sábado, 24 de agosto de 2019

Era uma vez... Tarantino

Entre personalidades reais e mitos recriados (como a tola polêmica envolvendo a sequência com Bruce Lee) e entre mortos e feridos, literalmente, salvaram-se todos no inventivo novo filme de Tarantino...

Diante do declínio da genialidade criativa dos seus últimos trabalhos, desde a confusão de gêneros de Bastardos Inglórios, passando pelos excessos de autorreferências de Django Livre até a mão pesada de Oito Odiados, eu já pensava em Quentin Tarantino de forma outonal, tal como vejo hoje Tim Burton, um diretor genial que se acabou num Cinema excessivo e sem graça (vide fiascos recentes como Sombras da Noite e Alice através do espelho)... E, depois de suas declarações sobre se aposentar com o próximo trabalho ("Caramba, além de tudo, é preguiçoso e sem ter mais o que dizer com uma filmografia tão pequena?!", pensei), confesso que estava pronto para desancar, nesta postagem, Era uma vez... em Hollywood, o seu nono filme - pelo menos pela sua contagem, porque, se considerarmos os dois volumes de Kill Bill como filmes independentes (o que realmente são) e suas participações como diretor nos projetos coletivos Grindhouse (parceria com Robert Rodriguez, com o sofrível longa trash À Prova de Morte), sua participação em Sin City (também de Rodriguez) e o segmento The man from Hollywood, no longa coletivo Grande Hotel, a contagem real bem chegaria a uns onze filmes e meio!

Ledo engano: Era uma vez... em Hollywood vai muito além do que eu poderia esperar e do que vêm apregoando as exaustivamente repetitivas "críticas-release" (aquelas que parecem ter sido feitas pelo próprio estúdio e simplesmente copiadas pelos mais preguiçosos "meios de comunicação" virtuais) e seus lugares-comuns: "trata-se do trabalho mais maduro do diretor", numa espécie de "declaração de amor de Tarantino ao cinema", com uma "trama não linear" sobre "o fim de uma era dourada e inocente de Hollywood" que narra "a decadência de um ex-astro do Cinema e da TV e seu amigo e dublê" paralelamente ao "brutal assassinato da atriz Sharon Tate e amigos pela seita de Charles Manson"... Primeiramente, toda ênfase feita nas tais "homenagens ao Cinema" me soaram equivocadas, uma vez que os mais ardorosos fãs tarantinescos, porém maiores desconhecedores da Sétima Arte, podem se decepcionar ao não encontrarem as referências explícitas de costume...

Getty Images e Reprodução
A "musa muda": Margot Robbie também vira alter-ego de Tarantino
ao se deslumbrar com o Cinema dos anos 60 e ao
reinventar a real Sharon Tate (à esquerda).
Sobre a "trama não linear", redondo absurdo: as histórias paralelas ora se alinham, ora simplesmente não se cruzam, sendo todas conduzidas em ordem (com alguns flashbacks, a fim de apresentar melhor alguns personagens) para uma espécie de desfecho "anunciado" - o que nos leva ao terceiro grave problema daquelas "críticas": entregar antecipadamente a história real do famoso assassinato da atriz esposa de Roman Polanski foi um erro grave e condicionante ao espectador, aparentemente para que este, se desconhecedor do trágico caso, "entenda" melhor o que o aguarda na tela - especialmente quando é sabido que, desde Bastardos Inglórios, Tarantino demonstra uma nova marca em seu estilo, o "reescrever de biografias" (tal como fez quando aprontou com Hitler no final daquele inusitado filme)...

No entanto, em que pesem tantas evoluções, o "Estilo Tarantino" está todo lá: citações explícitas ao universo pop e da História hollywoodiana (a ascensão dos "faroestes-spaguetti", salvação de carreiras como as de Clint Eastwood e Lee Van Cleef; a "polêmica" aparição de um arrogante Bruce Lee nos bastidores da série Besouro Verde) e implícitas (referência a O massacre da serra elétrica no rancho da "Família Manson"; lembrança do conturbado falecimento da atriz Natalie Wood, afogada após cair do iate do esposo, o ator Robert Wagner, suspeito da morte...); o humor debochado por sobre momentos de Suspense e de violência esteticamente gore, com sangue em profusão (embora bem aquém de seus "clássicos" nessa temática, como Cães de Aluguel e Kill Bill); os diálogos inteligentes (bem diferentes das longas e cultuadas conversas esdrúxulas contidas em Pulp Fiction, mas presentes); o inquietante fetiche sexual com pés femininos (aqui também em demasia, em 3 sequências, só perdendo para o lamentável À Prova de Morte)... Em suma: é a manutenção de um Cinema autoral, porém acrescido de uma sobriedade que finalmente chega para moldar o talento do mais novo papai da indústria cinematográfica e adaptar sua já cansativa e verborrágica veia vingativa e cheia de testosterona sanguinolenta a um belo desfile de tipos e histórias mais sutis e carregadas de emoção e sensibilidade.

