quarta-feira, 27 de agosto de 2008

"O Amor,
O Sorriso e
A Flor"...


“Mas não sei, me cansei do calipso ao chá-chá-chá... Por isso só danço samba, só danço samba”... E o mesmo samba que subia o morro no meado do século para finalmente encontrar-se como a “identidade nacional” através do carnaval, no início dos anos 50 era ele que queria descer do estilo operístico dos sambas-canção rasgados até os apartamentos sofisticados à beira-mar, de gente que ouvia jazz e que sabia das coisas...

Sabia, por exemplo, lembrar que aquela “bossa” nada tinha de nova: Dick Farney e Lúcio Alves, bem como Johnny Alf, Luiz Bonfá e Tito Madi já davam as pinceladas de um novo samba desde os anos 40 e João Gilberto sabia disso! Tanto que nunca apreciou muito essa coisa de “Bossa Nova”, porque, pra ele, samba era sempre samba – e cada um que descobrisse um novo jeito para tocá-lo...

Dizer que a Bossa Nova nasceu oficialmente com a obra-prima absoluta Chega de Saudade, em 58, que sua Música era de uma linda harmonia elaborada e de bela linha melódica, bem podendo ser interpretado como uma mistura de samba e jazz (tanto que o povo arrogante de sempre dos EUA assim anunciou no Carneggie Hall: “Come to see the new brazilian jazz”!), tudo isso é chover no molhado, assim como espinafrar seus maiores intérpretes, ao cuspir que são apenas “sussurros desafinados” num violão “bom pra fazer dormir”... Mas é como bem questionava Farney, "Por que não existe um samba que a gente possa cantarolar no ouvido da namorada?", ou como afirmava Carlinhos Lira, “Aquelas canções a gente fazia para pegar as meninas, mesmo” (referindo-se a Minha Namorada, genial parceira com Vinícius)! E quem quiser, que cante outra!

O que deve ser dito sobre a Bossa Nova é que foi a onda certa no lugar certo: aquela onda que se ergueu no mar das praias onde moravam os meninos bacanas cariocas e que traziam a modernidade e o bom viver dourado de sol às canções, o que foi rapidamente antenada por gente como a maravilhosa Nara Leão, que, leoa como um colibri, passou de “alcoviteira” de grandes encontros musicais em seu apartamento a “moça de opinião”, na década de 60... Que saudades da Nara: se todos fossem iguais a você...

E, como música que se queria de “vanguarda”, trazia outras inovações além da batida do violão de João Gilberto (que deslocava o acento da tradicional batida de samba) ou da tal “alegria perfeita”, em substituição aos dramas de fossa dos sambas-canção de um pouco antes (alegria falsa em alguns casos, uma vez que muitas bossas eram tristes, como Triste, de Tom Jobim, ou num trecho de uma das inaugurais do movimento, Garota de Ipanema: “Ai por que sou tão sozinho/ Ai, por que tudo é tão triste...”). O que se seguiu mesmo foi um tom coloquial, falando sobre praia, mar, amor, como se vê na “música inaugural” do gênero, Chega de Saudade, de Tom Jobim e Vinícius de Moraes: “Mas, se ela voltar/ Se ela voltar que coisa linda!/ Que coisa louca!/ Pois há menos peixinhos a nadar no mar/ Do que os beijinhos/ Que eu darei na sua boca”...

Mas não é porque os meninos eram bronzeados da Zona Sul, ou porque se pegavam meninas com maior facilidade sussurrando samba em suas orelhas, ou porque Vinícius desbundou do Itamaraty e de sua poesia existencialista para algo mais solto, ou porque João Gilberto virou algo popular (na época, apesar de sempre polêmico...), que a Bossa era esvaziada. Pelo contrário: a coisa toda tinha conteúdo, e um existencialismo entre a solidão e a paz no amor, em fuga à metrópole que oprimia ou deprimia, crescia em espaço e convivia feliz com "barquinhos", "patos" e afins!

A Bossa nunca mais seria a mesma a partir de 62... Tanto que, oficialmente, o "movimento" acabaria em 1966, e, em 64, hora da radicalização política que converteu lirismo num necessário engajamento de discussão e posicionamento político, Vinícius e Carlos Lira assim cantaram, profeticamente, em Marcha da Quarta-feira de Cinzas: "Acabou nosso carnaval/ Ninguém ouve cantar canções/ Ninguém passa mais brincando feliz/ E nos corações/ Saudades e cinzas foi o que restou/ Pelas ruas o que se vê/ É uma gente que nem se vê/ Que nem se sorri/ Se beija e se abraça/ E sai caminhando/ Dançando e cantando cantigas de amor/ E no entanto é preciso cantar/ Mais que nunca é preciso cantar"...

Mas, do mar, não morreu na praia: se não se podem esquecer músicos que fizeram essa bossa tornar-se eterna (Aloysio de Oliveira, Baden Powell, Billy Blanco, Maurício Einhorn, Newton Mendonça, Oscar Castro Neves, Roberto Mesnescal, Ronaldo Bôscoli, Sérgio Ricardo, Sérgio Mendes...), o mesmo se pode dizer sobre a própria Bossa Nova – Caetano e Gil vociferaram e vaticinaram certa feita: "Chega de saudade, a realidade/é que aprendemos com João/pra sempre a ser desafinados" (Saudosismo) – e, assim, seguiram com um banquinho, um violão e "aquela batida" Chico Buarque (Januária e Carolina), Cazuza (Faz parte do meu show) e até Lobão (Me Chama)... Coisa mais linda essa insensatez desafinada de saber que vou te amar por toda minha vida, Maria Ninguém, no eterno sincopado de um samba de uma nota só, até o apagar da velha chama...
 

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