domingo, 8 de setembro de 2013

Pontes de São Luís


A tarde se esgueirava tão preguiçosa que eu quase esquecia que era dia de encontro! Tudo bem que nada havia sido programado, mas o feriado de aniversário de São Luís significava, automaticamente, uma coisa: passeio a dois por algum lugar poético para viver a Poesia da Ilha... Mas os ônibus desta cidade atrasada atrasavam ainda mais qualquer boa vontade do meu lado romântico e acabei dando graças a Deus por ter marcado na já velha e estreita ponte do São Francisco (sim, oficialmente seu nome é outro, mas prefiro nem pronunciar o nome do Bigodudo: pode dar azar), especialmente numa época em que não havia celulares ou conexões aplicativas de “uatis-ápi” para comunicar um atraso – e, assim, tudo correu na mais perfeita magia, pois aquele casal caminhou por sobre a ponte e se encontrou no meio da travessia no momento mais encantado do dia, olhando o sol amarelo avermelhar-se no horizonte no final da tarde, a banhar de um estranho poder magnético tanto o lado histórico da RFFSA e da Praia Grande, com os seus lindos casarões e igrejas seculares cheios de telhado redivivo, como todo o lado de novos prédios cintilantes que já despontavam pela Ponta d’Areia, Calhau e Renascença... E aquele casal, do qual eu fazia parte, cheio de sonhos e esperanças, no meio da ponte e no meio de tudo, sabia que aqui era mesmo a Ilha do Amor...

O calor me acorda da sesta à tarde no feriado da Cidade perdido no tempo. Esfrego os olhos, irritado, lembrando-me do passeio marcado. “Aniversário da Ilha tem que ser poético”, eu diria anos antes! Agora, sei lá, o descaso dos políticos deste Estado, bem como do próprio povo que os elegeu, em relação a esta Capital só tem feito crescer em mim uma ilha de desencanto, em meio ao crescimento desenfreadamente burro e aos becos de urina dos cantos pobremente históricos: passeio, então, nem pensar! Mas a História deste lugar parece insistir em gritar o meu nome em algum lugar e quase nem titubeio em escolher o ponto da primeira volta de carro da minha pequenininha, ao lado da esposa e dos avós paternos: descendo a carcomida ponte Bandeira Tribuzzi (a ainda lembrada como "Ponte Nova", que de nova não tem nada, leva o nome do poeta, amigo do Bigodudo, que fez o lindo hino de São Luís), a uns 80 km por hora, e passando bem rápido ao largo do Largo dos Amores por cima da Praça Maria Aragão, o Centro Histórico foi o alvo escolhido para o aporte, mais precisamente a Praça Dom Pedro II – ironicamente, em frente ao Palácio dos Leões, onde usurpadores ocupam há décadas o Poder mandatário desta capitania... Mas mais uma vez a beleza do pôr do sol, em frente ao encontro dos rios Anil e Bacanga a caminho do mar pela Baía de São Marcos, acaba por atenuar todas as dores e marca em mim fotos indeléveis de um dia tão aprazível quanto um aniversário especial merece...

Hoje, novo 8 de setembro, feriado morto num domingo, já faz certo tempo que não marco encontro com a Cidade: o amor continua, sem dúvida (porque amor não morre; só dobra a esquina do Beco Catarina Mina e desce a escadaria rumo ao incerto), mas pouco ou quase nada temos nos falado... Até estive com ela alguns meses atrás, namorando coisas da nossa terra no Projeto Reviver e no Mercado das Tuias, a fim de levá-las para amigos que acabei não vendo numa viagem frustrada... Confesso que também trocamos alguns olhares nas poucas vezes em que fui à Litorânea à noite, beliscar uma Maggiorasca, e vendo, mesmo que de soslaio, o mar... Sim, vá lá, abracei-a furtivamente quando estive no alto de alguma bela e alta vista predial, tamanha a sua vastidão de beleza simples, porém ainda certeira, mas não sei... Mas a Ilha e eu mudamos: só passo por ela, quase sem percebê-la, no caos do trânsito lotado, no medo da violência da próxima esquina e nos buracos pelas ruas e pelos prédios em ruínas (até o então próximo Rio Anil da minha vizinhança de infância, sob a arrasada Ponte do Caratatiua, ficou-me um amigo distante e quase perdido)!

Acho que aquele namoro juvenil cresceu para um casamento com a multidão, assim, sem aviso prévio, sem longas cartas de adeus... Está certo, as coisas crescem com o tempo e sempre chega a hora de passar a ponte correndo para o outro lado antes de alguma dura mudança no percurso, e tento pensar em tudo, nesse turbilhão, a compreender meus arredores com uma mente mais aberta e madura. Isso eu, o calejado... Porque a minha filha não dá muita trela para nenhuma dessas pontes velhas, não: ela, que sabe caminhar sempre em frente, no fundo sabe que o amor cresce no sangue e sempre pula de alegria nas ondas do Araçagi ou mesmo em frente às ondas noturnas e proibidas do Calhau – e já que o caos não perturba sua doce beleza, ela parece sempre ansiar pelo próximo passeio de carro por alguma rua cheia de vento benfazejo e cheio da poesia desta Ilha ainda encantada por cada paralelepípedo da Velha Cidade que, pisado por aqueles pés gordinhos e bonitinhos, há de se arrepiar a lhe narrar histórias que talvez eu mesmo nem saiba mais contar...

