domingo, 10 de fevereiro de 2019

"Não apenas um fã"...

Criador de adoráveis e inteligentes fanatismos...

Na semana passada, saindo do cinema com uma adoravelmente mágica sensação de encantamento após ver Vidro (Glass, 2019), o mais recente drama-fantástico do diretor, produtor e roteirista M. Night Shyamalan (Manoj Nelliattu Shyamalan), peguei-me pensando como sou fã desse criativo cineasta indiano (naturalizado estadunidense)... Com ele me maravilhei desde o seu primeiro grande sucesso, o já nascido clássico O Sexto Sentido  (1999), aquele em que o lindo garotinho Halley Joel-Osment via "pessoas mortas" e era ajudado (e ajudava) Bruce Willys, e sacramentei minha admiração com a sensível pequena obra-prima Corpo Fechado, um dos meus filmes prediletos, em que David Dunn (Willys) se descobre um "super-ser" em meio às destruições causadas pelo "vilão Sr. Vidro" (Samuel L. Jackson) enquanto tenta recuperar sua vida familiar  e cujo lamentável título em Português mais evocava conceitos populares da Umbanda do que fazia jus ao original Umbreakable, "inquebrável", em poética homenagem realista aos Quadrinhos de Super-Heróis

Quase não via Vidro: bastante distanciado que vinha me mantendo dos lançamentos cinematográficos  nos últimos tempos, descobri somente pouco antes de sua estreia que se tratava de uma continuação direta de Corpo Fechado, entremeado por um thriller de releitura dos filmes de psicopatas, o muito bom e assustador Fragmentado (Split, 2015) – em que o atual "Professor X" da franquia X-Men, James McAvoy, vira a "Fera" em meio a outras 23 personalidades que dominam o atormentado jovem, e a que só assisti dias antes de ver esta "terceira parte" de uma improvável, porém instigante trilogia, numa espécie de grand finale típico das HQs, com a gradativa e cheia de suspense construção do embate entre o herói "O Supervisor" (como o herói inquebrável de Willys agora é conhecido) e os vilões ("Sr. Vidro", de Jackson, e "A Fera", de McAvoy, entre outros...) após uma opressiva estada forçada num hospital psiquiátrico para "estudá-los" (assim mesmo, sem julgamento prévio nem maiores explicações de Shyamalan para o recolhimento... "coisa de Quadrinhos"...).

Em Vidro, que consegue não só a façanha de reunir todos os personagens dos dois filmes anteriores como também retomar a poeticidade sobre super-heróis realistas de Umbreakableuma das mais fortes sensações em mim despertadas, curiosamente, nem se deu com o criativo e intrincado enredo, capaz de amarrar as tramas dos dois filmes anteriores, ou ainda com a interessante fotografia, que muitas vezes joga na tela cores de fundo verde, amarelo e roxo (às vezes moderado para um tom abaixo de rosa) para definir cada personagem, numa policromática reverência às revistinhas do gênero, nem tampouco com o inteligente plot twist da vez, aquele momento em que o roteiro dá um "susto" no espectador com uma reviravolta inesperada, mais famosa marca característica do diretor: a minha grande surpresa mesmo foi quando foi "revelado", ao longo da projeção, que a inesquecível história original de Corpo Fechado passara-se exatamente há dezenove anos...

Aquele filme que confirmou e então determinou minha doravante fidelidade de acompanhamento artístico a M. Night Shyamalan – que incluiu o imenso apreço pelos suspenses criativos e de tirar o fôlego de Sinais (2002) e A Vila (2004); a inventividade infantil de A Dama na Água (2006); a deliciosa homenagem aos filmes B de ficção científica e catástrofe mundial de Fim dos Tempos (de 2008, muito mal interpretada pela crítica, mas recentemente "homenageada" no fraco Birdbox, da Netflix); e o terror familiar de A Visita; além, é claro, da trilogia em questão – foi lançado no já distante ano 2000! Logicamente que o primeiro pensamento ocorrido após o impacto foi "– Deus, estou velho!... A parte boa, no entanto, foi que, ao invés das dificuldades de praxe que costumam me perseguir em casos desse tipo desde que completei 40 anos (uma angústia diante de tudo o que em minha mente ainda jovial parece ter se dado ontem, embora já remonte a décadas), predominou um contentamento de completude sobre o susto advindo com o longo interregno que separa o primeiro deste terceiro filme, algo bom em relação ao envelhecer e às surpresas que a vida vai nos trazendo com o passar do tempo (ainda que tais surpresas nem sempre sejam tão agradáveis, como se deu com certos desfechos do filme antes do final redentor e do reforçador poético da última cena)...

Etimologicamente, a palavra "" vem do Inglês, fan, que, por sua vez, é abreviação de fanatic, fanático em bom Português – que tem sua origem no Latim fanaticus, “louco, entusiasta, inspirado por algum deus”, originalmente “relativo a um templo”, fanum (em Latim; daí profanum, profano; aquilo que está fora do templo). Assim, um fã seria uma versão moderna de um "adorador", só que cultural (artístico ou político ou dos esportes), algo mais que um simples seguidor ou torcedor: alguém que se identifica profundamente com determinadas pessoas e seus feitos e a eles se imiscui de uma forma íntima e carinhosa sem sequer conhecimento dos seus criadores e protagonistas na maior parte das vezes. E tais criadores e protagonistas normalmente são adorados, na plenitude de suas produções, por um desses adoradores – ou seja: fã gosta de (praticamente) tudo de seus adorados! 

