por sobre aquele tapete gasto de tantos de nossos passos cheios de paixão e alegria... E toco, por mais uma vez, a única mulher que realmente amei nessa vida...

CAPÍTULO VII
Ninguém vive para sempre...

Depois de muito tempo com a cara fechada, gradativamente aumentando o franzir dos cenhos a um limite de rugas antes desconhecido por mim, meu editor finalmente abre um sorriso ao ler o título deste capítulo: fã incondicional de ficção científica assim como eu, ele adorava tanto o livro Androides sonham com ovelhas elétricas?, de Philip K. Dick, quanto sua versão cinematográfica Blade Runner - O Caçador de Androides, de Riddley Scott, e imediatamente reconheceu, nesse título, a referência àquelas adoráveis reflexões metafísicas de ambas as obras cheias de analogias entre a efêmera existência dos androides da obra e a vida humana em si. Contudo, logo a aura do conforto que me passou com aquele lampejo de simpatia se converteu em rosto raivoso e inquieto novamente e, não me contendo, questiono acerca daquelas irritadiças caras e bocas:

- O que foi, cara... Não estás gostando?!
- Não é isso: nem preciso dizer o quanto, pra muito além de seu empresário desde o sucesso do blog e atual editor, sou seu fã incondicional - você é sempre genial e prende o leitor com qualquer coisa que escreva! Mas... O que é isso tudo? Não 'tou entendendo: são crônicas independentes que se fundirão? É sonho?!
- Um pouco dos dois, cara... Sabes que sou um cronista por natureza...
- Isso mesmo! E por que, então, não te manténs na tua zona de conforto, lugar em que és mestre?! Sei que querias te perpetuar, que achas que poemas e crônicas acabam esquecidos e não se vive para sempre, realmente... Não, isso não me parece um romance: não há sequer nomes para os personagens: "ela", "mãe"... Eu seria quem, "o editor"?!
- Não precisa haver nomes! São as vivências de um homem que perdeu o grande amor e agora a busca por todas as suas existências naquilo que mais simboliza a mulher amada, a Música - mesmo em lembranças de tempos em que ela sequer existia...
- Sim, sim: tem mais isso, essa obsessão com Música! Cada capítulo tem uma "canção-tema", é? Poderia ser uma boa ideia, vender um disco com a trilha sonora junto, para acompanhar a leitura...
- Não alopra: a Música é ela, de forma etérea na vida dele... E tu não estás ouvindo agora mesmo teu Pink Floyd, Wish you were here?! Qual o absurdo disso: muita gente só lê ouvindo Música e isso acaba por gerar, por sua vez, simbolismos vivos de memória...
- 'Tá, 'tá bom... Poético! Não sei: como profissional, posso te falar do mercado e me parece que, para um primeiro romance, situação que, automaticamente, vai atrair inúmeros novos leitores, essa tua obra me parece complexa até para os teus já iniciados seguidores!
- Será...? Amor é universal e a ideia de vários amores num só, de várias vidas numa só, a que foi, a que poderia ter sido e a criada pelo autor sob o manto de um protagonista que, em metalinguagem, prepara-se para o primeiro romance, talvez cative! Agora, por exemplo, nesses próximos capítulos, saberemos mais da intimidade e do tamanho do amor do casal central: sexo sempre é chamariz e o deles... Além de intenso, parece bem bonito!
- Pode ser... Até viajei com esse aqui: as divagações do escritor em torno do amor que ele quer passar para o papel, como você, a vida das memórias em torno dos símbolos revisitados e as finas comparações com o existencialismo da ficção científica, gênero com o qual tua escrita sempre flerta... Mas, pô, já estamos no sétimo capítulo e nenhuma trama surge completa?! Tudo muito fragmentado! Caramba...
- Já eu não gostei desse, até pensei em reescrevê-lo, criando alguma figura de linguagem metalinguística, sei lá... Vamos combinar uma coisa: o que tu achas de continuar lendo...? E eu fico aqui só esperando quieto, curtindo mentalmente Blade Runner Blues, como se fosse o próprio Deckard esperando alguma coisa acontecer! - terminei abruptamente, fingindo irritação. Ele gostava mesmo de uma cena: de longe, parecia sempre que estávamos brigando ou éramos velhos inimigos.
- E eu tenho escolha?! - debochou, virando a página para o capítulo VIII...
CAPÍTULO VIII
"- Eu me sinto um origâmi nas tuas mãos..."

