quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

MEU PRIMEIRO ROMANCE
(Quarto Mês)

Você ainda vai me amar amanhã...?


CAPÍTULO IX
"Eu dirigi a noite toda para chegar até você..."

Ela me contaria, tempos depois, como me admirara desde o primeiro minuto em que "parei" diante dela - no que eu sempre lhe perguntava, tentando corrigir visualmente a cena, até mesmo para que eu pudesse entender: "- 'Desde a hora que eu adentrei a sala dos professores e tu me viste pela primeira vez?', você quer dizer?"... E ela sempre rebatia, com precisão: "- Sim, mas depois, quando você parou: você para de um jeito incrível, marca da tua personalidade, do teu charme!". E eu, louco pra me situar, brincava fazendo poses como se fosse um supermodelo da moda naquelas paradinhas dos desfiles e lhe questionava se fora esse lado meu metrossexual que mais a arrebatara: "- Você não tem nada de metrossexual, seu palhaço: você é homem pra mais de metro, isso, sim!", ela sempre arrematava...

- Teu homem... Só teu...
- Para! Não começa: sabes que temos aquele jantar com os pesquisadores daquela 'facul' de Belém dentro de 45 minutos... Não dá tempo, delícia...
- Eles que nos esperem...
- Sabes que, se começarmos, não sairemos mais de casa, amor...
- Jeito então é parar... É assim que eu paro estonteantemente? - e tomei força pra largar sua cintura forçando uma molecagem, imitando o Caco Antibes do Falabella em Sai de Baixo, quando fazia sua costumeira entrada no antigo humorístico semanal e fazia suas pausas, como se posasse para fotos dos fãs aplaudindo.
- Claro que não! Você não entende... Mas você para incrivelmente lindo...
- Linda eras tu naquela primeira vez que te vi naquela sala: nem acreditei naqueles teus olhos... O olhar mais lindo que já vi...
- Mentira: você olhava através de mim, como que para o fundo do recinto - fui invisível pra você, professor veterano!
- Timidez, meu bem... Como aquela sala vivia lotada, da nossa Sociologia bem como de professores de todos os outros cursos, eu sempre adentrava assim: rapidamente e aparentemente olhando para ninguém... Mas naquele dia não teve como não ver aquele teu olhar antes de qualquer coisa...
- Olhar de admiração...
- Que exagero: você nem ligou pra mim... Só nos falaríamos duas semanas depois! E isso porque o coordenador veio e nos apresentou pra uma ideia de grupo de pesquisa...
- Pior foi você! Levou ainda mais um mês pra me fazer convite de amizade e puxar assunto no Face!
- A timidez...
- Sei... Nem quis aceitar: você ali, rodeado de aluninhas a suspirar por cada foto postada e cada "textão" político...
- Pelo que me lembre, não era eu que era de foto... Meu negócio era só polemizar nos meus "textões", como tu falas. Nunca fui de licute com aluna, sabes muito bem disso!
- Sei... E meu negócio nem eram essas discussões politizadas que mais segregavam do que realmente geravam boas ideias: eu amei quando me pediste opinião sobre qual poema colocarias no teu primeiro post de blog... Achei tão bonitinho, adolescente, rá, rá, rá...
- Valeu!
- Sério: jamais imaginaria você escrevendo num blog! Você, o mais sério e reservado da instituição...
- Uma coisa não tem nada a ver com a outra... E você, depois de escolher o poema, que acabou virando o nome do espaço virtual, nunca mais ligaria muito pra nada que eu publicasse ali...
- Não é verdade: sempre admirei tua Literatura! "Espaço virtual", ai, ai... Tudo isso pra não falar BLO-GUE?!
- Nunca apreciei esse nome: parecia coisa de perdedor virtual, a fazer diarinho na internet!
- Olha o preconceito...
- Já estou pronto! E tu, todo tempo demoras... Enquanto eu converso, não paro de ir me arrumando, não!
- Grosseiro... Não sabes que as mulheres têm o tempo a seu favor?
- Mais ou menos como quando marcamos nosso primeiro encontro: aquele "'Tou saindo" teu eu vi logo que era da boca pra fora... E assim se repetiriam todas as nossas saídas seguintes, porque na época estavas sem carro...
- Sim, fruto do divórcio...
- Sabes que não suporto nem lembrar isso...
- Desculpa... Pronto, nem me demorei, viu só?