Posso dizer, então, que, para longe de qualquer "fanatismo" nas acepções atuais ligadas a falsos "mitos" ou ideologias religiosas, sou fã de alguns seres humanos cujos feitos foram divisores de águas em diferentes esferas – como Garrincha, com a invenção dos dribles desconcertantes no Futebol, e, na Política, o atualmente alvo-maior da Extrema Direita e suas caças-às-bruxas, Lula, um dos maiores presidentes que teve esse País atualmente em retrocesso) ou cuja obra é tão excepcional em sua inteireza que fica quase impossível não gostar de tudo (como Chico Buarque, na Música de maior Poesia brasileira, bem como na sua Literatura de tipos perdidos e histórias fragmentadas; João Gilberto, Billie Holliday, Maria Bethânia, Frank Sinatra e Nelson Gonçalves, com os quais entendi o que é interpretação e aprendi o pouco que sei de cantar; Woody Allen e Stanley Kubrick, em seus Cinemas inteligentes de intensas produtividades e abrangências de estilos e gêneros). Creio poder falar assim também em relação a Shyamalan, cuja "adoração" não é exclusividade de poucos e beira mesmo a uma religião, que cultua até mesmo os fracassos de crítica e público do diretor, como O Último Mestre do Ar (somente uma razoável aventura infanto-juvenil) ou Depois da Terra (que jamais consegui ver por inteiro...)! 


Afinal, nada mais justo em relação a um artista cujos filmes, na maior parte do tempo, reverenciam fanáticos ou fanatismos em meio a pessoas comuns com algum dom extraordinário, homenageiam ou critica temas como fé, cultos e religiões, e jamais esconderam sua absoluta adoração ao estilo criado por Sir. Alfred Hitchcock (até mesmo nas já tradicionais aparições do indiano em seus filmes, tal como os cameos do Mestre maior do Suspense) que, invariavelmente, sempre recria nos mais variados gêneros que desenvolveu. Na verdade, sua obra 
não deixa de ser uma recriação do grande Cinema mágico de fantasia dos anos 80, mesclado a um mundo de ceticismo e individualismos... E talvez justamente nesse ponto é que residam as principais críticas a Shyamalan: mais um emulador de estilos que um criador original! No que discordo: para uma obra nascida nos anos 90 de reformulações e releituras culturais, a filmografia de Shyamalan trouxe um sopro de criatividade ao pintar de fábula muitos males modernos e de reinvenção para muitos estilos então esquecidos. 

E, mesmo com um conjunto de trabalhos mais comerciais do que outros artífices mais relevantes para a História do Cinema – como Fellini, Gláuber ou Kurosawa, de cujas filmografias sou profundo admirador –, conseguiu consolidar uma obra mais coesa, tanto esteticamente quanto em conteúdo, do que muitos artistas que o precederam em linha similar de trabalho, como o gênio comercial Steven Spielberg, verdadeiro midas e um dos maiores precursores do Cinema Fantástico dos anos 70 e 80 como diretor ou produtor e cuja obra extremamente irregular das últimas décadas incomoda bastante quem, como eu, cresceu maravilhado com obras-primas como Tubarão, Poltergheist, E.T. - O Extraterrestre, Contatos Imediatos do Terceiro Grau e Caçadores da Arca Perdida – que, sem dúvida, influenciaram diretamente o diretor indiano, que, a tais elementos de magia, acrescentou doses cavalares dos terrores atuais: ceticismo, individualismo, terrorismo...

E, embora nunca tenha visto seus dois trabalhos iniciais (Praying with Anger e Olhos Abertos– assim como nunca vi ou ouvi ou tomei conhecimento de 100% dos trabalhos de qualquer dos gênios dos quais sou fã (mas cheguei muito perto disso...)  e, apesar de jamais ir ao extremo de me apresentar como na assustadora sentença "Não apenas um fã... Mas o fã n.º 1", posso dizer que, sim, sou fã desse M. Night Shyamalan e desse novo Cinema Fantástico que ele representa, em que sequer sinto o doloroso tempo passar, nem durante qualquer de seus filmes nem na vida que segue logo após, graças à sua perene filosofia artística: sua obra, ainda que mais comercial e muitas vezes abordando temas populares, sempre traz algo de poético para um mundo cada vez mais seco e sem cor. Por isso, seja nos "esporos vegetais assassinos" do injustamente subestimado Fim dos Tempos ou nos "super-heróis da vida real" da trilogia encerrada com Vidro, sempre há algo que se pode verdadeiramente chamar de um sexto sentido em sensibilidade, num eterno e inquebrável rejuvenescimento – aquele capaz de nos fazer remoçar numa adorável visita à grande sala escura numa sessão repleta de sinais de medo e encantamento, para além de nossas fragmentadas facetas através do vidro...
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1 comentários:

Unknown on 17 de agosto de 2021 às 15:26 disse...

Um texto de um verdadeiro fã! 👏👍

 

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