- O que foi? Não gostou? - perguntei assustado com o seu levantar de sobrancelhas e o arregalar de espanto, levantando a vista para me encarar.
- Sério?
- O quê?
- Tu vais usar essa frase como título de um capítulo?
- Qual o problema? É o capítulo em que mostra o quanto eles eram felizes na cama...
- Justamente: muita exposição! Até porque não era só cama, né: falas de vários lugares inusitados onde fizemos amor! Sei lá... Me sinto invadida... Te falei isso num momento de intimidade, de como tu me descobrias e me fazias me descobrir como mulher, me moldando em tuas mãos como um origâmi... Não queria que as pessoas soubessem disso!
- E quem é que vai saber? O livro não é autobiográfico! São personagens fictícios!
- Pode não ser explicitamente, agora diz isso para um leitor cheio de imaginação: "Ah, ele viveu isso... E foi com a mulher dele..."! Basta ligar o carro narrado naquele capítulo e o teu primeiro Corsa Windy azulzinho pra saber que as loucuras dos estacionamentos foram nossas!
- Não creio: nem todos pensam assim ou confundem autor e obra...
- Eu sempre pensei quando lia um romance - especialmente aqueles românticos, mesmo: isso foi vivência do escritor ou foi inventado?
- A gente sempre carrega algo da gente, é fato...
- Então todas essas passagens desse teu romance...
- Se são verdadeiras? Não, juro que não vivi nem a metade disso com ninguém!
- Graças a Deus, porque não foi comigo nem a metade dessas situações...
- A ciumenta de sempre...
- Só porque não sei separar o homem do artista?! Lembre que, pra mim, ainda és o cientista querendo dar uma escapadela na Literatura! Sabe-se lá quantos recados para tuas "ex" já não foram dados imiscuídos pelos versos de teus poemas! E quantas não foram as recordações de antigas paixões vividas intensamente camufladas pelas peles dos protagonistas dos teus contos e crônicas?!
- Não seja tola... Esse romance é teu!
- Tu o dizes... 
- Com quem mais eu viveria esse desdobrar de corpo e de alma senão contigo, amor...?!
- Sempre rápido com as palavras... E com as mãos! Ei, assenta o facho: "não te dei ousadia"...

E rimos muito da sua imitação daquele sotaque de Débora Falabella em Lisbela e O Prisioneiro - não por acaso, era a trilha que começava a tocar em nosso Gradiente, com a faixa Você não me ensinou a te esquecer, linda releitura de Caetano para um obscuro clássico brega no CD novinho que lhe dera dois anos antes, logo após sairmos do cinema e encostarmos nas Americanas - passatempo que ela dizia adorar fazer ao meu lado, mas que, por muitas vezes, apressava minhas demoras com a desculpa de que ainda iríamos jantar, nunca admitindo seu real enfado! Em seguida, risos, entre nós e algumas taças de carmenére, eram certeza de muitos beijos, toques e delícias intermináveis de combustão instantânea nos nossos corpos sempre quentes... E assim, naquela noite, nós nos amamos e gozamos e fomos muito felizes em mais uma noite inesquecível, em que a dedilhei, abracei, apertei e a desdobrei tal como a peça de origâmi mais cheia de recônditos e dobraduras, beijando-a e tocando em cada ponto de seu lindo corpo pequeno... Mal sabia eu que, muito em breve, estaríamos discutindo se só fôramos felizes nesses momentos de amor e sexo - tanto fazendo se era em nosso minúsculo primeiro carro, na praia, numa sala da faculdade, no chão da cozinha ou em nossa cama! Era janeiro, comecinho de 2005. E era também o começo do nosso último ano juntos...

domingo, 5 de janeiro de 2020

Passando só pra desejar um poema autoindulgente...