Saímos de mãos dadas, corredor afora. Nem ligamos para as câmeras do elevador, tampouco do hall de entrada do prédio, e seguimos beijo atrás de beijo (que beijos...) até o carro na garagem. Nesse instante, ela parou e ficou contemplando internamente o veículo, como que o inspecionando ou procurando alguma coisa no escuro... Quando, finalmente, ligo o carro e o som de uma estação de rádio qualquer passa a tocar um antigo clássico pop-rock dos anos 80, I drove all night to get to you, de Roy Orbison, que em tradução livre seria "Eu dirigi a noite toda para chegar até voê", e ela solta aquela gargalhada deliciosa que só ela podia dar.

- O que foi?
- Eu estava justamente viajando aqui a olhar esse carro e me lembrando do nosso primeiro encontro, repassando na mente tanta coisa e tantos lugares para onde já fomos nele, vendo como teu carro se incorporou em nossas vidas, e toca essa canção! Roy Orbison: que tiro, rá, rá, rá!
- Verdade: sempre fomos bons em trilhas sonoras...
- Porque somos os protagonistas desse mundo, minha vida: o resto são meros coadjuvantes e nossos temas musicais são sempre precisos a contar a nossa história!
- Boa... Deverias ser escritora!
- Mas eu já sou: uma socióloga com três livros lançados!
- Falo de Literatura...
- Essa eu deixo pra você! Já tenho dificuldade demais pra pagar as contas com o que ganho como professora universitária e com os parcos direitos das minhas publicações...

Silêncio... No que ela se tocou da espécie de julgamento de diminuição e balbuciou:

- Desculpa, meu amor... Não quis te magoar...

Mesmo eu relevando (sempre fomos muito diferentes...), o "climão" se instalou e seguimos para o restaurante ouvindo apenas as canções que tocavam na rádio... Jantamos, bebemos nossos drinks (eu acabei bebendo os dela, por fim: ela sempre foi fraca pra álcool), trocamos algumas ideias interessantes com os 4 estudiosos de fora, mas sem jamais sermos somente professores: nunca conseguimos! Éramos sempre nós dois, em carinho e ligação o tempo todo em que encontrássemos qualquer brecha para nos despirmos dos jalecos e nos olhamos nus... Apenas na universidade mantínhamos sobriedade e distanciamento do nosso envolvimento, sabido somente por alguns professores e sequer maldado por qualquer aluno. E, falando em trabalho, lembro bem que ainda tínhamos que voltar para a faculdade para batermos nossos pontos de assalariados (nosso dileto coordenador-cupido já não mais atuava, mas, sim, um outro, caxias inarredável), quando, depois das despedidas sociais da grande mesa e a volta para o universo do nosso carro, acabei tendo uma ideia melhor. Ela estranhou:

- Ei, pra onde estamos indo? Você perdeu a saída para a 'facul'...
- Eu sei...
- E posso saber para onde o rapaz mal intencionado está me levando?
- Segredo...
- Ei, eu sei aonde vai dar essa avenida... Deus, olha essa chuva: tudo igualzinho ao nosso primeiro beijo!
- Acertou!
- Só faltava tocar agora na rádio Roy Orbison e seu You Got It: lembra, paixão, foi a nossa primeira canção, nunca vou me esquecer...
- Errada! A chuva estava tão forte que mal ouvíamos o que tocava naquele meu pen-drive e, depois de rodarmos um tempão e pararmos naquele final do parque municipal, acabamos ficando lá porque tinha vista para o mar e não parávamos mesmo de conversar... Só então nos beijamos pela primeira vez...
- Sim: eu ainda estava sem acreditar naquele encontro dos sonhos mesmo sem nada estar dando certo para nossa primeira saída com aquele toró, e, quando vi tua boca sorrindo pra mim, aquele sorriso de canto esquerdo, eu só conseguia pensar "Tarde demais: sou tua..."! E tudo ao som do Roy, com You Got It! Eu lembro de tudo que vivemos juntos como num filme!
- Não! 
- E tocava o quê, afinal?
- Perto desse momento acho que a chuva baixou sua intensidade e, depois de uns segundos percebendo o mar na tela do nosso para-brisa, nos viramos um para o outro e a música que tocou foi "A Última Diligência para Red Rock"...
- Hã? Só deve ter sido os drinks...
- Sim, trilha de "Os Oito Odiados", de Tarantino - aquela meio pesada do Morricone...
- Ah, sim! Rá, rá, rá, rá, rá - que memória a tua! 
- E eu, no meio do beijo...
- Parou e foi mudar de faixa no som do carro porque...
- Aquilo não era música para ser a do nosso primeiro beijo!
- Rá, rá, rá! Isso mesmo! E falamos juntos agora... Ai, como eu te amo...
- Chegamos...
- Olha o mar...

