A tarde se esgueirava tão preguiçosa que eu quase esquecia
que era dia de encontro! Tudo bem que nada havia sido programado, mas o feriado de
aniversário de São Luís significava, automaticamente, uma coisa: passeio a
dois por algum lugar poético para viver a Poesia da Ilha... Mas os ônibus desta
cidade atrasada atrasavam ainda mais qualquer boa vontade do meu lado romântico
e acabei dando graças a Deus por ter marcado na já velha e estreita ponte do São Francisco (sim,
oficialmente seu nome é outro, mas prefiro nem pronunciar o nome do
Bigodudo: pode dar azar), especialmente numa época em que não havia celulares
ou conexões aplicativas de “uatis-ápi” para comunicar um atraso – e, assim, tudo correu na mais perfeita magia,
pois aquele casal caminhou por sobre a ponte e se encontrou no meio da
travessia no momento mais encantado do dia, olhando o sol amarelo avermelhar-se
no horizonte no final da tarde, a banhar de um estranho poder magnético tanto o
lado histórico da RFFSA e da Praia Grande, com os seus lindos casarões e
igrejas seculares cheios de telhado redivivo, como todo o lado de novos prédios
cintilantes que já despontavam pela Ponta d’Areia, Calhau e Renascença... E
aquele casal, do qual eu fazia parte, cheio de sonhos e esperanças, no meio da ponte e no meio de tudo, sabia que aqui era mesmo a
Ilha do Amor...
O calor me acorda da sesta à tarde no feriado da Cidade perdido no
tempo. Esfrego os olhos, irritado, lembrando-me do passeio marcado.
“Aniversário da Ilha tem que ser poético”, eu diria anos antes! Agora, sei lá,
o descaso dos políticos deste Estado, bem como do próprio povo que os elegeu,
em relação a esta Capital só tem feito crescer em mim uma ilha de desencanto, em
meio ao crescimento desenfreadamente burro e aos becos de urina dos cantos
pobremente históricos: passeio, então, nem pensar! Mas a História deste lugar parece
insistir em gritar o meu nome em algum lugar e quase nem titubeio em escolher o ponto da primeira volta de
carro da minha pequenininha, ao lado da esposa e dos avós paternos: descendo a carcomida ponte Bandeira Tribuzzi (a ainda lembrada como "Ponte Nova", que de nova não tem nada, leva o nome do poeta, amigo do Bigodudo, que fez o lindo hino de São Luís), a uns 80 km por hora, e passando bem
rápido ao largo do Largo dos Amores por cima da Praça Maria Aragão, o Centro
Histórico foi o alvo escolhido para o aporte, mais precisamente a Praça Dom
Pedro II – ironicamente, em frente ao Palácio dos Leões, onde usurpadores ocupam
há décadas o Poder mandatário desta capitania... Mas mais uma vez a beleza do
pôr do sol, em frente ao encontro dos rios Anil e Bacanga a caminho do mar pela
Baía de São Marcos, acaba por atenuar todas as dores e marca em mim fotos indeléveis de um dia tão
aprazível quanto um aniversário especial merece...
Acho que
aquele namoro juvenil cresceu para um casamento com a multidão, assim, sem
aviso prévio, sem longas cartas de adeus... Está certo, as coisas crescem com o
tempo e sempre chega a hora de passar a ponte correndo para o outro lado antes de alguma dura mudança no percurso, e tento pensar
em tudo, nesse turbilhão, a compreender meus arredores com uma mente mais
aberta e madura. Isso eu, o calejado... Porque a minha filha não dá muita trela para nenhuma dessas pontes velhas,
não: ela, que sabe caminhar sempre em frente, no fundo sabe que o amor cresce no sangue e sempre pula de alegria
nas ondas do Araçagi ou mesmo em frente às ondas noturnas e proibidas do Calhau
– e já que o caos não perturba sua doce beleza, ela parece sempre ansiar pelo
próximo passeio de carro por alguma rua cheia de vento benfazejo e cheio da
poesia desta Ilha ainda encantada por cada paralelepípedo da Velha Cidade que, pisado por aqueles pés
gordinhos e bonitinhos, há de se arrepiar a lhe narrar histórias que
talvez eu mesmo nem saiba mais contar...
13 comentários:
Olá Dilberto!