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Equilíbrio para os novos dias: que se irrompa o novo no ano, mas nunca se rompa a corda...

Foi um ano imbatível em postagens: por entre poemas, crônicas, ensaios, críticas e até o início de um romance literário (6 capítulos), os 53 posts de 2019 (um número para não esquecer!) só não conseguiram superar os 79 de um 2006 aparentemente desocupado (tenho esses borrões sobre o meu tempo...)! Por outro lado, os Morcegos e eu fomos batidos em tantos ringues inclementes... A Vida é mesmo esse grito que não chega antes de aprendermos com as dores e os prazeres de uma tarde perdida no tempo - e, assim, cada ano passa como as batidas de asas de meus amigos quirópteros, num farfalhar festivo e melancólico que nos cobra coragem a cada segundo, minuto, hora, dia, semana, mês e ano ao lado de uma Poesia nem sempre indulgente...
Autoindulgente

Quando vieste pra mim
Falando desse teu lugar no mundo
Por que tanto buscas
Pensei que nele eu fosse me encontrar
Nalguma esquina,
Mas não...
Queres é falar de coração só
Que não se encaixa na vida
De ninguém:
Tu não te achas
E a culpa é de quem estiver
Perto - o mais perto que
De ti se encontrar...

Isso não é certo:
Aperta e machuca
No calo mais seco
E longevo desta caminhada
Em que te sigo calado...

Porque, ao teu lado,
Sou de infernos e maravilhas
- Que maçada: achas,
De verdade, que não tenho medo
Se, mais cedo, quase
Não saio naquela rua
De assalto à luz do dia,
E, por muito pouco não escapulo
Do último ano
Simplesmente pra não encarar
Cada aflição de meu entorno
Que me cobra solução?
Então, do que te defendes
Se de ti faço parte,
Contigo converso
Em diversos apartes sem fim
Em qualquer dessa ilha
De ti mesmo
Em que decidires
Parar a porcaria do teu carro?

Escarro e cuspo o volante:
não vou adiante até desceres,
Consertares o para-choque e
Todos os outros amassados
Que teu verso mais tolo procrastinou!

Que não dá nem pra cozinhar
Se estando assim:
Até na mais simples receita
Te perdes no sal
E deixas amargar no limão
O frango do yakissoba que
Era pra ser o prato principal...
Assim tu não te dobras
Nem aprendes, origami,
Duro e colado a esse
Papel-cartão!
Prefiro chorar ao final
De uma animação japonesa
Em triste, porém colorido
Movimento animado
A aplaudir o filme da moda
Que, parado,
Nada tem a me dizer...

Agora me diz
Tu (se fores capaz):
O que será de nós
Sem teus arranhões
Logo depois de meus ais?

Não, tu - tu birras
Como teu filho mais sensível!
Não és mais criança...
E minha tolerância indulgente
Não coaduna com arrogância
De gente perdida
Que diz amar demais: aumenta,
Me abre esse vinho
E me oferece a contradança
Desse ritmo de que não
Nos esquecemos jamais
- Que não deixo,
Não te deixo muito menos
Largo a mão...
Tanta letra linda e solta
Pelos céus sociais
Só podem estar a dizer
De novos dias
Cheios de cores e dores astrais
Por entre mil ações por arremeter.

E, por mais que às vezes esconda
O sorriso de menino de nossa boca,
Sempre te acho a lavra e a verve
De cada amor que se perdeu
- Este papel em branco é teu...

Então... Escreve!

(Dilberto L. Rosa, janeiro de 2020)
 

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