Começamos a nos beijar de um jeito tão apaixonado, tão intenso, que, quase sem perceber, tirei-lhe a calcinha e levantei seu vestido tão logo ela subiu em cima de mim na minha poltrona de motorista num momento mais quente daqueles beijos sem pararmos... E as minhas mãos mais fortes passaram a acompanhar aquele ritmo intenso e... Inacreditavelmente, fizemos amor ali mesmo, dentro do carro, apesar de já morarmos juntos havia cerca de 6 meses, tal como um casal de adolescentes descobrindo o sexo em qualquer lugar! E com alguns carros parados a certa distância: pessoas caminhavam no parque e muitos ali estacionavam, no final da rua que dava para uma ribanceira com vista para o mar - fosse por causa dessa vista, fosse por causa do fim do trajeto da caminhada marcado nas calçadas... Fosse ainda por causa de algum casal mais saidinho com as nossas mesmas ideias mais íntimas... 

Não creio: como nós, só nós mesmos, ali a nos devorar da forma mais linda e inimaginavelmente sem nenhum planejamento prévio! Nem mesmo sei por que a levara para ali... Talvez simplesmente quisesse amá-la depois daquela noite meio romântica (o restaurante servia comida oriental de uma forma tão agradável para casais...) e nem tinha me dado conta do fetiche inerente do carro: nunca na minha vida, nem no fusquinha de papai nem naquele corsinha, fizera antes nada assim... O mais curioso é que não só ficamos sem palavras um com o outro com a força daquele momento, bastando-nos em nos olharmos fundo nos olhos um do outro e respirando bem forte até recuperar o fôlego daquele encaixar perfeito no pouco espaço daquele veículo como também aquela "escapadinha no carro" se repetiria várias e várias outras vezes - mesmo com os carros adquiridos depois, o QQ e o Corolla! E parávamos não mais só e tão somente nalgum lugar mais reservado como aquele, mas qualquer lugar virava lugar em determinados momentos de maior intensidade de nós dois: de meios de ruas desertas a estacionamentos de supermercados e shoppings!

- Se me contassem de qualquer dessas nossas pequenas loucuras a respeito de outro casal, eu diria, alguns anos atrás, que esse povo era "pervertido"... - divertia-se ela, sempre que voltávamos pra casa depois de uma dessas nossas intimidades outdoors, protegidos apenas pelo fumê das janelas...

Nem preciso dizer o quão doloroso foi vender aquele carro, alguns anos depois... E assim se sucederia com os outros dois veículos adquiridos na constância da nossa união estável (nunca nos casamos...), por razões óbvias... Claro que para além de tais inusitadas razões aludidas, é claro: ela gostava de dizer que éramos um "simbolismo vivo impregnado de canções" e eu acho que todos esses carros, em que tantas coisas passamos ao longo do nosso tempo juntos, acabaram sendo grandes símbolos exatamente daquela definição mágica que ela tão brilhantemente gostava de repetir... E assim, de cenas torridamente bem vividas num ambiente padrão para mera locomoção e conversas rotineiras, como o é um carro particular, a um relicário presentado sem maiores graciosidades, como um simples peso de papel, nada fugia do nosso toque simbolista - e, mesmo que inicialmente nem se tivesse em mente qualquer aspecto de simbologia para algo ou algum lugar, bastava que vivenciássemos aquela coisa ou dado cenário... E, instantaneamente, a tudo impregnávamos com as mais bonitas identidades do nosso amor: essa cidade ficou marcada, em mim, por ela... de um jeito hoje doído de descrever...

Como ela faz falta, meu Deus, em cada coisa que toco, em cada lugarejo por que passo... E por onde andaria mesmo aquele peso de papel de mar e golfinhos? Sei que guardei tudo... Não guardei?


 

+ voam pra cá

Web Pages referring to this page
Link to this page and get a link back!

Quem linkou

Twingly Blog Search http://osmorcegos.blogspot.com/ Search results for “http://osmorcegos.blogspot.com/”
eXTReMe Tracker
Clicky Web Analytics

VISITE TAMBÉM:

Os Diários do Papai

Em forma de pequenas crônicas, as dores e as delícias de ser um pai de um supertrio de crianças poderosas...

luzdeluma st Code is Copyright © 2009 FreshBrown is Designed by Simran