Sempre fazendo belas declarações de amor à ilha. Sempre te dando inspiração e num aniversário, creio
que vem mais forte.Pena que não há libertação de uma certa raça, pra não pronunciar também o bigodudo.
quem sabe estaria mais bela e mais moderna. Mas virá, ainda que tardia.
Em tempo, dois feriados mortos, né? Mas ano que vem, segunda! Bela a foto da ponte e o por do sol. Parabéns à capital do sofrido Maranhão!
Que belo e apaixonado texto, amigo Dilberto! Ele me toca ainda mais quando citas as ondas do Araçagi, e aqueles pés gordinhos e bonitinhos. Meu abraço.
Ola,meus cumprimentos pela beleza das fotos e pelo incrível texto histórico.Admirável.Grande abraço.SU
Que vontade me deu este seu belo texto de conhecer a Ilha...
Realmente, os políticos são responsáveis pelos desmandos , mas quem os (re)elege também.
Excelente semana desejo
Belo texto e belas fotos! Deu-me vontade de conhecer, amigo. Meu abraço, boa semana.
Ola Dilberto,
Cá estou eu nos morcegos e confesso antes de ler seu texto fiquei algum tempo olhando a foto. Seu texto é tão belo quando a foto, daqueles que nos nos lemos de uma vez só saboreando cada ponto.
Não suma mais do esconderijo viu??
Beijos daqui
Não conheço... até nunca visitei o Brasil. Minto, estive no RJ dois dias por motivos profissionais, mas não vi nada de nada (exceto o calçadão, mesmo em frente ao hotel).
Apesar disso, a leitura do texto é bem agradável. Porque a narrativa é excelente.
Um abraço, caro amigo Dilberto.
Pois conheci São Luís em 2008, onde fiquei por 3 meses. Cidade que teria tudo, como muitas outras deste imenso Brasil para ser um lugar fervilhando de turistas, mas o descaso dos governos (ou desgovernos), deixam nossas cidades/relíquas a mercê do tempo, da própria sorte.
O que se percebe, além das belas pontes, é um sobrenome que quando uma pedra é fincada em calçada qualquer, recebe o nome do dito cujo...
Abraço
OI DILBERTO!
LENDO TEU TEXTO, ONDE DECLARAS TEU AMOR A SÃO LUIZ, QUE NÃO CONHEÇO, MAS, VENDO ESTA FOTO QUE COLOCASTE ACHEI QUE DEVE SER LINDA DEMAIS E ME DEU PENA, AO VER UM LUGAR TÃO LINDO, DESTRATADO E DESCUIDADO, O QUE NOS DEIXA INDIGNADOS PELO DESCASO DOS GOVERNANTES QUE NÃO RESPEITAM ESTA BELEZA COM A QUAL "DEUS" BRINDOU ESTE NOSSO BRASIL.
GOSTEI MUITO DE VIR AQUI.
ABRÇS
http://zilanicelia.blogspot.com.br/
Excelente narração, não só pelo bem que divulga, mas também pela qualidade do mesmo.
Posso afirmar que não conhecia e agora até posso dizer que já conheço, pelo menos algo. Agrada-me muitíssimo....
Gosto de anoiteceres e de pontes que unem, assim, unem.
Hoje tratei esse tema com um amigo do Porto. Alguns políticos não vêem a casa a cair.
Um grande abraço
Amigo! Maravilhoso ler algo tão lindo assim já logo pela manhã. Adorei. Partabéns, Dilberto! Nutro um amor quase igual por uma cidade - a que vivo. Poderia cantá-la noite e dia. Sempre.
Um dia... vou conhecer São Luís.
Contas-me então suas histórias?
Abraço forte
Olá Dilberto
Sentimentos antagônicos e complementares devidamente equalizados na tua crônica ;)
Parabéns
abraços
Dilberto, meu caro, que belo texto!
Tive que conter as lágrimas, pois a cidade que te habita, já não é aquela criança que acalentavas o sono no ocaso dos dias. Além de o texto ser imensamente lírico, mas realista, e com uma leve pitada de humor, ele revela o teu saudosismo poético, que talvez nem seja da cidade que hoje existe, mas da poesia que sempre fulgurou em teu peito, dando a São Luis um colorido perfeito, com as matizes de um arco-íris poético.
Eu tenho por esse cidade a mesma sensação. Hoje já não a reconheço, porque a minha cidade de outrora sempre existiu muito mais em mim do que na geografia dos livros.
O meu abraço e a minha admiração.
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