domingo, 20 de novembro de 2005

É isso aí, meus queridos blogueiros de plantão: passemos pelos umbrais da História sem nos perdermos pelos umbrais espirituais... Hoje se comemora o Dia da Consciência Negra (acesse este link), e, aos poucos, vai-se lutando, entre erros e acertos, contra a estupidez do preconceito, em todas as esferas... No esvaziamento das discussões "blá, blá, blá" que pulularão neste dia, prefiro render minha "homenagem" na forma de uma crônica (formada, por sua vez, por três pequenos contos), parte do meu livro infanto-juvenil A Prosa de Meu Agora Outrora..., escrita há muitos anos, mas que ainda guarda um frescor divertido sobre a questão... E viva Zumbi!



No Escuro da Sociedade

Alfredo era negro. Amigo do pai, amigo da mãe de Ana, melhor amigo de Ana. Freqüentava a casa, freqüentava as festas. Freqüentava a sociedade. Possuía elevada posição social, aquisitiva, cultural, física. Estudado, viajado e descolado.

Numa festa, deixou cair champanha nas pernas de Ana. Riram-se, limparam-se, entreolharam-se... Apaixonaram-se. Alfredo passa a não ser mais tão bem visto...

Explicação superficial da mãe de Ana: "Não tenho preconceito algum, até temos amigos negros na família; só não vejo minha filha casada com um..."

Realmente não era racista: era "casamenticista"...

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Ana, triste e desolada pelo embargo da família à sua relação com Alfredo, desabafa com o amado, que reage indignado:

- Quem sua mãe pensa que é? Quem ela pensa que eu sou? Preconceito, comigo? Logo eu, que praticamente cresci naquela casa?

- É por causa da cor...

- Cor? Mas logo comigo, que sempre tive namoradas brancas!...

Na verdade, Alfredo nunca se considerara negro, já que não possuía a chamada tez "brilhante"... Como era mestiço, de tendências um pouco mais claras do que o costumeiramente chamado "tição", imaginava-se "moreno" (já que "pardo" é preto pobre!) e acabava por ensaiar um preconceito contra si próprio...

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Certo dia, Alfredo vinha passando por uma rua deserta, com quase ninguém, em horário de almoço, quando se viu seguido por um negro, que se aproximava com certa pressa. O coração de Alfredo disparou: ele ali, bem vestido, de terno e gravata, sozinho e desarmado, seria um alvo fácil... "Agora é tarde para tirar o relógio do braço e colocar no bolso, ou ainda guardar os dólares fora da carteira", pensava, quando se viu surpreendido com a mão do sujeito de cor a lhe tocar o ombro direito:

- Você poderia informar que rua é essa? - perguntou o desconhecido.

- Pe-Pedro... Pedro Segundo... - disse Alfredo, assustadíssimo.

- E o senhor sabe onde posso achar o Edifício Duas Bandeiras?

- Três quarteirões... adiante...

- Muito obrigado, amigo!

E o pobre e injustiçado homem, com a pressa desenfreada que estava, ainda mergulhou num desastrado escorregão, alguns metros à frente, levantando-se um pouco aparvalhado e seguindo em frente, deixando para trás um Alfredo tão aliviado como se lhe houvessem tirado um peso do peito, a ponto de lhe permitir respirar novamente... Quando deu por si, havia um homem forte, loiro, bem trajado, quase ao seu lado: tinha que soltar uma palavra qualquer, tamanho era o seu alívio.

- Que quedão que aquele crioulo levou, hein? - ria-se, como que desabafando com o estranho.

- É... Mas agora, discretamente, passa esse relógio de ouro e a tua carteira...

(Dilberto Lima Rosa, A Prosa de Meu Agora Outrora..., 1993)


P.S.: e hoje também publico no blog da Lelinha, de quem tomo emprestada a esferográfica azul e escrevo mais alguma coisa "infanto-juvenil"...
 

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