Você ainda vai me amar amanhã...?
CAPÍTULO X
Aniversários...
–
Hoje é dia 24...
Silêncio
na pequena sala de jantar. A não ser por um Chico Buarque rodando Olhos nos Olhos baixinho e ao longe, numa fita k-7, no microsystem que colocara na entrada do quintal enquanto mexia nalgumas ferramentas pra fazer pequenos consertos em coisas da casa – era como eu não enlouquecia (e botava do lado de fora da sala para não enlouquecê-la). Eu continuo:
–
Mas nesse dia 24, em particular, não sei realmente se temos algo a comemorar...
Tantos os 24 que nos escaparam nos últimos meses e anos...
Como
o silêncio persistisse e eu nem demonstrava exatamente o que esperava ouvir
naquela situação esdrúxula, mantive o tom pesaroso:
–
Mas o amor é algo que não desaparece; ele simplesmente não deixa de existir! E
uma parte de mim, senão eu todo, permanece em nossos antigos dias 24... Ainda que,
até hoje, eu jamais tenha entendido direito o que aconteceu para que
perdêssemos essa essência tão cara de nós dois...
Definitivamente
sabendo que o silêncio permaneceria sem qualquer resposta, eu, enfim, fiz uma
pausa... Após alguns minutos, respirei fundo e segui falando, agora mais firme:
–
Tudo o que eu mais queria, neste momento, era que você me dissesse alguma coisa,
em nome de todos os dias que tornamos especiais na nossa vida a dois! Que você
estendesse suas mãos pequenas e me desse um relicário cheio de significados,
como esta caneta aqui, por exemplo: tanto que eu assinei com ela e agora, mesmo
sem tinta, ela compõe esse mosaico de coisas abandonadas, mas que jamais
perderão seu valor original, porque sempre fomos assim! Cheios de simbologias
um com o outro!
A
janela se abriu lentamente e iluminou bem a mesinha onde fazíamos nossas refeições
e conversávamos sobre tudo cada segundo que nos era permitido – foi o vento...
Voltei-me
para os objetos por sobre a mesa e percebi que o peso de papel em forma de
globo, aquele que tanto estranhei quando dela recebi nu já longínquo 24 justamente porque não
continha nada em simbolismo para nenhum de nós dois além de uns corais e uns
golfinhos que aparentemente brilhavam no escuro (pelo menos era o que ela
afirmava...), estava quase caindo, na beira do móvel.
Coloquei-o protegidamente
mais próximo do lado dela da mesa, quase colado aos intocados pires e caneca e
talheres, que pareciam ainda esperar pelo café da manhã... Nem percebi, mas havia tempos que não havia mais ninguém ali... E, ao fundo, não havia mais música, mas somente o estridente ruído de a fita se enroscando no tapedeck: muito dificilmente ela poderia tocar outra vez...