E, ainda falando de heróis, quase não disse que este será o ano deles no Cinema ianque (Indiana Jones, Hellboy, Batman, Hulk, dentre outros, vêm aí pelas continuações...), ou comentei sobre os “heróis da democracia” de carne e osso (“muito mais carne do que osso”, nas belas narrações de Antonio Abujamra, de um garotinho – voz mais identificável com os heróis de “capa e de identidade secreta” – e, hoje em dia, de Laura Cardoso) devidamente homenageados no preciso e belo comercial do TRE (pena que as novas gerações desconheçam a maioria daquele pessoal...)! Sem esquecer que quase também passou batido o cinqüentenário de Cazuza, no último abril...
“Agora fica comigo/ E vê se não desgruda de mim/ Vê se ao menos me engole/ Mas não me mastiga assim/ Canibais de nós mesmos/ Antes que a terra nos coma/ Cem gramas, sem dramas/ Por que que a gente é assim?/ Mais uma dose?/ É claro que eu tô a fim/ A noite nunca tem fim/ Baby, por que a gente é assim?/ Você tem exatamente/ Três mil horas pra parar de me beijar/ Hum, meu bem, você tem tudo/ Pra me conquistar“
(Por que a gente é assim? Cazuza, Frejat, Ezequiel Neves)
Burguês (“porém artista”, como assinou em Burguesia) por parte de pai e “vespa” por parte de avô (de quem herdou o nome e o apelido pernambucano, Agenor de Miranda Araújo, o velho “Cazuza”), foi, com o perdão do lugar-comum, um exagerado: em sua louca vida (“vida breve...”), foi homo, foi bi, fumou, cheirou, depravou-se e se auto-vitimou nos hipocritamente inocentes anos 80 – do lançamento de Barão Vermelho (primeiro LP da banda de mesmo nome, até então liderada por Frejat, parceiro de brigas e de obras-primas) até Burguesia (89), e, um ano depois, sua morte prematura em decorrência da AIDS, passaram-se pouco mais de 8 anos...
E essa é a costumeira visão de gente que, nunca suportando tal “estilo de vida”, pregava o cantor-ator na cruz, por sobre pérolas como Todo amor que houver nessa vida, Maior Abandonado, Exagerado, Preciso dizer que te amo, Pro dia nascer feliz, O tempo não pára, Faz parte do meu show, Nosso amor a gente inventa, Blues da Piedade e Codinome Beija-flor, sempre preferindo a imagem do artista em seus últimos dias, de bandana sobre pele e ossos, como que “castigado por seus pecados”, a morrer como mais um ídolo do rock “que nunca foi exemplo para ninguém”... Vamos pedir piedade... Senhor, piedade, pra essa gente careta e covarde: dê-lhes grandeza e um pouco de coragem...
Mas quem viu Raul beber até desintegrar o fígado, sumindo quase como que abduzido por um disco-voador, pode perfeitamente entender que Cazuza foi muito mais que isso que querem seus “algozes”: foi um amante com poemas inteligentemente irônicos (puxou o humor a Raul) em forma de letra e um artista à frente de seu tempo, assumindo sua burguesia, sua bissexualidade e sua imunodeficiência adquirida antes de qualquer um e, como poucos, polemizou em sua arte na MPB, unindo as fronteiras entre este “gênero” e o Rock que amadurecia no Brasil pós-Ditadura... Tanto que cantar Cartola e Caetano, pra ele, também podia ser ‘rock’n roll’, mesmo contra a corrente!
Solidão? Só se for a dois – esse veio mesmo com tudo... E, definitivamente, não cansou! O tempo não pára e a poesia de Cazuza segue em frente...
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