Sim, "emoção e sensibilidade" - afinal, por que não pode ser romântico um filme de Tarantino? Eu, que assisti a A Era Uma vez... numa dessas "Salas VIPs", jogadas de cruel Capitalismo para que, com promessas de "alto grau de conforto", simplesmente se coloquem certos filmes, sem grandes promessas de lotação entre os mais jovens, em salas a preços exorbitantes (com poltronas altamente espaçadas e reclináveis ao ponto de nelas nos deitarmos), posso dizer que percebi tudo nesse nível dourado, seduzido pela belíssima fotografia de época de uma sempre ensolarada Los Angeles... Eu, assim como qualquer dos cinéfilos ali presentes, que deve ter encontrado, nas longas tomadas de gentes dirigindo carros em Hollywood, bem como nas sutis metalinguagens fronteiriças entre crônicas de bastidores de filmagens e a realidade da solidão de cada personagem, uma bela mistura de antigos filmes franceses - desde a obra de Éric Rohmer até A Noite Americana, de François Truffault... Eu, tanto quanto os raros jovens ali presentes - e, portanto, recém-iniciados na obra do denso artista norte-americano, seduzidos pela promessa de um "novo Cinema" de encher os olhos, ainda que sem maiores conhecimentos de todas as referências culturais presentes na trama, a alimentar a curiosidade para ver o resto de sua obra tresloucada (e mais com cara jovem...)...

Resultado de imagem para brad pitt driving once upon a time in hollywood
Dirija, Sr. Pitt - de dublê a motorista, o personagem
Cliff Booth caiu como uma luva para um maduro Brad:
"velho", mas divertido e cheio de estilo e charme!
Creio que também tenha sentido o peso de tal lirismo o restante da concorrida sessão (quase lotada), aqueles "na casa dos 40 a 50" (categoria em que, infelizmente, atualmente me incluo): justamente os que, mesmo não sendo cinéfilos ou grandes fãs, cresceram com os filmes de Quentin desde 1992 e pagarão sempre qualquer valor de ingresso para ver essa espécie de "Cinema-Evento", louvação cada vez mais rara de fulgurar na carreira de qualquer artista de qualidade, simplesmente pela diversão... Sem, é claro, esquecer o grupelho das mais "avançadas" - em idade e em comportamento: mulheres que envelheceram com a beleza reluzente e atemporal de galãs como Leonardo diCaprio e Brad Pitt em suas mentes de tempo congeladas, e, em meio a toda aquela polvorosa de emoções metalinguísticas de um passado que segue presente, ao verem seus outrora ídolos de juventude transformados, não hesitavam em se exibir com comentários assaz assanhados, típicos de um tipo tarantinesco, ao final da projeção: É, menina... Esse Brad Pitt está velho... Mas parece que quanto mais velho, mais gato ele fica... Que homem

E todos, aos poucos, de alma lavada no acender das luzes, sentem-se um pouco cools e saem da exibição ao som de algum grande hit musical de outrora, escolhido a dedo por um cineasta cinquentão que sabe ainda mais das coisas graças à experiência e, por entre românticas reinvenções de grandes personalidades e de si mesmo, decididamente, não deveria aposentar-se tão cedo da História do Cinema que ele mesmo ajudou a formar...
Brad Pitt, Leonardo DiCaprio e Quentin Tarantino no carro fazendo propaganda de Era Uma Vez Em Hollywood
Galãs de longa data; "astro" e "dublê"; criaturas e criador pedem passagem: dois dos pouquíssimos personagens fictícios de Era uma vez... em Hollywood são os protagonistas e se transformam nas duas faces do próprio diretor-roteirista a passear pela História do Cinema...

AVALIAÇÃO DOS MORCEGOS:


 

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