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13 comentários:

Ruby on 9 de setembro de 2013 às 20:30 disse...

Olá Dilberto!
Sempre fazendo belas declarações de amor à ilha. Sempre te dando inspiração e num aniversário, creio
que vem mais forte.Pena que não há libertação de uma certa raça, pra não pronunciar também o bigodudo.
quem sabe estaria mais bela e mais moderna. Mas virá, ainda que tardia.
Em tempo, dois feriados mortos, né? Mas ano que vem, segunda! Bela a foto da ponte e o por do sol. Parabéns à capital do sofrido Maranhão!

Jota Effe Esse on 9 de setembro de 2013 às 21:25 disse...

Que belo e apaixonado texto, amigo Dilberto! Ele me toca ainda mais quando citas as ondas do Araçagi, e aqueles pés gordinhos e bonitinhos. Meu abraço.

Suzane Weck on 9 de setembro de 2013 às 21:37 disse...

Ola,meus cumprimentos pela beleza das fotos e pelo incrível texto histórico.Admirável.Grande abraço.SU

São on 10 de setembro de 2013 às 07:00 disse...

Que vontade me deu este seu belo texto de conhecer a Ilha...

Realmente, os políticos são responsáveis pelos desmandos , mas quem os (re)elege também.

Excelente semana desejo

O Árabe on 10 de setembro de 2013 às 11:33 disse...

Belo texto e belas fotos! Deu-me vontade de conhecer, amigo. Meu abraço, boa semana.

Bandys on 10 de setembro de 2013 às 11:33 disse...

Ola Dilberto,

Cá estou eu nos morcegos e confesso antes de ler seu texto fiquei algum tempo olhando a foto. Seu texto é tão belo quando a foto, daqueles que nos nos lemos de uma vez só saboreando cada ponto.

Não suma mais do esconderijo viu??

Beijos daqui

Nilson Barcelli on 10 de setembro de 2013 às 14:32 disse...

Não conheço... até nunca visitei o Brasil. Minto, estive no RJ dois dias por motivos profissionais, mas não vi nada de nada (exceto o calçadão, mesmo em frente ao hotel).
Apesar disso, a leitura do texto é bem agradável. Porque a narrativa é excelente.
Um abraço, caro amigo Dilberto.

Blue on 10 de setembro de 2013 às 18:15 disse...

Pois conheci São Luís em 2008, onde fiquei por 3 meses. Cidade que teria tudo, como muitas outras deste imenso Brasil para ser um lugar fervilhando de turistas, mas o descaso dos governos (ou desgovernos), deixam nossas cidades/relíquas a mercê do tempo, da própria sorte.
O que se percebe, além das belas pontes, é um sobrenome que quando uma pedra é fincada em calçada qualquer, recebe o nome do dito cujo...

Abraço

Zilani Célia on 10 de setembro de 2013 às 19:13 disse...

OI DILBERTO!
LENDO TEU TEXTO, ONDE DECLARAS TEU AMOR A SÃO LUIZ, QUE NÃO CONHEÇO, MAS, VENDO ESTA FOTO QUE COLOCASTE ACHEI QUE DEVE SER LINDA DEMAIS E ME DEU PENA, AO VER UM LUGAR TÃO LINDO, DESTRATADO E DESCUIDADO, O QUE NOS DEIXA INDIGNADOS PELO DESCASO DOS GOVERNANTES QUE NÃO RESPEITAM ESTA BELEZA COM A QUAL "DEUS" BRINDOU ESTE NOSSO BRASIL.
GOSTEI MUITO DE VIR AQUI.
ABRÇS
http://zilanicelia.blogspot.com.br/

Duarte on 10 de setembro de 2013 às 20:09 disse...

Excelente narração, não só pelo bem que divulga, mas também pela qualidade do mesmo.
Posso afirmar que não conhecia e agora até posso dizer que já conheço, pelo menos algo. Agrada-me muitíssimo....
Gosto de anoiteceres e de pontes que unem, assim, unem.
Hoje tratei esse tema com um amigo do Porto. Alguns políticos não vêem a casa a cair.
Um grande abraço

Ilaine on 11 de setembro de 2013 às 02:52 disse...

Amigo! Maravilhoso ler algo tão lindo assim já logo pela manhã. Adorei. Partabéns, Dilberto! Nutro um amor quase igual por uma cidade - a que vivo. Poderia cantá-la noite e dia. Sempre.

Um dia... vou conhecer São Luís.
Contas-me então suas histórias?

Abraço forte

Игорь on 13 de setembro de 2013 às 08:28 disse...

Olá Dilberto

Sentimentos antagônicos e complementares devidamente equalizados na tua crônica ;)

Parabéns

abraços

Elizabeth F. de Oliveira on 17 de setembro de 2013 às 15:33 disse...

Dilberto, meu caro, que belo texto!
Tive que conter as lágrimas, pois a cidade que te habita, já não é aquela criança que acalentavas o sono no ocaso dos dias. Além de o texto ser imensamente lírico, mas realista, e com uma leve pitada de humor, ele revela o teu saudosismo poético, que talvez nem seja da cidade que hoje existe, mas da poesia que sempre fulgurou em teu peito, dando a São Luis um colorido perfeito, com as matizes de um arco-íris poético.
Eu tenho por esse cidade a mesma sensação. Hoje já não a reconheço, porque a minha cidade de outrora sempre existiu muito mais em mim do que na geografia dos livros.
O meu abraço e a minha admiração.

 

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